Capítulo 2

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Jhony
Me vi diante um corpo pequeno. Meus pais choravam ajoelhados ao lado dessa criança e minha mãe gritava "não" repetidas vezes.

Após dois passos, vi que se tratava de uma garota. Seus cabelos loiros pingavam vermelho. Seus olhos tinham sido arrancados e um sapatinho vermelho de boneca estrangulava sua boca. No seu vestido amarelo, haviam respingos de sangue que formavam letras.

Me aproximei até conseguir ler a frase escrita: "Por que não esperou por mim?".

Minha boca se abriu, mas o meu grito não teve som. Os policiais olharam para mim. Os vizinhos. Meus pais. Todos apontaram um dedo na minha direção.

— É sua culpa. Sua culpa! — disse minha mãe com o corpo da minha irmã em seu colo. — Juciene morreu por sua culpa.

— NÃAAAO!!!!!

Acordei afogado com o meu próprio grito e suor.

Quando me vi, estava sentado na cama com o coração batendo em solavancos e um choro engasgado que fazia a garganta arder.
Eu tive um pesadelo. Foi um pesadelo.
Levei a mão no peito como se existisse alguma faca que eu pudesse arrancar, mas por mais que eu tocasse, não conseguia alcançá-la.

A dor continuou. Cada minuto tornava o buraco maior.

Todas noites eram ruins, em todas eu tinha pesadelos com o pior dia da minha vida, mas nunca senti dessa forma. Eu nunca tinha sonhado que a minha irmã estava morta. Apesar de ter passado um ano inteiro sem notícias, ainda tinha a esperança de que em um lindo dia ensolarado ela entraria pela porta de casa e diria: "Eu estou aqui. Desculpa pela demora, eu me perdi".

Só que agora... E se ela tiver morrido? Pensei nisso e minha pele inteira se arrepiou.

Não. Não morreu. Foi só um pesadelo.

Virei o rosto para a janela de cortinas entreabertas. Meus cílios molhados ofuscavam a visão e demorei a reparar que ainda não tinha amanhecido. Acendi o abajur ao lado da cama e assim que o quarto tomou forma com a claridade, peguei o despertador de sinos metálicos.

São quatro e quarenta e cinco. Contei nos dedos. Faltavam cerca de uma hora e quarenta e cinco minutos para o despertador tocar e eu ir para a escola, mas de jeito nenhum voltaria a dormir.

Encostei a cabeça na cabeceira de madeira e encarei o teto cheio de pintinhas de bolor, como um sorvete de flocos.

Minha barriga roncou, a fome me atingindo como um soco na boca do estômago. A mixaria que dei para ela ontem, não me alimentaria por mais tanto tempo. Era quase como se eu não tivesse comido.

Levando em consideração o que almocei e jantei, era o mesmo que nada.

Depois da briga com a mãe, fiquei enjoado só de pensar em descer para preparar o almoço correndo o risco de reencontrá-la. Não me importaria de ficar trancado no meu quarto até o pai aparecer. Preferia ficar sem comer e tomar banho, a passar por tudo aquilo de novo.

No entanto, mesmo querendo muito isso, fui forçado a sair porque a Joana estava sem comer desde cedo e seu choro não parou de implorar em meus ouvidos. Estava tão agitada, que foi difícil até de dar banho. Então, na tarde passada, ouvi quando o andar de baixo ficou silencioso por volta das 15:00, o que talvez significasse que minha mãe tinha tomado seus comprimidos de dormir e eu poderia pegar tudo o que precisava na cozinha.

Jhony Trouble Onde histórias criam vida. Descubra agora