Capítulo 4

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                                    🍀

O caminho todo de volta para casa, no taxi, é um silêncio absoluto, Niall não sabe sobre nada do meu passado e deve estar pensando que estou apenas bravo com ele, sendo que já até esqueci do que ele fez.

Depois de deixar meu amigo em casa chego na minha e respiro fundo antes de entrar, preciso arrumar a bagunça.

Eu sei que não há nada fora do lugar. Exceto pela taça com vinho que ficou no aparador ao lado do sofá, então subo para meu quarto a fim de um banho. A bagunça talvez saia com uma ducha quente.

Eu não vou chorar.

Eu me recuso a derramar uma lágrima sequer.

Ele matou o marido? O marido?

A água quente escorrendo pelas minhas costas não estão arrumando a bagunça.

Ainda sinto um nó na garganta e essas merdas de lágrimas chegam tão próximas de escorrerem que talvez elas estejam apenas misturadas na água do chuveiro e eu não percebi. Meus músculos estão doloridos pelo meu esforço em não ceder e desabar nesse instante, mas eu não vou.

Se passaram tantos anos e eu me certifiquei que não existia mais nenhum resquício daquele sentimento estúpido de adolescente. Eu apenas tive o desprazer de revê-lo um única vez, eu me recuso a me sentir assim.

Estou tão tenso segurando meu corpo em pé e engolindo o bolo na minha garganta que não noto a porta do banheiro se abrir, nem mesmo a do Box.

Ainda estou apertando as pálpebras para não chorar mas não me assusto quando sinto seus braços em volta de mim, me envolvendo por trás em um abraço caloroso.

Eu conheço bem os braços do meu amor, o abraço, o cheiro. Droga.

Eu sempre espero que ele volte mais cedo para casa. Mas não hoje. Hoje é um péssimo dia para isso.

- Oi amor. – Sussurra em meu ouvido, mas o som da sua voz é abafada pelo som da água. Ou pela minha falta de atenção. – Estava morrendo de saudade.

Tendo relaxar meu corpo em seus braços, engulo uma última vez o bolo da garganta que mais parece uma bola de espinhos pela forma que desce cortando e jogo minha cabeça para trás apoiando nos ombros do meu amor. Seguro seus braços que ainda me envolvem e tento sorrir. Repito mentalmente pela terceira vez em poucos segundos, ele é o meu amor.

- Você voltou.

- Consegui terminar tudo que precisava um dia antes. Peguei o voo de manhã mas não te avisei porque queria fazer surpresa.

Eu amo quando Zayn volta de surpresa antes do dia previsto. Acontece pouco, mas acontece. E eu sempre o recebo com todo amor que tenho. Mas justo hoje....

- Deu tudo certo? – Pergunto e ele assente. Sei que estou puxando uma conversa desnecessária por hora, que poderia ficar para amanhã depois de aproveitar a noite com meu marido como adoramos fazer, mas ainda estou sendo assombrado pelo olhar que Louis me deu ao passar por mim na delegacia.

Ele é apenas um fantasma, uma assombração que me atormentou na adolescência.  Apenas isso.

Forço meu corpo a se mover para ficar de frente para Zayn e envolvo meus braços em seu pescoço,  afundando logo meu rosto em seu ombro para que ele não tenha tempo de ver o que possivelmente pode ser uma expressão confusa em meu rosto.

Meu marido parece não perceber nada. Com sorte. Noto isso quando suas mãos começam lentamente a escorrer por minhas costas com apertos firmes indo em direção a minha bunda, ao mesmo tempo que deixa beijos em meu ombro e sinto seu membro começando a enrijecer contra minha coxa.

Em qualquer outro dia eu me jogaria em seu colo prazerosamente. Mas hoje, não consegui conter um resmungo que saiu por minha boca nem impedir de afastar levemente meu quadril para longe dele.

- O que foi amor? Está tudo bem?

- Está sim. Só acho que estou ficando resfriado. – Minto. – E ainda tive que sair nessa chuva para tirar o desmiolado do Horan da cadeia.

Meu corpo sede um pouco ao carinho que Zayn voltou a fazer em minhas costas quando ouço sua risada gostosa. Não é justo que eu permita que meu infeliz encontro com alguém do passado interfira na forma como ajo com meu marido.

- Vem. Vamos nos esfregar e deitar. Vou te fazer um chá e você me conta o que o Niall aprontou dessa vez.

Zayn me esfrega com todo carinho que tem por mim. Aliás, ele cuida tão bem de mim que eu nunca ousaria magoá-lo.
Nós não somos oficialmente casados, mas moramos juntos há quatro anos e nos consideramos assim. Decidimos por morar juntos quanto ele alavancou sua carreira como representante de uma multinacional e precisa estar constantemente viajando, por isso passamos a ter menos tempo juntos e morar junto foi uma boa solução para quando ele estiver em Londres, termos um tempo só nosso.

A noite ocorre assim como Zayn disse. Ele me deitou e me encheu de cobertores para “não piorar meu resfriado”, me sinto culpado pela mentira. Trouxe um chá que eu tomei enquanto contava sobre como meu amigo teve a irresponsabilidade de dirigir alcoolizado.

Meu marido me cobriu de carinhos enquanto eu repousava sobre seu peito nu, e aos poucos eu pude verdadeiramente me acalmar e adormecer. O final de semana se passou da mesma forma, com Zayn me mimando e até foi um pouco cansativo ter ele me fazendo comer sopa e beber mais chás do que eu gostaria sendo que meu resfriado não passava de uma invenção.

Infelizmente aquele par de olhos azuis me encarando de uma forma que eu não pude discernir seus pensamentos ainda me rondaram, mas busquei a todo custo focar toda minha atenção em meu marido. Meu amor.

Não nego que gosto quando ele cuida de mim como se eu não pudesse fazer isso por mim mesmo. Quando conheci Zayn na faculdade eu resisti bastante, não queria me envolver, não queria correr riscos e não queria me entregar a alguém que poderia me apunhalar pelas costas novamente. Mas a forma pacienciosa e cuidadosa como ele sempre agiu, nunca ultrapassando meus limites e me respeitando de todas as formas, me fez o dar uma chance. E a verdade é que eu não poderia ter feito uma escolha melhor.

Quando a segunda-feira chegou ambos saímos juntos para nossos trabalhos, Zayn me deixou na defensoria e despedi dele com um beijo apaixonado e agradecido por tê-lo ao meu lado.

Minha sala é pequena, no terceiro andar, mas bem aconchegante por eu ter tido a liberdade de decorar conforme meu gosto. A foto na mesa, do momento em que eu e meu marido estivemos em Veneza após nossa formatura da faculdade é o que deixa o ambiente com um sentimento de familiaridade, e me impede de enlouquecer com tantos documentos de casos para defender.

Repasso alguns documentos sobre um caso de roubo à mão armada que terei que defender em tribunal ao final da semana e me pergunto como fui me enfiar nisso. Quando cursei direito queria fazer realmente a diferença na vida das pessoas e não ficar defendo bandido que não tem condição de pagar um advogado particular.

- Styles?

- Sim? – Volto minha atenção para mulher parada em minha porta.

Ela entra com seus saltos agulha tilintando contra o piso da minha sala, seus cabelos pretos presos em um coque alto e elegante transmitem toda sua superioridade, e ter minha chefe na minha sala logo de manhã só pode significar uma coisa: mais trabalho. E a pasta em sua mão é um forte indício disso.

- Styles, chegou um pedido de defesa da 5° delegacia, é um caso fácil mas urgente, a promotoria vai cair matando para encerrar logo. Vou te passar esse porque sei que você vai resolver isso melhor e mas rápido do que os outros.

Ela joga a pasta em minha mesa e eu me controlo para não bufar.  Estou tão sobrecarregado com os casos que já tenho que tenho vontade jogar essa pasta pela janela.

- Se é um caso fácil porque não dá para um dos novatos?

- É fácil para alguém como você, alguém com experiência. – Ela responde e segue me encarando. Sabe que eu vou questionar, ela já me conhece e espera por isso. No entanto eu não abro a boca, apenas retribuo o olhar fixo com uma sobrancelha arqueada e as mãos cruzadas sobre a mesa. Então sede sua postura e joga os braços suspirando alto e ela continua. – É um homicídio,  por isso a urgência. É fácil porque o cara é réu confesso, você não precisa provar a inocência dele, só garantir uma pena justa.

- E um novato não pode garantir isso? Que tipo de advogado têm passado pelo processo de seleção? – pergunto retoricamente. Sei que não deveria falar assim com minha chefe mas tenho o benefício de ser o melhor que ela tem, ela não vai me dispensar, tanto eu quanto ela sabemos disso.

- A Harry. Porra. É só ir lá e garantir uns 15 anos de reclusa pro cara e já era.

- Tá. Ok. Que saco. – Resmungo em rendição e a vejo abrir um sorriso. Pego a pasta em cima da mesa e abro para ler a primeira página,  a de apresentação. – Mas espero que seja rápido mesmo, tenho casos mais importantes para lidar. – A mulher pisca para mim e se vira para sair, o barulho do salto é quase um tiro em meu peito quando meus olhos passam pela página e leio: Réu, Louis William Davies Tomlinson.

Davies? Não pode ser a mesma pessoas, esse não é seu sobrenome. No entanto minha dúvida é sanada quando leio o nome da vítima. “Adam Davies, cônjuge do Sr. Tomlinson”

- Laura! – Grito enquanto minha chefe ainda está no corredor. Corro até a porta com a pasta em mãos. – Eu não posso ficar com esse caso. – Empurro a pasta com certo desespero em seu peito.

Minhas mãos tremem e meu joelho não está tão firme e acredito que seja pelo peso que esses papéis tem em minhas mãos.  No entanto a mulher não segura a pasta, e para meu completo desespero ela levanta as mãos indicando que não vai pegar aqueles malditos papéis.

-  Você já aceitou Styles. Esse caso é seu. – Ela me dá tapinhas no ombro sorrindo. – Você dá conta, é só mais um e é fácil. – Assim ela me dá as costas e me deixa sozinho naquele corredor, travado como uma estátua, tirando o tremor.

Não é só mais um caso. Muito menos é fácil. Não para mim. Eu não posso defender esse cara.

Confiar de novoOnde histórias criam vida. Descubra agora