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▬▬Pela primeira vez em muito tempo estou sozinha.
Não sozinha com alguém me vigiando, ou sozinha com uma vizinha vindo de hora em hora saber se estou bem ou ligando para ver se ainda não me joguei de uma janela e me espatifei no concreto cinco andares abaixo.
Hoje eu estava, definitivamente, sozinha. Só eu e meus pensamentos. Eu e eu mesma. Eu e mais ninguém.
Hugo começou hoje no novo emprego na empresa de seu pai e parecia estar muito nervoso quando me beijou mais cedo, antes de sair, enquanto eu ainda dormia.
Agradar o pai era realmente importante para ele; o lord Voldemort dos negócios nunca toleraria um filho que não seguisse à risca o negócio da família. Só a simples possibilidade de decepcionar o pai era o suficiente para deixar Hugo branco como papel.
Lembro das caras e bocas que Kriudis fazia quando Hugo falava qualquer coisa sobre o seu antigo trabalho como modelo.
- Tem certeza de que vai ficar bem sozinha? - Hugo sussurrou em minha orelha.
Eu ainda estava voltando de um sono agradável, o dia mal tinha começado quando Hugo saiu.
Bocejei, deslizei pela cama e deitei de frente para ele. Hugo aproveitou a oportunidade para me beijar.
- Eu posso chamar alguém se ainda não estiver se sentindo bem para isso.
Nem eu mesma sabia o que sentir sobre. Houve um tempo onde não conseguia confiar em mim mesma nem para deixar a porta do banheiro trancada enquanto tomava um simples banho, quem dera estar sozinha.
Os pensamentos intrusos consumiam a minha mente, a sensação de sufoco fechava a minha traqueia de uma maneira que se tornava impossível respirar.
Naquela época eu já estava morta por dentro, muito antes de cogitar o suicidio. Morta. Um zumbi arrastando o seu corpo pelo apartamento antigo, fazendo as suas necessidades diárias e lutando para durar mais um dia.
Já não estava mais me maquiando como antes, me vestindo, sequer sentia vontade de tomar um banho sem que Hugo me arrastasse da cama até o banheiro e esfregasse ele mesmo o meu corpo.
A dor que sentia, o vazio, era aterrorizante, como se um fantasma estivesse agarrado em minhas costas, me colocando cada vez mais para baixo.
As lembranças eram terrivelmente tristes, principalmente quando a causa de tudo aquilo vinha em minha mente. A minha mãe. Dona Helena. Morta graças a um virus maldito.
Hugo ainda estava em cima de mim enquanto eu pensava nela. Ele deslizou os lábios pelo meu pescoço e beijou a minha clavícula. A mão corre pela minha cintura, barriga e pousa no meu seio esquerdo, sendo toda ela preenchida pela minha carne.
Eu não consigo segurar o gemido. Tiro a mão do travesseiro e o toco no braço musculoso coberto pelo tecido do paletó azul que ele vestia.
- Você vai chegar atrasado - murmurei.
Hugo tira a boca da minha pele e olha o relógio em seu pulso.
- Vai ficar bem sozinha? - volta a perguntar.
Deslizei pelo cobertor para ficar sentada, o quarto ainda estava tomado pela escuridão, o relógio marcava 05:38. Ainda era muito cedo para acordar, mas Hugo havia roubado-me o sono.
- Eu vou ficar, não se preocupe. Não sou nenhuma criança.
O olhar que ele me deu foi de dúvida. Eu realmente queria que ele confiasse em mim a ponto de me deixar sozinha.
Desde a minha terrível doença ele não saiu do meu lado, praticamente abandonou a sua carreira de modelo para dedicar 100% do seu tempo exclusivamente para mim.
No começo eu me senti tão mal por fazê-lo desistir dos seus sonhos que quase cogitei uma nova tentativa de suicidio.
Chorava quase todas as noites pedindo perdão para ele. Hugo me confortava, cuidava de mim e me abraçava; ele demonstrava todo o amor que sentia por mim de diversas formas diferentes.
Naquele tempo eu havia perdido uma mãe, mas ganhei um parceiro para toda a vida.
O grande problema em tudo isso foi o excesso de cuidados dados para mim. Hugo gostou, mais do que ninguém, de brincar de enfermeiro particular.
Depois de um tempo eu não era mais a sua namorada despedaçada necessitando de cuidados, eu era a sua boneca. Uma posse só sua que precisava de uma dose diária de comida, carinho, amor e sexo.
Foi fofo no início, mas às vezes eu me enchia tanto de seu amor sufocante que era inevitável não ser grossa. Eu precisava de um momento só para mim, para respirar.
Mas como dizer isso sem parecer uma grande cuzona para a pessoa mais carente do mundo?
Eu precisei repetir mais cinco vezes que ficaria bem sozinha antes de ver Hugo entrando no carro e partindo para o trabalho.
Desejei-lhe boa sorte e prometi que um banquete, feito por mim, estaria esperando por ele quando retornasse. Hugo saiu mais animado, prometendo me ligar de hora em hora para saber se estava tudo bem.
E então, aqui estou eu, sentada nos degraus da escada, duas horas depois de Hugo ter partido, saboreando a casa vazia.
Só Deus sabe como eu senti falta do doce silêncio da solidão. Suspirei fundo e caminhei direto para a cozinha, preparei um café com leite e abri a geladeira para decidir o que comeria naquela manhã. Torradas com ovos foram a escolha ideal.
Enquanto fritava os ovos e colocava o pão na torradeira, fiz dezenas de stories no instagram para os meus seguidores. Gravei cada passo de meu café matinal, conversando sem parar, as vezes explicando em detalhes o que estava fazendo e como pretendia passar o meu dia.
Havia esquecido da sensação de interagir com o público sem ter a sombra de Hugo por perto. A conversa corria mais fluida, eu sentia poder falar de tudo e mostrar tudo para eles. É fácil me concentrar sem interrupções.
Sentei a mesa com milhares de pessoas me assistindo. Comemos juntos, comigo respondendo as perguntas quando elas surgiam na tela. Terminei a live prometendo um arrume-se comigo enquanto respondia alguns balões de perguntas.
A manhã ainda estava no começo quando coloquei um biquini e fui para a piscina. Atualizei algumas leituras e iniciei uma video-chamada com os administradores da minha empresa.
Revisamos juntos sobre os gastos do mês, os produtos mais vendidos e os que deveriam sair de linha urgentemente. Opinei sobre o tão aguardado lançamento do meu novo batom. Estava animada para esse evento.
Quando a reunião terminou, fui para a cozinha. Estava na hora de pensar no que faria para o prometido jantar de Hugo. abri a geladeira e não vi nada que me rendesse uma boa receita.
Hugo gostava do meu famoso strogonoff de carne e arroz. Desde a minha doença não cozinhava para ele, então pensei em fazer.
Mas não havia na geladeira muita coisa além da carne. Procurei a chave do meu carro e decidi ir para o mercado do condomínio. Não era muito longe, alguns dez minutos a pé, mas eu tinha uma lista de coisas que estavam faltando, entre elas, absorvente.
Eu estava atrasada, o que não era raro de acontecer, mas a tensão em saber se havia ou não uma vida crescendo dentro de mim me matava.
Arrastei a cadeira até a geladeira e subi, enfiando a mão dentro da fresta só para alcançar a caixa de anticoncepcional.
Faltavam apenas três pílulas para o fim da cartela, logo eu precisaria comprar mais, e dessa vez numa farmácia sem tanta burocracia para aceitar dinheiro em cédula.
Devolvi a caixa para o seu esconderijo e coloquei a cadeira em seu devido lugar, tomando nota de comprar um teste de gravidez no caminho para o mercado.
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Fatal!
Mystery / Thriller⚠️ Todos os direitos reservados ⚠️ +18| Status da obra: Em Andamento | Suspense Psicológico | Dark Romance Depois de meses turbulentos, Laura Arruda retorna triunfante à internet, consolidando-se no auge de sua carreira como blogueira de moda. Sua...