Capítulo 10: A mulher na pintura

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Narrado por Emily

Acordo com um barulho vindo dos corredores. Ainda é madrugada, e o castelo está escuro.

Levanto da cama e calço minhas botas, indo a procura do que o causou o estrondo. Ao abrir a porta, encontro o palácio tão quieto que cogito a possibilidade de o barulho ter sido apenas algo da minha cabeça. A ideia é refutada quando eu escuto mais um som. Algo foi quebrado.

Avanço pelos corredores ainda meio zonza, e quando a lua ilumina o ambiente, encontro uma sombra peculiar perto dos aposentos do rei. Me agacho e pego uma pequena faca que sempre fica guardada na lateral de meus sapatos. Celina me ensinou esse truque.

Conforme me aproximo a sombra esquisita começa a ficar menor, como se tentasse desaparecer.

E quando cruzo o corredor, não encontro nada além de um garoto assustado.

Valentim parece até outra pessoa. Ele está parado como um zumbi. Os olhos vidrados e inexpressíveis, a boca semiaberta. Cacos de porcelana cobrem o chão debaixo de seus pés descalços.

-Valemtim, céus! – Me aproximo – O que foi isso?

-Eu nunca gostei desse vaso.

Ele se vira e volta a andar pelo corredor, deixando pegadas de sangue no carpete. Uma de suas mãos pressiona o curativo na lateral da barriga, e a outra está estendida, derrubando mais peças que decoram o ambiente conforme ele avança.

-Valentim, pare com isso!

Corro em sua direção e me jogo sobre seu corpo, o derrubando no chão. Ele começa a se debater. Seguro seus braços com meus punhos

-O que há com você?!

-O que há comigo? O que você acha, Emily?! Eu perdi tudo. Meu povo me odeia! Meus antigos aliados me odeiam! Todos me odeiam!

-Eu não te odei-

-E que diferença isso faz?!

Me afasto, magoada. A lua pálida começa a mudar o foco da luz, e consigo ver melhor o ambiente a minha volta.

Os olhos de Valentim mudam o foco para um ponto ao nosso lado. Sigo seu olhar até um quadro grande. É uma pintura.

Nela, uma mulher alta e esguia, de pele negra e cabelos loiros está sentada em uma poltrona verde esmeralda.

Abaixo da pintura, uma pequena placa dourada: Rainha Zayra, Lumis- Virdes"

Havia algo familiar no rosto da mulher. Os olhos amendoados, o maxilar definido e o sorriso que nunca parece ser verdadeiro, mas sim melancólico, sofrido.

Não havia dúvidas de que Valentim era igual a sua mãe.

Ele parou de demostrar resistência aos meus punhos. Agora ele apenas encarava mulher do quadro, divagando.

-Ela morreu no parto – Ele sussurra – Nunca cheguei a conhecê-la. -A luz reflete seus olhos, que brilham com o surgimento de pequenas lágrimas. -Mas os funcionários falavam coisas para mim as vezes. Coisas boas. Eles me contavam histórias sobre como ela tinha sido uma boa rainha. Como era gentil e forte e responsável e cuidava de todos do reino, não importa o quem fosse. E meu pai, ele.... -Sua voz some por um instante – Ele costumava a dizer que era minha culpa o fato dela ter partido. – Nesse momento, ele começava a chorar de verdade – E eu acabei com isso. Ela parecia ser boa, e eu.... Eu acabei com ela! Mesmo assim eu tentei. Eu tentei seguir o seu legado. Mas Sebastian, Isla, todos eles tiraram isso de mim!

Aos poucos, sua tristeza vai se transformando em raiva. Ele se desvencilha de mim e fica em pé.

-Amanhã eu irei para Aqua. Você não precisa ir comigo.

Ele se vira e volta para seus aposentos, batendo a porta de leve

Volto minha visão para o quadro.

"Ele é igual a ela" Repito em meus pensamentos

Volto para meus aposentos, mas não consigo mais dormir pelas próximas horas.

E pouco antes de finalmente pegar no sono, tenho quase certeza de sentir um cheiro familiar de podridão se espalhar pelo lugar. 

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Notas da autora

A ilustração acima é autoral e foi feita para representar a personagem Zayra, mãe de Valentim


A Ladra de Lumis: Sombras do passadoOnde histórias criam vida. Descubra agora