Narrado por Emily
Acordo com um barulho vindo dos corredores. Ainda é madrugada, e o castelo está escuro.
Levanto da cama e calço minhas botas, indo a procura do que o causou o estrondo. Ao abrir a porta, encontro o palácio tão quieto que cogito a possibilidade de o barulho ter sido apenas algo da minha cabeça. A ideia é refutada quando eu escuto mais um som. Algo foi quebrado.
Avanço pelos corredores ainda meio zonza, e quando a lua ilumina o ambiente, encontro uma sombra peculiar perto dos aposentos do rei. Me agacho e pego uma pequena faca que sempre fica guardada na lateral de meus sapatos. Celina me ensinou esse truque.
Conforme me aproximo a sombra esquisita começa a ficar menor, como se tentasse desaparecer.
E quando cruzo o corredor, não encontro nada além de um garoto assustado.
Valentim parece até outra pessoa. Ele está parado como um zumbi. Os olhos vidrados e inexpressíveis, a boca semiaberta. Cacos de porcelana cobrem o chão debaixo de seus pés descalços.
-Valemtim, céus! – Me aproximo – O que foi isso?
-Eu nunca gostei desse vaso.
Ele se vira e volta a andar pelo corredor, deixando pegadas de sangue no carpete. Uma de suas mãos pressiona o curativo na lateral da barriga, e a outra está estendida, derrubando mais peças que decoram o ambiente conforme ele avança.
-Valentim, pare com isso!
Corro em sua direção e me jogo sobre seu corpo, o derrubando no chão. Ele começa a se debater. Seguro seus braços com meus punhos
-O que há com você?!
-O que há comigo? O que você acha, Emily?! Eu perdi tudo. Meu povo me odeia! Meus antigos aliados me odeiam! Todos me odeiam!
-Eu não te odei-
-E que diferença isso faz?!
Me afasto, magoada. A lua pálida começa a mudar o foco da luz, e consigo ver melhor o ambiente a minha volta.
Os olhos de Valentim mudam o foco para um ponto ao nosso lado. Sigo seu olhar até um quadro grande. É uma pintura.
Nela, uma mulher alta e esguia, de pele negra e cabelos loiros está sentada em uma poltrona verde esmeralda.
Abaixo da pintura, uma pequena placa dourada: Rainha Zayra, Lumis- Virdes"
Havia algo familiar no rosto da mulher. Os olhos amendoados, o maxilar definido e o sorriso que nunca parece ser verdadeiro, mas sim melancólico, sofrido.
Não havia dúvidas de que Valentim era igual a sua mãe.
Ele parou de demostrar resistência aos meus punhos. Agora ele apenas encarava mulher do quadro, divagando.
-Ela morreu no parto – Ele sussurra – Nunca cheguei a conhecê-la. -A luz reflete seus olhos, que brilham com o surgimento de pequenas lágrimas. -Mas os funcionários falavam coisas para mim as vezes. Coisas boas. Eles me contavam histórias sobre como ela tinha sido uma boa rainha. Como era gentil e forte e responsável e cuidava de todos do reino, não importa o quem fosse. E meu pai, ele.... -Sua voz some por um instante – Ele costumava a dizer que era minha culpa o fato dela ter partido. – Nesse momento, ele começava a chorar de verdade – E eu acabei com isso. Ela parecia ser boa, e eu.... Eu acabei com ela! Mesmo assim eu tentei. Eu tentei seguir o seu legado. Mas Sebastian, Isla, todos eles tiraram isso de mim!
Aos poucos, sua tristeza vai se transformando em raiva. Ele se desvencilha de mim e fica em pé.
-Amanhã eu irei para Aqua. Você não precisa ir comigo.
Ele se vira e volta para seus aposentos, batendo a porta de leve
Volto minha visão para o quadro.
"Ele é igual a ela" Repito em meus pensamentos
Volto para meus aposentos, mas não consigo mais dormir pelas próximas horas.
E pouco antes de finalmente pegar no sono, tenho quase certeza de sentir um cheiro familiar de podridão se espalhar pelo lugar.
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Notas da autora
A ilustração acima é autoral e foi feita para representar a personagem Zayra, mãe de Valentim
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A Ladra de Lumis: Sombras do passado
Fantasi*É recomendado ler o primeiro livro da saga antes de iniciar este! Uma nova era inicia-se em Lumis. A barreira e Tenébris foi derrubada, e os reinos estão em discórdia. Celina, agora livre, finalmente decide dar mais um passo em direção a suas raíz...