Toda escola precisa de uma palestra de primeiros socorros, era o que eu pensava, ainda assim, iria me atrapalhar com o tempo deles para estudar, mantive ali sentada naquele piso gélido, esperando que a palestra começasse, mas ainda estavam montando todos os equipamentos, eu poderia estar estudando para a prova que eu teria naquela semana. Anatomia era fácil, mas complexo demais para deixar o estudo para última hora, eu ainda estava muito perdida com a entrada e saída do sangue do coração, átrios e ventrículos eram um deles, mas eu sentia que estava errada, precisava revisar.
Batucando meus dedos em minhas pernas, pude observar com mais calma ao meu redor, tinham alunos de todas as salas ali, até mesmo alguns nos quais me olhavam de longe como se eu fosse uma mera mosca intrusa, eles me conheciam, mas eu me afastei tão drasticamente que era como se eu fosse estranha de fato, eu não queria contato, principalmente com Esther, que estava do outro lado do pátio, de pé com os braços cruzados e cabeça baixa enquanto balançava sua perna direita, parecia incomodada demais para estar em público e tão vulnerável.
Ainda assim, tentei não me importar, não quando as coisas poderiam dar errado, a distância poderia ajudar meu plano de mantê-la viva e segura, porém meus sentimentos ainda ardiam o peito, eu sentia o arranhar na minha mente, mas eu tinha de pensar, era Warren, não Esther. Voltei meu olhar devagar para o palco, haviam alunos voluntários que estavam tentando ajudar a acelerar a montagem do telão e a conectar os microfones com as grandes caixas de som que eram presas às quatro pilastras, uma de cada lado do grande pátio, assim o som iria sair tão alto que ninguém teria desculpas de não ter escutado o que diziam.
Senti o interesse de apenas me levantar e ir ajudar aqueles adolescentes que não entendiam nada de multimídia, apoiei as mãos em meus joelhos e peguei impulso para me levantar, mas assim que fiquei sobre todas aquelas pessoas sentadas de pernas cruzadas ao meu redor, um som agudo e estrondoso soou por todo o colégio, o que me fez agachar de imediato com as mãos nos ouvidos, como se isso fosse me ajudar contra o choque que levou em meus tímpanos. Ao redor, as pessoas urraram de susto e raiva, enquanto o som cortava o ar e chicoteava por cada um de nós, abri os olhos que se arregalaram, procurando algum lugar em que eu pudesse me afastar daquele som agudo, por incrível que pareça, o som doía meus ouvidos, mas parecia que minha cabeça estava tão leve, era como se eu estivesse nas nuvens, minha visão direcionou para Esther, do outro lado do pátio, com as mãos os ouvidos, mas ao me ver olhando para si, afastou uma de suas mãos do rosto e acenou em minha direção, chamando-me para sua direção.
Meus passos seguiram o instinto, obedecendo os meus sentimentos, me levando cambaleante para a garota, conforme eu me aproximava, meu peito ardia, tão quente pela aproximação depois de tanto tempo, que ao parar em sua frente, senti minha garganta queimar pela falta de ar, uma vontade de chorar, uma emoção diferente de qualquer coisa que eu tenha sentido depois de tanto tempo. A olhei nos olhos, com tanta intensidade que nem me importei com o som agudo que persistia por todo o pátio da escola, afastei as mãos de minhas orelhas e as levei para o rosto de Esther, alisando suas bochechas enquanto as palavras saiam de meus lábios com tanta velocidade, era como se eu já soubesse o que dizer, uma necessidade que nem mesmo precisava pensar, era algo tão concreto e certeiro, como se estivesse guardado no fundo da mente por tempo demais.
- Esther, eu sinto muito. Todo esse tempo em que eu estive afastada de você, eu não te odeio e nunca quis ficar longe de você, não quis jamais ser grossa contigo, não era eu... Lembra quando eu te contei sobre o garoto filho do serial killer? Eu imagino o que esteja acontecendo, mas dessa vez ele me tomou por completo, não sei se é o anel que me prendeu os poderes e me deixou mais fraca e por isso ele conseguiu usar o poder com mais força em mim, ou se eu realmente estou fraca. O que eu quero dizer, é que não sou eu, eu não quero e nunca quis ficar longe de você, eu quero sua segurança, só isso, mas eu... Eu te amo, Esther.
Minhas palavras saíram tão desesperadas, que era como se eu estivesse guardando todo aquele sentimento por anos, mas eram no máximo semanas. Meus olhos pulavam entre os de Esther, que não piscavam em nenhum segundo, apenas sentia meu toque em suas bochechas e sugava minhas palavras com a respiração presa na garganta, só quando enfim parei de falar que Esther puxou o ar com força, me imitando enquanto o ar queimava e aliviava minha garganta, a garota soltou um sorriso tão sincero com minhas palavras que por um momento pude ver como seus olhos brilhavam, mas ao encarar minhas íris, a garota apenas franziu o cenho e se aproximou, como se estivesse analisando meus detalhes, o tempo afastada deve ter feito esquecer de alguns traços de meu rosto, mas na verdade, era como se ela tivesse visto algo de diferente, e me deu a certeza quando ela ergueu as mãos para afastar as minhas de seu rosto, assim pôde me olhar com mais atenção, sem pensar no calor de minha pele tendo atrito com a sua.
- Eu podia jurar que seus olhos eram verdes, mas agora estão azuis cristalino, ou ao contrário... E estão avermelhados, o que está acontecendo contigo? Tem algo muito de errado com você, Olívia.
Esther disse com as palavras tão baixas e preocupadas que foi difícil de escutar, o que me fez inclinar o rosto para mais perto, deixando meu nariz raspar em sua bochecha, um toque leve que ardeu meu estômago, estar com ela era tudo o que eu queria no momento, como eu pude evitar sentir essa emoção? Como pude não sentir saudade, amor e carinho por minha amiga? Nem pude me sentir mal de ouvir aquelas palavras, ao invés de outras carícias vindo dela, afinal ela se preocupava e se importava comigo o suficiente para deixar o afeto para depois, senti seus dedos gélidos e compridos tocar em meu pescoço, subindo de leve para meu queixo, enquanto os olhos de Esther desviavam entre os meus, eu faria de tudo para saber o que ela estaria pensando naquele momento.
Um sorriso se abriu em meu rosto, quando apenas fechei meus olhos e permiti sentir aquele carinho tão confortável que eu sentia tanta falta, meu corpo desejava e necessitava, como abstinência, era uma droga, eu ansiava e me sentia tão bem por estar ali naquele momento, sentindo os toques de Esther, ouvindo sua voz e sentindo seu cheiro, mas como eu conseguia evitar gostar de sentir tudo isso, em alguns minutos atrás? Era como se o som agudo nem estivesse mais soando, eu não me incomodava mais, só queria estar ali, no meu ponto de paz e eu amava me sentir tão acolhida com ela daquela forma, ainda assim, o que me fez esquecer do som perturbador ao nosso redor, de repente me despertou de um transe, quando o silêncio correu entre minhas veias, meus olhos se abriram, ardendo e queimando, como se estivessem secos, minha visão pairou sobre Esther, tão perto enquanto o barulho estrondoso das caixas de som desapareciam.
- Eu também te amo, Olívia. Saiba disso sempre que eu estiver olhando para você, e eu...
As palavras de Esther soaram distantes em minha cabeça, conforme a consciência voltava para mim, pisquei os olhos atordoada, olhando ao redor e me afastando, ignorando tudo o que ela dizia para mim, me afastei o suficiente para que ela não pudesse mais tocar em meu corpo, arregalei o olhar, sentindo minhas sobrancelhas se curvar de irritação quando a vi tão perto, prendi a respiração quando senti que minha cabeça voltava a ter um peso tão grande que meus pensamentos ficaram afogados no fundo de minha mente, Esther parou de falar e franziu o cenho, encarando meus olhos como se houvesse algo de errado com eles, ou como se tivesse visto a confusão em meus olhos, olhei ao redor vendo as pessoas no pátio se levantando e se afastando do palco, desistindo da palestra depois de minutos de poluição sonora.
- Liv? O que aconteceu?
Me afastei bruscamente de Esther, enquanto cambaleava para trás, ouvindo apenas o rugido em minha mente, grave demais para ser meu, não consegui formular a ideia do dono daquela raiva, mas eu sabia de onde vinha, a fonte que me comandava e me empurrava para agir em situações nas quais não era eu. Eu precisava de ajuda, mas não sabia como pedir. Não falei mais nada, apenas me afastei o máximo de Esther, a olhando com tanta frustação que pude apenas ouvir o gemido de tristeza de seus lábios, ou imaginei. Me virei de costas para a garota e segui caminhando para longe daquele pátio, só assim eu poderia fugir da companhia daquela garota, eu não podia estar perto dela, não queria e nem mesmo pensava em estar com ela, eu repudiava sua presença e me sentia enojada de me imaginar beijando os lábios dela, eu não conseguia entender como que eu podia um dia ter gostado de estar com ela, queria distância, o quanto antes.
Passei pela minha sala e apenas segui uma ordem na minha mente, para pegar minha mochila e seguir para fora da escola, era tudo o que eu precisava, sair dali e fingir que aquele dia nunca tinha acontecido, um pesadelo que me paralisou na noite, mas que eu esqueci e que superei o medo, estava tudo bem e iria ficar ainda mais, quando um novo dia nascer e eu não ter mais nenhum contato com qualquer uma das pessoas do meu passado.
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Poderes De Outra Dimensão - 2ª Temporada
Ciencia FicciónSegundo livro da obra Poderes De Outra Dimensão. 2ª Temporada. A Ilusão De Uma Mente Roubada. Olívia quase morrera na tempestade, mas Sam fora seu anjo da guarda, a salvou antes de sua última batida do coração. Ele a prometeu que ela teria uma vida...