Narrado por Celina
-Então a culpa foi sua?
Ágatha estava à beira do rio, contemplando a paisagem. Ela se vira num pulo.
-Celina, não apareça assim tão silenciosamente!
-Você não me respondeu...
-Perdão?
-Minha mãe está morta- Repito – E a culpa foi sua?
A frase a faz paralisar. Seus olhos se arregalam.
-Do que você está falando? Eu não-
-Emily encontrou arquivos no palácio que diziam que você entregou minha mãe para a inquisição. Foi por isso que você foi mandada para o exílio? Você colaborou com eles?!
-É mais complexo do que parece...
-Então você admite?
Agora ela parece realmente nervosa, como se pudesse desmaiar a qualquer momento. Ainda assim, ergue o rosto e olha no fundo dos meus olhos.
-Sim, eu fiz isso.
Me sinto sem chão. Durante todo esse tempo, o culpado estava ali, do meu lado.
-Eu tinha dezoito anos. Valquíria tinha acabado de nascer, e o pai dela havia fugido um ano antes quando descobriu que eu estava grávida. Eu estava vivendo escondida nas florestas do norte, mas fui encontrada pela inquisição algumas semanas depois. – Ela toca a cicatriz em sua bochecha, perdida em memórias E pela primeira vez, vejo algumas lágrimas rolarem pelo semblante inexpressível de Ágatha. – Eles me disseram que nos deixariam em paz se eu entregasse alguém para eles. E sua mãe era a minha única correspondente na época.
Sinto meu sangue começar a ferver.
-Você entregou ela. Você sacrificou uma mulher inocente pra salvar sua própria pele?! E a vida que ela tinha?! E a família dela?! Como você pode...
-Ela ainda não tinha família na época! Marquei uma emboscada para ela na floresta, mas ela conseguiu fugir mesmo assim...Acredito que foi nesse momento que ela conheceu seu pai.
Eles não a encontrariam pelos próximos 7 anos seguintes, mas me deixaram ir mesmo assim. Eu e Val começamos a viver no exílio desde então. Todos os meus amigos e família se afastaram de mim. Acharam que o que eu fiz foi imperdoável....
Me apoio em uma árvore próxima, tonta.
-Valquíria sabe?
Ela desvia os olhos para o chão, envergonhada.
-Eu nunca contei a ela. Eu havia perdido tudo, não podia correr o risco de perde-la também...
-Você não queria que ela descobrisse o monstro que você é?!
Ela volta a focar sua atenção em mim, parecendo irritada. Seu dedo indicador começa a apontar freneticamente para o meu rosto.
-Você não tem o direito de opinar sobre nenhuma das minhas decisões, Celina! Você não viveu o período sangrento! Não sabe como foi desesperador. Como era violento! Você não sabe de nada! É muito fácil ter princípios quando não se está no olho do furacão! Eu era jovem, estava desamparada e desesperada, e fiz coisas terríveis! – Ela grita – E você, acima de todos, deveria entender como isso funciona. Você também não foi uma santa em sua vida, certo?!
Nesse momento, seu rosto está a milímetros do meu, e antes que eu possa pensar em qualquer coisa, estendo a minha mão e dou um tapa estalado em seu rosto.
-ELA ERA SUA MELHOR AMIGA! – Minha voz é trêmula – Eu roubei algumas coisas aqui e ali, eu admito, mas eu NUNCA jogaria alguém para a morte! Eu NUNCA trairia alguém dessa forma!
Tiro do meu bolso a foto de minha mãe e estendo para a mais velha
-Eu quero que encare o rosto dela! E dele também – Coloco a foto do meu pai ao lado dela – Eles estão mortos, e a culpa foi toda sua!
Ela fecha os olhos, o que me irrita mais do que qualquer outra coisa
-Não há um dia em que esses rostos não me assombrem, Celina – Ela sussurra, com a voz embargada – Não há um dia que eu não pense no que fiz. Eu não preciso de você para me dizer que eu fui uma covarde egoísta, eu já sei disso.
-É por isso que você tem me ajudado? Você se sente culpada?
-Talvez. Eu achei que poderia me redimir se te ajudasse, nem que só um pouco. Mas não posso...
O ódio continua ecoando no meu peito. Quero acabar com ela. Quero destruí-la de uma forma que ela nunca consiga se reerguer. Mas não posso, não agora.
Ela é poderosa, e eu não tenho nada. Por enquanto.
Um zumbido começa a ecoar pelos meus ouvidos, e ouço algo me chamando na floresta atrás de nós.
Encaro a mais velha, que chora silenciosamente, voltando a beira do lago.
E me afasto, sabendo que essa conversa ainda não tinha acabado.
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A Ladra de Lumis: Sombras do passado
Fantasy*É recomendado ler o primeiro livro da saga antes de iniciar este! Uma nova era inicia-se em Lumis. A barreira e Tenébris foi derrubada, e os reinos estão em discórdia. Celina, agora livre, finalmente decide dar mais um passo em direção a suas raíz...