Capítulo 5

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Jhony

— Pensei que gostasse de picolé — disse papai. Ele caminhava ao meu lado enquanto empurrava o carrinho da Joana pela calçada. Acabei engolindo a comida que remexi no prato, mesmo após ter perdido o apetite, e depois fui convencido a tomar banho para tomar sorvete e passear com ele pelo bairro. Joana tinha acordado do seu cochilo, então decidimos trazê-la conosco e ela ganhou um iogurte porque ainda não podia tomar sorvete.

— Eu gosto — respondi, dando uma mordida no picolé de morango. Meu sabor preferido.

— Então não deveria estar mais animado?

Meu olhar se desviou para baixo, até os pés. Deveria, mas não conseguia ficar animado depois de tudo que ele me disse. Mesmo sem demonstrar, estive ansioso desde que me contou todas as tarefas que desempenhava na minha idade, enquanto eu ainda fazia xixi na cama quando tinha um sonho ruim. Pensei nisso, de vários modos diferentes, durante o trajeto até a sorveteria e não parei de me sentir um filho inútil. Eu era o filho mais velho e mesmo assim não conseguia ajudar meus pais na dificuldade. Na dificuldade que eu próprio os coloquei.

— Você falou que não podíamos gastar, que não temos dinheiro. — O fitei com ansiedade. — O picolé e o Iogurte não foram caros?

Estufou o peito e soltou o ar lentamente.

— Não temos, mas faz tempo que não passeamos juntos e hoje foi um dia muito duro para você — deu uma piscadela. — Além do mais, depois do escândalo que sua mãe armou, é importante que nossos vizinhos vejam que estamos bem e percam qualquer impressão errada que possam ter — avisou. Do nada, uma mão sua agarrou o meu queixo e o virou na sua direção por alguns segundos. Quase que o sorvete caiu. — Ainda bem que ela não deixou uma marca na sua cara. A mordida tá doendo?

Quando dei por mim, estava com a mão no ombro, sentindo a fisgada pungente que não deixou de doer por nenhum minuto.

— Não — menti, preocupado com a possibilidade de fraqueza ser um sentimento infantil e ele voltar a me criticar por ainda ser criança. — Será que ela acordou? A mãe?

— Ah, não pense nisso agora. Vamos aproveitar a caminhada e esfriar a cabeça — desviou o olhar para frente e inclinou o pescoço para verificar a bebê brincando com um mordedor de elefantinho. — Espero que os dentes dela nasçam logo para eu não precisar comprar mais tanto leite. Não entendo como uma lata pode custar tanto.

Dei uma lambida numa gota de morango que escorria pelo palito.

— Pai? Por que os dentinhos dela estão atrasados? Será que é melhor ela ir no médico?

— Não. Que médico o que — comentou, de testa franzida. — É como eu disse, cada criança tem o seu tempo. Seus primeiros dentes foram aos 8 meses. Tem crianças que com 4 meses eles já nasceram e outras que só com mais de um ano. O desenvolvimento depende de muitos fatores.

Fiz uma pausa breve, empurrando o sorvete na direção da boca para mais uma mordida.

— E os da Juh?

Suas costas encurvaram, como eu bem sabia que aconteceria. Minha mãe reagia com raiva e tristeza quando mencionavam a minha irmã, o meu pai ficava sem jeito. Ele dizia que não gostava de tocar no assunto para não passar o dia inteiro abalado. Eu também sentia várias coisas, mas tentava pensar que tocar no seu nome era uma forma de mantê-la entre nós.

Jhony Trouble Onde histórias criam vida. Descubra agora