Fuga

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Wednesday nunca esteve tão consciente da passagem do tempo. Ela não entendia como ele podia passar tão rápido e tão devagar ao mesmo tempo. Durante os dois dias que antecederam o funeral de Esther, tudo parecia estar envolto em uma cronologia muito específica. Os minutos demoravam a passar enquanto ela tentava convencer Enid a se levantar da cama e cuidar de suas necessidades básicas como comer e tomar banho. Os segundos se arrastavam quando as lágrimas voltavam ao rosto da loba enquanto ela observava sem saber o que dizer ou fazer. E mesmo assim, aqueles dois dias pareceram passar em um borrão.

Yoko, Bianca e Divina iam e vinham pelo dormitório, trazendo bandejas de comida e ajudando a arrumar as malas de Enid, que se recusava a fazer qualquer coisa. Wednesday não saia do lado da loba nem por um segundo, nem mesmo durante seus banhos forçados. Ela sentia que Enid nem mesmo estava ali, apenas seu corpo se movia de um lado para o outro quando era obrigado a fazer isso, e depois voltava a se encolher na cama.

Os Addams se ofereceram para levar as garotas, a família de Enid já viria para buscar seus irmãos, mas Wednesday se recusou a deixar Enid tanto quanto se recusou a se enfiar em um carro com um monte de lobsomens adolescentes sem modos. Lurch viria buscá-las trazendo consigo Gomez e Mortícia, que também iriam ao funeral, não pela morta, mas por sua filha e por Enid, que era agora um membro daquela família. Mortícia já havia dado instruções para Wednesday de que fizessem as malas com tudo que precisassem, por que iriam passar alguns dias na mansão Addams após o funeral. A vidente quis recusar, mas sua mãe deixou bem claro de que aquilo não estava em discussão.

-Mi loba, precisamos nos levantar. Lurch chega em cerca de uma hora para nos levar a São Francisco.

Enid está acordada, seus olhos bem abertos encaram a parede escura a sua frente, mas mesmo assim ela não se mexe. Wednesday toca seu ombro com leveza e beija o topo de sua cabeça.

-Amore, estarei com você em cada pequeno milésimo desta triste tortura, como estive desde o princípio. Não há necessidade real de que vá, mas acredito que se arrependerá posteriormente se não comparecer ao funeral de Esther.

Enid se remexe desconfortável. Ela sabia que realmente iria se arrepender se não desse o último adeus àquela que, querendo ou não, era sua mãe afinal.

-Eu não queria que ela morresse...

Wednesday escuta a voz da loba depois de um longo tempo sem ouvi-la. Ela está rouca, sua voz soa baixa e é possível sentir a dor nela.

-É claro que não, cara mia. Você seria incapaz de desejar tal coisa.

Wednesday diz acariciando os cabelos loiros.

-Mas eu odiei ela, odiei ela com todas as minhas forças quando ela xingou você, quando ela me bateu.

A vidente suspira baixo, de forma quase inaudível.

-Enid Sinclair, me escute bem. Você estava tomada pela raiva, estava ferida e acuada. E nem mesmo assim foi capaz de não chorar a morte da mulher que a feriu. Eu não seria tão nobre. Eu mesma teria a matado em seu lugar. Me parece que somos mesmo duas partes de um todo, afinal.

Enid se vira para Wednesday e olha fundo em seus olhos. Depois de três longos dias, ela dá um pequeno sorriso para a vidente.

-Diz isso de novo.

Wednesday a olha confusa.

-O que? Que eu mesma a teria matado?

-Não! Wed... Diz de novo que a gente se completa.

Um brilho fraco e opaco ocupa os olhos azuis de Enid, que volta a sentir algo quente dentro de si. Wednesday toca a bochecha da loba e seus lábios se curvam minimamente em um sorriso.

O corvo e o Girassol (wenclair) - Em RevisãoOnde histórias criam vida. Descubra agora