30- Saya

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- Sabia que a nossa Saya ainda tinha potencial- Diz Matias, no intervalo, enquanto mastigava de boca aberta, de uma forma nada atraente.

-Olhe para ela. Está tão radiante- Comenta Pam com brilho nos olhos e um sorriso orgulhoso nos lábios- Sabia que ele não iria resistir ao seu charme.

Eu realmente estava mais radiante do o normal. Depois de muito tempo tentando esconder meus sentimentos, finalmente sinto-me livre para ser eu mesma. Pam só não sabe que não foi Samuel que me fez sentir assim. Não foi um garoto que me curou. Foi aquela desfem de cabelo curtinho que mexeu comigo.

-Tenho um encontro com ele hoje- Parte disso é verdade. Eu realmente vou ter um encontro, mas não com ele- Estou pensando em que roupa usar.

-Você precisa usar uma saia! Vai fazê-lo babar em você e as coisas vão andar mais depressa- Pam cutuca Matias com o cotovelo e quase o faz cuspir o que mastigava- Não é Matias?

-Ah... Sim. Pernas sempre mexem com a cabeça dos moleques.

-Está bem. Vou usar saia- Digo voltando a comer. Estava tão ansiosa para hoje que minhas pernas não paravam quietas por baixo da mesa.

*

A sugestão de Pam me serviu muito bem. Estava realmente sem ideias do que vestir e a saia preta de pregas caiu muito bem para a ocasião. Com uma blusa azul como meus cabelos e o céu vou para o encontro.

Não sei se chego cedo demais para a nossa tarde ou se Emma acabou desistindo e esqueceu-se de me avisar. Só espero que não seja nenhuma brincadeirinha de mau gosto porque não é legal esperar sozinha em um jardim botânico com apenas um casal de idosos alimentando os patos na lagoa.

Depois de longos e intermináveis minutos avisto Emma correndo pelo gramado em minha direção com uma bolsa sobre os ombros enquanto ajeitava o cabelo desgrenhado com as mãos.

Quando se aproxima da sombra da árvore onde estou parada, encosta-se a seu tronco e faz uma pausa para recuperar o fôlego. Emma fica bonita até assim, com o suor escorrendo pela testa e sem qualquer vestígio de maquiagem. Suas roupas eram simples. Provavelmente sua blusa de estrelas feitas de tricô foi costurada pela avó.

-Por que demorou tanto? Aconteceu alguma coisa?

-Não... Mas é longe para vir de bicicleta- Justifica enquanto retira uma garrafa de água gelada da bolsa e a toma inteira com apenas alguns goles.

-Meu Deus Emma. Vamos nos sentar para que possa descansar- Seguro seu braço e a levo até o banco mais próximo bem embaixo de uma sombra feita por um ipê amarelo. Suas flores forravam o chão com sua cor vibrante.

-Eu trouxe lanchinhos para a gente. Minha vó fez questão de fazer algo para comermos- Emma ajeita os óculos e traz a bolsa para o colo tirando alguns potes e garrafinhas com líquido turvo que concluo ser limonada- Nesse aqui tem sanduiche de atum, o meu preferido e aqui tem algumas tortinhas de morango. Para beber tem limonada bem gelada para combater o calor.

-Você é demais.

-Minha avó é demais, mas eu também sou- Ela esboça um sorriso que faz suas bochechas ganharem um tom rosado. Reviro os olhos sorrindo com seu comentário. Emma é a pessoa mais convencida desse mundo e isso se torna uma qualidade apenas nela- Bem, fiquei sabendo que está jogando vôlei.

-Estou por causa de Pam- De repente minha garganta fica seca. Estou tão embolada nessa história que não faço ideia se tenho gostado de jogar ou não, mas ao me lembrar do pé torcido chego à conclusão de que sou melhor no xadrez- Sinto falta de jogar xadrez com você, mas creio que vou ter que permanecer longe até que as coisas se resolvam. Desculpe-me.

Emma franze a testa e ergue o olhar para mim, semicerrando-os por conta do sol forte. Acho que está sendo confuso para ela também.

-Não precisa se desculpar. O importante é que está gostando de jogar, não está?

-Não... Na verdade eu não sei. Sou um desastre para fazer qualquer atividade e vôlei não tem sido meu forte- Levo a mão até meu tornozelo que ainda se recuperava do susto- É um tanto... Desafiador não se machucar.

Emma exibe um pequeno sorriso que logo desaparece quando pega um dos potes e se concentra em abri-lo sem derrubar o conteúdo.

-Sanduiche?- Oferece estendendo o recipiente para mim contendo dois sanduiches recheados de atum.

-Obrigada- Agradeço e mordisco a ponta do sanduiche. O sabor me leva de volta para o acampamento. Ainda me lembro do cheiro do mato e das árvores, e o calor do fogo crepitando em minha frente- E você? O que estava fazendo aquele dia com Samuel?

-Samuel insistiu para que eu treinasse com ele e acabei gostando. Vou começar no time feminino em breve.

-Isso é demais! Quero muito te ver jogar um dia desses- Já consigo imaginar Emma usando a camiseta de seu time de basquete, meias de cano alto e tênis esportivos, seus cabelos balançando enquanto salta em direção à cesta pronta para marcar pontos.

-Não crie expectativas. Sou ridiculamente horrível ainda- Emma toma um gole de limonada e faz careta- Vou jogar apenas por diversão.

-Tenho certeza de que vai se sair bem! Você é a Emma!

-Bobagem.

Comemos em silêncio todo o sanduíche enquanto ouvimos os pássaros e o farfalhar das folhas das árvores. Algumas pessoas passavam caminhando ou se exercitando e nos cumprimentavam com um aceno rápido de cabeça.

Ao terminar, apoio as mãos no banco e meus dedos acabam roçando os da Emma, também apoiados no banco. Suas unhas estão pintadas com uma base transparente e brilhosa, no canto do anelar uma pequena estrela preta enfeita.

Emma sempre carrega estrelas com ela.

Estou insegura sem saber se posso ou não me aproximar dela. Depois de tanto tempo ignorando-a e a deixando sozinha com todos os sentimentos e momentos que vivemos ainda me sinto extremamente culpada.

Felizmente, sua mão pousa em cima da minha me dando autorização para me aproximar. Imediatamente meu coração acelera e ao sentir suas caricias em minha mão todo meu corpo se arrepia.

Aos poucos nos aproximamos. Seu perfume ficando mais intenso a cada centímetro que avançávamos. O vento envolvia o espaço entre nossos corpos, mas em pouco tempo me encontrava novamente em seus braços. Lembro-me muito bem da última vez que senti seus lábios nos meus.

Quando ela se inclina e apoia a mão em meu rosto, percebo que seus lábios continuam proporcionando aquele mesmo frio na barriga ao tocar os meus.

-Tudo bem?- Ela pergunta, preocupada com meu bem estar e fazendo-me apaixonar cada vez mais por ela.

Odeio-a por ser tão encantadora.

-Sim- Sorrio e meu sorriso a contagia. Em segundos nossos lábios estão grudados novamente. Dessa vez em um beijo mais demorado e cheio de sentimento.

Nos afastamos apenas quando ficamos sem fôlego e coradas de vergonha. Voltamos a comer e trocar olhares e sorrisos como se não tivéssemos nos beijado segundos atrás.

Acho que eu devia me acostumar com isso.

Os tons de rosa do meu arco-íris Onde histórias criam vida. Descubra agora