Capítulo 28

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Gabrielle

Jhony ficou aprisionado dentro de mim por um minuto ou mais, até que nós dois percebemos que eu estava trêmula e tinha os olhos lacrimejantes.
Gentilmente ele começou a se desconectar do meu corpo. Foi uma sensação estranha. Estava menos rígido do que quando entrou, não doeu, embora eu tenha estremecido mesmo assim e tido uma sensação nauseante e fria.
— Você está bem???? — Ele quis saber observando meu rosto em um estado emocional tão... nervoso. Seu peito subia e descia rápido. — Me desculpa, Gabrielle. E-eu sinto muito.
— Sim — sussurrei e juntei as mãos no peito ofegante. Queria rir, gemer e chorar ao mesmo tempo. Sentia prazer e uma pequena parcela de angústia. Que sensação estranha.
Eu lembrava de mim mesma o puxando para mais perto, não tinha muita certeza do que esperar da minha atitude, mas definitivamente não contava que ele me atravessaria tão profundamente e de uma só vez. Como um tiro a queima-roupa. A minha inexperiência, juntamente da sua, foi um combo péssimo para a nossa primeira vez. Fomos pegos de surpresa. Não fizemos do jeito certo, agora tínhamos menos ideia ainda de como prosseguir.
— Droga, Gabrielle... Droga, Gabrielle, me perdoa. — Jhony me disse uma vez que não acreditava em pedidos de desculpa, mas desde que me penetrou bruscamente, isso não parava de sair da sua boca. — Não sei como isso aconteceu, desculpe. Por favor, me perdoe. Porra, porra, porra. Eu te machuquei? — Foi para o lado para sair de cima. — Me diz, eu te machuquei?
— Eu estou bem — falei mais firme, mas ele estava tão atormentado agora fechando o meu roupão como um perfeito cavalheiro, que nem ouviu. Fez o laço que antes havia desfeito e só depois se preocupou em guardar a própria saliência na cueca e calça.
— Puta merda, puta merda, o que nós fizemos — lamentou ao terminar de se vestir e sentou no chão com as pernas inclinadas. Apoiou os cotovelos nos joelhos e deixou a cabeça cair nas mãos. — Não acredito nisso! Não acredito.
Sentei nos calcanhares ao seu lado e deslizei meus dedos pela barriga. Minha perereca continuava batendo palma mesmo que o parabéns tenha acabado. Não parava de piscar.
Um garoto esteve dentro de mim. Minha mente deu um estalo.
Olhei para Jhony.
Não um garoto qualquer. Ele. Esteve. Dentro. De. Mim.
Não conseguia parar de encarar a curvatura do seu pescoço, aquelas veias saltadas, suas mãos grandes, sem pensar nisso. Minha virgindade tinha sido violada e meu corpo e cérebro ainda estavam reagindo. Ainda havia uma pressão embaixo, meio ardida e parcialmente tensa. Meu Deus, uma encrenca tão bruta e grande jamais havia entrado aqui. Era desesperador pensar no que acabei de fazer. Era claustrofóbico lembrar que uma parte tão proibida de alguém me atravessou. Um pênis. Um pênis me cutucou.
— Gabrielle? — chamou. Eu o encarava, mas já não o enxergava. Estava cega nos meus pensamentos. Até que um relâmpago iluminou todo o quarto. A tempestade continuava lá fora, mas ela não me assustava. Os fatos me assustavam. — Gabrielle, está se sentindo mal? Você está particularmente quieta. O que foi? Me diga, o que foi?
— Sexo é... estranho — respirei fundo e apertei a barriga mais forte. — Meu Deus, você acabou de me atravessar. Tipo, você estava aqui dentro. Que loucura. Nunca parei para pensar em como isso é possível.
Olhou-me com receio. Adaptei minha vista à escuridão parcial e vi suas sobrancelhas franzidas na altura dos olhos profundamente verdes.
— Eu te machuquei? Responda sério. Está sentindo dor em algum lugar?
Pensei por um instante.
— É esquisito. Estou com um desconforto...
Ouvindo isso, Jhonathan se levantou e vestiu a camiseta jogada pelo chão. Aquela camiseta toda amassada, meio úmida, que fiz questão de tentar rasgar no momento de insanidade.
— Se troque — disse de repente, conforme passava a gola da roupa pela cabeça.
Minha sobrancelha ergueu.
— Pra que?
— Vou te levar a um postinho. Precisamos saber se está tudo bem com você. Eu fui muito... muito bruto. Posso ter te machucado.
— Ai, Jhonathan, não seja exagerado. Você acabou de tirar a minha virgindade, arrancou meu hímen, é uma coisa nova, meu corpo não está acostumado. Estou com um incômodo nas minhas partes porque não estou acostumada com algo tão grande me atravessando!!
— Merda — soluçou.
— O que foi?
Algum pensamento pareceu pesar e ele levou as mãos nas têmporas as massageando. Pra piorar, começou a andar de um lado pelo outro no quarto. Mal desviada do saco de pancadas. Acompanhei todo movimento com meu olhar, até que ele resolveu partilhar metade das suas preocupações comigo.
— Não era para ter sido assim. Gabrielle, eu sinto muito. Você devia poder confiar em mim. Era para eu ter ido embora enquanto tinha o controle. Não devia ter feito isso no chão do seu quarto, como um animal no cio. Um babaca, sou um babaca. Eu devia ter sido a voz da razão, devia ter sido responsável e ter saído quando as coisas começaram a fugir de controle. Devia, devia, devia, mas não me movi! Caralho, eu sou o maior imbecil de todos os tempos. Como fui deixar isso acontecer? Porra. Porra. Porra.
Levantei e o forcei a parar colocando-me na sua frente como uma barreira.
— Você não fez nada sozinho. Pare de pegar toda a culpa para si, Jhonathan. Eu o convenci a ficar, eu o puxei, eu o impedi de parar. Para de se culpar, porque também tenho voz nessa situação. Não é como se você tivesse me forçado — argumentei. — Eu estou bem e não me arrependo nenhum pouco do que fizemos. Foi sem jeito, foi no chão, mas não me arrependo.
Ele engoliu em seco.
— Droga, Gabrielle. Que droga vamos fazer agora?
— Com o que? Não é o fim do mundo. Todo mundo transa. Por que está tão enfurecido?
— Porque além de tudo, acabei de lembrar que não usamos... Não usamos proteção.
Nessa hora tive palpitação e senti as axilas pingarem.
— Nós não... Não fizemos quase nada. Por que isso seria um problema?
Os olhos de Jhony perderam o brilho, o verde se igualou ao cinza do céu.
— Nós fizemos alguma coisa, sim.
— Sim, mas tipo você não... A gente só começou, não terminamos. Como seria possível acontecer algo sem você ter... gozado?
Ele só me olhou, deixando a pergunta de molho por uns minutos.
— Qual a chance de você ter colocado um bebê na minha barriga? — insisti. Não fazia muita ideia de como isso funcionava. Quer dizer, obviamente tinha conhecimento de como os bebês eram gerados, mas por falta de uma figura materna por perto e vivendo sob o mesmo teto de um pai superprotetor, não aprendi os pormenores da coisa na prática. E esse não era o tipo de pesquisa que eu costumava fazer na internet ou em livros. Como eu acharia que uma cutucadinha vagabunda no meu útero geraria uma criança?
— O líquido pré ejaculatório também engravida, mas a chance é baixa — assegurou-me, mas à essa altura, ele já tinha desenvolvido o meu surto.
— Ai, meu Deus. Ai meu Deus, eu não tinha pensado nisso. Será que... Será que... Meu Deus — agarrei os cabelos. A ideia de ter um filho com quinze anos, de um coito interrompido, começou a me desesperar. — Nossa, meu pai vai me matar. Jhonathan do céu, ele vai matar nós dois se eu ficar grávida.
— Calma, Gabrielle. Ninguém vai matar ninguém...
— Sim, ele vai. Estamos perdidos. Meu Deus, estamos perdidos. Nós dois vamos morrer porque meu pai vai nos matar. — Achei que isso o deixaria tão apavorado quanto eu, mas ao encará-lo, vi que ele tinha uma expressão tranquila na face. — Você não está me ouvindo? Por que você não tá fugindo pela janela nesse exato segundo? Você não tem cabelos para puxar, então pule dessa janela. Quebre a parede com o crânio. REAJAAAA. Eu não posso ser a única em desespero aqui com a possibilidade de ter engravidado na primeira vez!!!
— No momento estou mais preocupado por ter te ferido, do que com a chance de ter colocado um bebê aí.
— Como é possível?? Sua preocupação se resolve comigo tomando um dipirona. A minha se resolve como? Daqui nove meses ela só começará.
O jeito que falei ou o meu tom de voz, fez sua expressão ficar mais leve... Aquilo era um sorriso? Não era possível.
— Você está sorrindo? — queixei-me furiosa. — Como é que consegue sorrir agora? Você bebeu? Bateu cabeça?
— Você tem pedofobia?
— Que diabo é isso!?
— Fobia à bebês.
— Não tenho fobia a bebês.
— É que você está pilhando e tratando a situação como se ela estivesse certa. É uma chance baixa, e você age como se tivesse recebido um resultado positivo para gravidez — soava extremamente calmo. O que me deixava mais puta.
— Uma chance baixa, ainda é uma chance.
— Gabrielle...
— Você me alarmou, agora aguente.
— Não queria te alarmar, eu só pontuei uma das razões de eu estar tão assustado.
— Pois agora também estou assustada. Não, estou completamente horrorizada. Não quero uma criança com a nossa cara. Deus me livre!
— Deus me livre?
?
— Você disse mesmo Deus me livre para um bebê com a nossa cara? — insistiu como se eu o tivesse insultado.
— Você tá falando sério que de tudo que falei, isso foi o que mais te incomodou?
— Claro que estou — exclamou. — Nunca fui tão ofendido em toda vida.
— Você só pode estar de palhaçada... — bati o pé. — Essa é uma conversa séria? Mesmo? Você não está brincando?
Ele cruzou os braços, uma expressão arrogante pregou em seu rosto. Um olhar intenso me desafiando. Apesar de ele parecer realmente bravo, eu o conhecia bem demais para saber que estava tirando com a minha cara. Então, por mais consumida pela preocupação que eu estivesse, caí na risada. Ri da forma que ele tentava não rir. Eu amava e odiava o fato desse idiota me fazer rir quando eu menos queria.
Não demorou para que Jhony me acompanhasse e o quarto se iluminou de nós. Rimos alegremente por cima do barulho da chuva que quebrava lá fora. Acho que eu estaria chorando se essa situação assustadora fosse com qualquer outra pessoa que não com ele.
— Pra começo de conversa, eu não te insultei — falei com dificuldade, tinha o rosto congelado com um sorriso. — Mas, sem querer ser rude. Cabeça de gema de ovo e olhos de foca são bonitos aonde!?
Ele caminhou na minha direção, meu coração acelerou. Delicadamente envolveu minhas bochechas geladas com suas mãos também geladas. Esfregou os polegares sobre minhas maçãs, pareciam lixas grossas, e inclinou mais sua cabeça, nossas testas quase colaram. Meus olhos se chocaram com os dele. Fiquei de pernas bambas e involuntariamente umedeci os lábios, me preparando para um beijo que nunca chegou.
— Você está proibida de falar mal desses olhos lindos — balbuciou quase dentro da minha boca. Seus olhos se moviam rápidos por todo meu rosto. Ele não devia olhar desse jeito para uma garota se não pretendesse beijá-la. — Eu os amo, são meus protegidos. Se quiser fazer uma autocrítica, escolha outra coisa, entendeu?
Minha respiração acelerou e fiquei vesga encarando aquela coisa maravilhosa que fazia eu querer me entregar de mão beijada.
— E eu amo seus cabelos, seu cínico — o empurrei com tudo antes que caísse em tentação e apontei um dedo para ele. — Mas gosto deles aí. Na sua cabeça. Não em um micro você!
Ele foi um passo para trás com o empurrão.
— Ah, então é assim?
— É. Por enquanto, é.
Ele sorriu largo, então linhas de expressão tomaram sua testa, ele se preparava para falar sério de novo.
— Vamos discutir esse pormenor quando for a hora. Agora preciso que se controle ou você vai pirar, Gabrielle. Sério, respire. Se tiver acontecido de você engravidar... — ele engasgou. A ideia também não o agradava. Ficou evidente que por N motivos a possibilidade o assustava muito mais que a mim, mesmo assim tentou me consolar. — Se eu tiver colocado um bebê em você, eu assumirei a responsabilidade com seu pai. Deixarei que ele me bata uma, duas vezes se precisar, que me castigue por nós dois, mas cuidarei de você e dessa criança.
— Cuidar dessa criança?? Ah, não, não consigo respirar — usei a mão para abanar meu rosto e foi minha vez de caminhar sem rumo pelo quarto. — Não fale assim. Eu não quero um filho! Eu choro por causa de uma árvore, sou egoísta, gosto de dormir e descobri que sou uma irresponsável. Qual a chance de eu ser capaz de educar uma criança?
— Não vou nem citar todas as razões pelas quais eu seria um péssimo pai também. Eu perderia algumas horas e não teria dito tudo. Ter um filho é a última coisa que quero nessa vida, mas estou dizendo que se acontecer, não vou fugir da minha responsabilidade. Vou cuidar de vocês independentemente de qualquer coisa, porque se você tiver engravidado, não fez esse filho sozinha. Estamos juntos nessa — disse. O controle que ele tinha da própria voz, não tinha como não invejar. Ele a controlava como se fosse uma nota musical, enquanto a minha soava como uma buzina de navio. — É assustador, também acho, mas não vamos enlouquecer antes do tempo.
— Não vamos enlouquecer — fechei os olhos e repeti para mim mesma como um mantra. — Não vamos enlouquecer. Foi só um deslize. Um escorregão inocente. Não vai dar em nada. Ficaremos bem, né?
Jhony não respondeu, mas senti quando suas mãos prenderam uma mecha de cabelo atrás da minha orelha e quando sua respiração abanou meus cílios.
— Ei, olhe para mim. — Olhei, mesmo que isso sugasse todo meu oxigênio. — Você está bem? — desceu uma mão até meu abdômen. — Está dolorida? Não minta para mim. Eu te conheço e vou saber. Está dolorida?
Agarrei seu pulso com força e interrompi seu carinho. Aquilo pareceu paterno demais pro meu gosto e eu não podia lidar com isso agora.
— Estou bem. Só não me toque assim. Se eu sonhar que senti algum chute, eu desmaio.
Seu peito sacudiu em uma risada curta que correu por minhas veias e afastou minhas preocupações como se fossem pó.
— Tá achando que é gravidez a jato?
Dei um tabefe no seu braço.
— Caramba, nunca te vi rir tanto. Eu em surto e você tirou o dia para rir como o bobo da corte.
Jhony se virou, sua risada ainda ecoava pelas paredes, e se encaminhou até meu armário. Abriu toda as portas e vasculhou entre minhas peças de roupa com liberdade. Não havia satisfação maior que ter esse tipo de intimidade com ele. Eu tinha meu melhor amigo e meu amor na mesma pessoa. Fiquei quieta enquanto ele pegava uma calça de moletom escura e uma camiseta marrom de manga comprida entre os cabides. Abriu a primeira gaveta e pegou um sutiã. Abriu a segunda e pegou uma calcinha. Ele deixou todas as coisas organizadas na cama, enquanto eu permanecia dominada pela frustração de termos feito sexo sem preservativo.
— Se veste antes que entre em trabalho de parto — apontou com a cabeça para o montinho sobre o colchão. Os lábios outra vez formando curvas. Minha vontade de morder aquela boca, na pura maldade, era quase insuportável.
Fui até as roupas que ele escolheu aleatoriamente. Trinquei os dentes, queria esganá-lo. Não contente, lancei um olhar incisivo.
— Juro por Deus, não entendo como pode estar tão tranquilo. Você quase teve uma parada cardíaca quando te roubei um beijo e agora brinca sobre ter filhos. Como isso pode não importar para você?
— Não te ocorre que você destruiu todos meus neurônios com aquele beijo? — O fitei boquiaberta. — Além do mais, o dano está feito. Preocupar-me não mudará as coisas. Não posso voltar no tempo, então resolvi negligenciar o assunto por enquanto. Estou esperançoso que o que fizemos não dará em nada, mas se daqui alguns meses, ou semanas, eu tiver que surtar, não se preocupe, eu vou. Acredite, eu vou.
Pensava sobre o que ele disse enquanto deixava o roupão escorregar por minhas curvas até o chão. Me inclinei na cama, com o ventinho do quarto assoprando a minha bunda, e peguei a calcinha que ele selecionou. Era branca de renda. Eu particularmente a achava um charme.
Estava a ajeitando para vestir quando Jhony fez minhas mãos pararem no ar.
— Me deixe perguntar uma coisa, Gabrielle — fez uma pausa de congelar o sangue. — Que diabos você está fazendo?
Olhei por cima do ombro.
— Me trocando...
— Na minha frente?
Engoli em seco. Passei rapidamente a calcinha pelas coxas e a camiseta pelos braços. Não tinha percebido que estava me trocando na sua frente. Quer dizer, até tinha, mas não... Não pensei nem por um segundo que não seria uma boa ideia expor minha perereca assim e meus bicos de peitos rosados. Fiquei aérea no nosso assunto e não lembrei que estava nua no meu quarto com um garoto que quase me comeu viva agora pouco. Desfilei pelada na sua frente como se estivesse no jardim do Éden, tudo porque me senti segura com ele. Esse lance de confiança, de se sentir confortável na presença, era uma furada.
— Você acabou de me ver pelada, que que tem? — tentei soar indiferente.
— Que que tem que tenho duas cabeças e hoje descobrimos que nenhuma delas pensa quando te vê.
Ri de forma exagerada para manipular a queimação traiçoeira florescendo dentro de mim – de novo - e me virei inteiramente para ele. Péssima ideia. Seus olhos passearam por minhas curvas, pela calcinha tão fina. Senti o rosado das minhas bochechas intensificar. Senti minhas veias queimando até estalar. Os pelos das coxas se ergueram.
— A partir de hoje só vou aceitar essa cabeça de baixo, se ela vier com um capacete de proteção — falei.
Ele deu uma risada sem graça e colocou as mãos atrás da nuca. Girou a cabeça em círculos de olhos fechados.
— A partir de hoje só me aproximo se você estiver toda envelopada. Mal consigo respirar quando você está assim — sua voz falhou por um instante. Ele me deu as costas como um reflexo e foi ver a chuva através da janela. Tinha cem por cento de certeza que o fez porque não aguentaria permanecer me olhando sem me tocar. — Se vista pelo amor de Deus e pare de contar com a sorte. Tem gente aqui que não sabe a hora de parar de pulsar.
Tentei fingir que não lembrei imediatamente daqueles lábios pressionando a minha pele e os dedos firmando em meus quadris. Fingi que não lembrei que apesar do susto e desconforto inicial, foi gostoso ter ele dentro de mim. Foi prazeroso demais. Eu não pensaria duas vezes em repetir.
Me apressei em puxar o algodão macio da calça de moletom pelas pernas antes que caíssemos em tentação de novo. Nunca imaginei que essa cascata hormonal fosse me trazer um sentimento tão profundo. Nunca fui tão burra, tão impulsiva, tão irritada. Eu estava agora pouco desesperada com a possibilidade de ter engravidado e me peguei desejando entrar nesse jogo sexual de novo. Eu tinha um corpo que não podia mais controlar. Uma mente que não fazia outra coisa que não fosse pensar nele.
Fiz um laço no cordão da calça bem apertado.
— Pronto — anunciei. — Estou completamente vestida.
— Certeza? — questionou ainda de costas.
— Claro que tenho. — Ele ia se virar. — Não, espera. — Brecou. —  Minhas mãos ainda estão de fora.
Ele se virou com um olhar acusatório e braços cruzados no peito.
— Engraçadinha!
Lancei um olhar sarcástico.
— Não mais que você.
— Preciso ir em casa ver a minha mãe... — sua voz vacilou incomodado, quase debilitante. — Você deveria aproveitar para descansar um pouco. Está sem luz e chovendo. Não tem hora melhor para cochilar.
— Sim, esse lance de ajudar meu pai de manhã está me deixando exausta. Não sei se sobrevivo até o fim da semana. — Dei um bocejo e me espreguicei. Parecia que meu subconsciente só estava à espera de alguém dizer que ele podia relaxar. — Que isso, você sugou toda a minha bateria humana.
Ele respirou fundo e forçou um sorriso.
— É um alívio ver que seu bom humor voltou — os músculos do seu maxilar se contraíram e os olhos brilharam, úmidos. Sem nenhum truque, nenhum orgulho ou máscara. — Gabrielle...?
— Sim?
— Lamento pela maneira que te tratei. Que fiz isso. No chão, tão brutal e ignorante. Sem nenhum romantismo — piscava rápido, como se para espantar cacos de vidro dos olhos sinceros. Puxou o lábio inferior para dentro e soltou. — Eu vivia dizendo que você merecia um garoto legal, que te tratasse com respeito, e a fizesse feliz. Eu próprio adiei sua chance. Nunca vou me perdoar por ter tirado a oportunidade de você ter uma experiência boa para recordar. Eu sinto muito. Mesmo. Brigue comigo o quanto quiser. Se quiser me bater, vá em frente.
Isso me desestabilizou. Sua mágoa era tão visceral, que quase a senti descamando a minha pele como navalha. Eu não queria que ele se sentisse algo além de felicidade com a nossa primeira vez. Foi uma situação embaraçosa, constrangedora, fizemos de um jeito errado, mas ainda assim foi a nossa primeira vez. Tínhamos várias "primeiras vezes juntos" e quantas garotas podiam se vangloriar por ter a sorte de crescer com a sua pessoa escolhida?
Caminhei até onde ele estava. Jhony observou meus passos e, mesmo desencorajado, não se moveu. Estiquei os braços e os passei ao redor do seu corpo rígido, o abraçando. Encostei a cabeça em seu peito e disse em claro e bom tom:
— Leve em conta que foi especial por ser com você — as palavras saíram borbulhantes das profundezas do meu peito. Senti seu corpo tremer. — Você não faz ideia do quanto estou feliz por termos feito isso juntos e não com outras pessoas. Você é o garoto em quem mais confio, o meu melhor amigo, o droga de um gostoso. Não importa que nossa primeira vez não tenha sido tão boa. Importa que teremos o resto de nossas vidas para termos outras vezes juntos.
Encostada em seu peito, senti ele soltar uma respiração trêmula, meio risonha e nervosa. Seus dedos começaram a se mover por minhas escápulas. Me cercaram, prenderam e apertaram mais forte. Um cercado de amor. Em seguida levou os lábios no topo da minha cabeça e depositou um beijo gentil.
— Você é a única garota possível com quem eu faria esse tipo de coisa. Decidi assim que você me atacou com suas amoras pela primeira vez. Nunca existiu alternativa, sempre foi você.
— Ainda bem que eu te beijei — sussurrei.
— Ainda bem que me beijou — concordou em voz alta. Um tempo depois, ainda abraçados, ele suspirou: — Gabrielle, você tem razão. Caralho, ouve isso. — Segurou minha cabeça mais firme em seu peito, mechas do meu cabelo enfiadas em seus dedos longos enquanto me fazia ouvir as batidas ávidas que seu coração dava por mim. — Está ouvindo? Sou mesmo sua cadelinha.
Ri com a boca encostada na sua camiseta, aninhando-me ainda mais. Seu colo era sempre um conforto. Não nos soltamos mesmo depois de minutos. Nos abraçamos, tocamos, beijamos. Agarrei suas costas, levantei a cabeça e vi aqueles olhos verdes e chorosos.  Me ergui na ponta dos pés e encontrei a sua boca que já esperava pela minha.
Fechei os olhos e o beijei. Não dei nada além de todo meu amor naqueles lábios de veludo.
Durante esse tempo, só existia a gente.
Isso porque eu não podia imaginar que àquela altura, uma sementinha já começava a germinar dentro de mim.
***
Era por volta de onze e pouco da manhã quando acordei com o celular tocando. A primeira coisa que reparei ao abrir os olhos, foi que a chuva tinha dado uma trégua, mas aparentemente o bairro continuava no escuro. A frágil luz da manhã, era a única claridade que atravessava a janela e vinha lamber meus pés esticados sobre a cama. Eu me perguntava quanto tempo demoraria até resolverem esse problema, eu estava ficando sem bateria.
Tateei a mesa de cabeceira em busca do celular ainda vibrando e deslizei o dedo sobre a película quebrada. Depois do acidente que o pobre sofreu na escada, era um milagre que ainda estivesse funcionando.
— Olá, meu bem. Te acordei? — Jhony perguntou manso. Sua respiração do outro lado da linha, foi capaz de ultrapassar todos os obstáculos possíveis e fazer minha pele formigar.
Eu estava tão... apaixonada. De um jeito que jamais imaginei. Era um sentimento sufocante e libertador.
— Não — deixei um bocejo escapulir e sentei na cama. — Acordei faz... uns trinta minutos.
— Acha que não conheço essa voz de quem acabou de abrir os olhos? — me pegou no pulo. Só menti porque não queria que pensasse que não gostei de ter me ligado. — Você está bem? Sentiu alguma...dor? Mais desconfortos?
Com essas palavras, contraí os cinco dedos na barriga quase que imediatamente. Confesso que eu estava meio paranoica com a ideia de gravidez. Fomos dois irresponsáveis, mas acho que mesmo que tivéssemos nos prevenido, eu me sentiria assim. Eu finalmente tinha deixado de ser virgem e o peso que vinha com isso, era assustador. Eu definitivamente deixei de ser a garotinha do papai e definitivamente deixei de ser criança. Não teria volta. Eu só cresceria de agora em diante. Minhas apreensões também.
— Eu tô bem. E a sua, hã, mãe? — Antes que eu conseguisse entender, estava perguntando: — Tudo tranquilo por aí?
Ele hesitou por um momento e sua respiração ficou mais densa.
— Tudo normal. — Ele nunca respondia a essa pergunta honestamente. — Ei, quer ir comigo buscar a Joana na escola daqui a pouco? Ela queria te ver.
— Claro! — Isso me animou. Sair de casa, estar com ele, com ela... Eu amava esses dois. — Tenho que entregar a lembrancinha dela de Maceió.
— Combinado. Eu passo aí para te pegar umas 12:15.
— Não precisa. Eu te encontro na sua casa. É caminho.
— Eu passo aí para te pegar! — repetiu em um timbre determinado.
Revirei os olhos, ainda que ele não pudesse ver.
— Tá, como quiser, senhor mandão.
— Mudando de assunto, te liguei porque te mandei uma foto faz um tempo e queria que você visse.
— Uma foto? Peraí, vou ver.
Tirei o telefone da orelha e fui nas mensagens. Abri as mensagens dele e me deparei com uma foto de um potinho de plástico cheio de terra com um galho e algumas folhas na superfície.
Voltei o celular para o ouvido.
— O que é isso?
— Sua amoreira. Quer dizer, sua futura amoreira. Eu pesquisei sobre o plantio e acho que você gostará de saber que descobri que era possível através de um galho. Então quando a chuva parou, invadi seu quintal e roubei um galho. Acho que você estava desmaiada de sono e não ouviu. Por sinal, improvisei um cadeado no seu portão. Espero que essa seja a última vez que você o deixa destrancado.
Dei outra olhada na imagem, meus olhos umedecerem. Aquele resquício de vida tentando sobreviver, era uma parte da árvore da minha mãe. Jhony estava mesmo tentando salvá-la como prometeu.
— Não acredito que fez isso. Que loucura. Como você plantou?
— Segui as regras da internet. Escolhi o galho mais saudável e peguei. A maioria estava danificado, mas encontrei esse escondido, ele parece novo. O mais difícil será cuidar para que ele sobreviva, vi que os primeiros meses são os mais complicados. Mas não desistirei dele. Vou deixar nesse potinho por enquanto, regando regularmente e levando para tomar sol. Quando estiver firme, a gente planta aí na sua calçada e você terá sua árvore de volta. Combinado? Claro que vai demorar até que ela fique do mesmo tamanho e invada seu quarto, mas... A gente não tem pressa, né?
Apertei os dedos com mais força na barriga e aquele sentimento que tive antes, de não temer correr todos os riscos com ele, voltou a me confundir.
Como era possível confiar tanto em alguém, a ponto de todos os medos se desfazerem?
— Obrigada — sussurrei. — Sério, mesmo que esse galho não sobreviva, obrigada por tentar. Sei que você não tem muito tempo livre, tem tantos problemas para lidar e mesmo assim se importa com os meus. Queria poder te recompensar de algum jeito.
— Não seja boba, Gabrielle. Faço isso porque gosto de poucas coisas tanto quanto gosto do seu sorriso.
— É difícil ser uma menina chorona quando estou com voc... — Antes que eu conseguisse completar, o som de algo se quebrando do outro lado da linha, fez eu me calar na hora. Um barulho de vidro estilhaçando. Um som muito alto seguido de um grito que não consegui interpretar.
Nada que parecesse anormal, eu vivia quebrando louças em casa sem querer e soltava palavrões, mas aí Jhony disse meio agitado, uma voz de pânico, e isso sim foi algo diferente:
— Tenho que desligar.
E desligou.
Continuei com o celular no ouvido por mais alguns minutos, tentando entender o que acabou de acontecer. Pensei em correr até sua casa e verificar se estava tudo bem, o jeito como sua voz mudou com o som daquela coisa se quebrando, me fez ter certeza de que algo muito errado aconteceu. Jhony estava caloroso e em meio segundo, não estava mais.
Eu conhecia sua rotina. Ele ficava sozinho em casa com a mãe durante o dia. Joana estava na escola e sua avó só ia pra lá no fim da tarde. Até onde me contou, seu pai raramente os visitava. Nesse caso, ele estava sozinho em casa com a mãe agora. Ela tinha aquela condição, vivia à base de remédios, mas meu pai contou que às vezes alguns pacientes paravam de responder ao tratamento e podiam acabar tendo algum surto e se tornarem agressivos.
Eu não queria que Jhonathan enfrentasse isso sozinho. Eu cresci e hoje em dia entendia melhor o inferno que ele passava. Eu precisava fazer alguma coisa para ajudar. Ainda não sabia o que, mas precisava.
Levantei da cama em um pulo, calcei meu Vans preto sem me preocupar em colocar meias. Ainda estava com a roupa que Jhony pegou no meu armário, calça desbotada e uma camiseta que eu definitivamente não usava na rua. Ainda estava com os cabelos sem pentear, sem sutiã e possivelmente uma cara de sono. Mas só coloquei o celular com 15% de bateria em um bolso, as pulseiras de Joana no outro e saí ignorando todo o resto.
Tranquei a casa e dei uma rápida olhada na árvore ao passar pelo quintal. Doía meu coração a ver caída daquele jeito, mas graças ao Jhony, em breve a teríamos de volta.
Ao chegar no portão, me deparei com o tal cadeado improvisado. Nada mais que um cipó amarrado. Dei risada enquanto dava um jeito de desfazer aquilo.
Tranquei o portão ao sair e fiz um coque nos cabelos enquanto ia até a casa dele. Eu quase nunca o visitava, ou melhor, nunca. Toda vez ele inventava uma desculpa para me manter afastada, depois compreendi que o fazia por causa da mãe. Por medo, por vergonha ou simplesmente por outro motivo. Ela era um assunto que não tocávamos. Como uma caixa fechada que sabíamos da existência, mas preferíamos não abrir. A deixávamos lá, quieta, intocada. Então parei de tentar mexer nela sozinha e apenas respeitei que ele não gostava que olhássemos para ela.
Só que hoje eu precisava ser insistente. Hoje era questão de segurança. Se ele podia cuidar de mim, me proteger, eu tinha o mesmo direito com ele.
Dobrei a esquina e logo avistei sua casa. Como combinamos de buscar a Joana, caso não estivesse acontecendo nada e não passasse de um delírio meu, eu usarei esse pretexto. As pulseiras no meu bolso seriam minhas testemunhas.
Cheguei no seu portão enferrujado, no imóvel onde a pintura das paredes não era mais possível identificar a cor. As janelas de cortinas fechadas que espantava os curiosos.
Parei em frente e tentei olhar através das grades do portão, do feixe nas vidraças, por entre as cortinas. Não consegui ver nada. A casa parecia silenciosa, mas só parecia.
Ao aguçar mais ouvidos, pude ouvir ao fundo. Quase cochichos:
— Você sabe que não pode ficar sem eles. Se parar agora, você ficará daquele jeito de novo, lembra? — fez uma pausa angustiante. — Por acaso está me ouvindo? — Jhony perguntou baixinho, como se tivesse medo da reação da outra pessoa. A outra pessoa que eu apostava ser sua mãe.
Ela não o respondeu.
— Por favor... — ele implorou. Fiquei devastada em ouvir. — Por favor, estou implorando, tome os remédios.
— Você quer que eu tome esses venenos para se livrar de mim! — ela explodiu. — Mas você não vai. Não vai se livrar de mim. Não vou deixar que se livre. Você não vai vencer, moleque!
Jhony não a respondeu logo de cara. Passaram-se alguns minutos.
— Mãe...
— Não sou sua mãe! Eu nunca teria um filho imprestável como você. A minha filinha... — Ela choramingou, mas não senti qualquer compaixão. — A minha princesinha ainda estaria aqui se você não existisse.
Fui levada ao limite. Não suportaria ouvir mais nenhuma palavra que essa mulher tivesse para dizer. Que tipo de mãe submetia o próprio filho a uma culpa tão grande? Independentemente das questões pessoais dela, Juciene era sua responsabilidade. Não dele.
Eu vi... Vi tudo. Vi com meus próprios olhos Juciene ser levada. Presenciei toda a cena daquele homem encapuzado como um vilão de filme colocando a criança na Van azul. Mesmo que minha falta de coragem me impedisse de compartilhar com Jhony essa experiência assustadora que eu fingia não existir, eu não deixaria que essa mulher o condenasse. 
Baixei a vista e vasculhei o chão em busca de alguma pedra. Peguei a primeira que encontrei e arremessei contra a janela da sala. Quando a mulher saísse, eu diria umas verdades. Estável ou não, ela me ouviria e recobraria a consciência rapidinho.
Como não obtive resultado. Peguei outra pedra, um pouco maior, e lancei. Dessa vez uma presença chegou à porta. Jhony.
Ele ficou completa e absolutamente paralisado quando me viu. Uma raiva e um pânico transpareceram em seu rosto pálido.
— Gabrielle... o que você... Porra, saia daqui! — acenou com a mão para o lado. — Eu te disse que a encontraria na sua casa. Vá embora agora. Você não pode ficar aqui. Saia, rápido!
— Não vou sair. Quero falar com a sua mãe!

Dividi o capítulo em duas partes. Comentem muitooo pra eu liberar a próxima.

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