eu sei que você tá mentindo

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Quero saber em que estrada me perdi. Quero me buscar lá de volta, reajustar algumas coisas, vestir aquela mesma roupagem e dizer que está um pouco justa, porém ainda cabe quase perfeitamente. Gostaria de saber onde foi que me perdi, que mudei tanto, que minhas novidades escaparam pelas minhas mãos e fiquei turvo. Eu realmente gostaria de saber, mas para me entender mais. Às vezes quero ler sobre mim mesmo, como se pudesse conhecer-me assim, como se pudesse sentir que sou alguém único que possa ser facilmente identificado. Talvez não venha a ser a primeira vez dita, porém preciso dizer que sinto-me estrangeiro de mim. E de tão distante, tão distante, estranho tudo isso aqui. Um choque cultural tremendo. E eu sorrio para disfarçar.

Minho põe as mãos sobre meus ombros, guiando-me no percurso para a suíte. Eu queria dizer algo a ele naquele momento, mas não pude. Não consegui. Não sei se é o cansaço ou preocupação, eu gelei. Nunca soube o que responder diante dessas coisas. Ainda mais agora, ainda mais com ele. Logo ele, quem gosto tanto e me enche de alegria e prazer. Com outras pessoas, eu certamente ficaria lisonjeado, mas não tanto quanto deveria — sempre achei-me demasiadamente superestimado — , e iria explicar calmamente que não sentia o mesmo e que talvez devamos ser amigos. Meros elogios não me aquecem como gostaria. E nisso sempre fui acostumado, a sorrir e dizer que foi lindo, porém não serviu de muita coisa, porque não queríamos as mesmas coisas. Mas agora é diferente. Ele fala algo e eu não sei o que responder, porque nunca fui treinado para isso. E ele sorriu tão lindo quando virou-se para me olhar, abraçou-me e disse que não queria me assustar nem nada, tampouco queria resposta.

Eu também não saberia o que responder, de fato, sobre tudo aquilo dito. E agora ele tem as mãos na minha cintura e ainda não sei o que dizer. Acho que agradecer e sorrir já é o extremo do meu clichê. Mais que tudo, não gosto de preocupar-me com essas coisas. E quando entramos na suíte e ele sugere irmos para a jacuzzi externa para relaxarmos um pouco antes de dormir, eu concordo, porque ainda estou um pouco atônito. Eu não sei como reagir quando alguém que gosto gosta de mim também. Tenho medo de desmanchar tudo.

Pedimos um pouco de comida mediterrânea e deixamos ao lado da banheira. Minho acende um cigarro, depois entra na água e fica olhando o céu. O som do meu celular numa playlist de EDM é baixinho até, e nossas pernas se enroscam debaixo d'água. Ele leva exatas duas músicas para conseguir ligar os jatos, porque estava inseguro sobre saber ou não e eu também me distraí com algumas coisas no celular. E eu pretendo descansar um pouco antes de ir para a cama, porque já quero deitar praticamente imerso no sono.

— A gente pode ficar aqui amanhã, né? Só um pouco, pelo menos, para descansarmos e ficarmos na piscina — Minho me diz.

— Eu estava pensando em ir a uma praia — digo, deixando o celular na mesinha com a comida. Sirvo-me com uma porção da salada grega e ergo a colher para Minho também, após pegar um pouco da azeitona, cebola roxa e pepino. — Você não quer ir?

— Hm... Quero — ele leva trezentos anos para aproximar-se e abocanhar a salada. — Mas pensei em descansar. A gente pode ir pela tarde, não?

— Você que sabe, a viagem é sua — quando viro-me para cortar um pedaço da moussaka (camadas de carne moída de cordeiro alternadas com  berinjela e, sobre tudo, cobertura de molho béchamel), Minho aproxima-se mais de mim e decide acariciar minha nuca.

— Mas estamos fazendo juntos.

— Uhum. Abre a boca — peço, voltando-me com o garfo cheio. Minho nega com a cabeça. — Vai, Minho.

Ele abre a boca e come, como bem pedi com jeitinho. E enquanto eu como, ele mastiga ao passo que bebe um vinho tinto que pedi também. Acho que ambos somos loucos por vinho, porque Minho passou a entender disso e eu também bebo sempre. Quando Minho fica quieto, eu sei que ele está fumando. E eu não sei onde foi que arranjou esse cigarro, porque quando estávamos em Lefkada eu tive um trabalhão para esconder — inclusive, acredito ter ficado por lá — seu maço. Aparentemente, terei de fazê-lo outra vez.

thé et fleurs • minsungOnde histórias criam vida. Descubra agora