3-Emma

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- Como foi?- Diz vovó quando ouve o ranger do portão. Bonita vem correndo em minha direção.

-Bonita! Já a alimentou?

-Ainda não- Ela caminha para o próximo canteiro de flores e derrama água em cima de suas pétalas- Me diz como foi.

Encho a mão com milho e espalho pelo chão. Bonita cacareja e cisca alegremente.

-Ah, não foi ruim. Mas também não foi bom.

-Conversou com alguém?- Vovó leva uma mão até a cintura e me encara esperando pela minha resposta.

-Não.

-Emma, Emma... Você não tem concerto- Ela diz soltando uma risada brincalhona logo em seguida- Já sabe se vai fazer alguma atividade extracurricular?

-Acho que vou tentar algo novo esse ano. Xadrez, o que acha?

- Você vai se dar bem- Vovó vira o restante da água do regador nas flores- Agora, entre e vá comer os bolinhos que preparei. Lembre-se de deixar alguns para seus pais!

Pulo o degrau e entro na casa que está quase totalmente escura. Abro a janela da pequena sala deixando um pouco do sol do final de tarde entrar trazendo vida ao ambiente. Largo a mochila ao pé da mesa e agarro um bolinho desesperadamente como se ele fosse sair correndo. Eu não havia percebido que estava com tanta fome.

Sento-me sozinha na mesa abaixo da luz amarelada e como silenciosamente. Minutos mais tarde Bonita aparece na porta de tela da cozinha batendo as asas e me chamando para o quintal no fundo da casa. Tiro um pedaço de massa fofa do bolinho e jogo para minha galinha. Ela bica o chão e depois vai embora, feliz. Um som de carro me faz parar de respirar e mastigar. Talvez seja minha mãe chegando do trabalho mais cedo para jantar comigo.

Não, não é.

O barulho do carro vai ficando cada vez mais longe. Fecho a porta de tela desanimadamente e vou para meu quarto, não sem antes encher minha mão com mais alguns bolinhos.

Abro minha janela para o fim de tarde entrar. Da minha cama dá para ver o céu alaranjado e avermelhado no horizonte. As nuvens estão roxas e há algumas pinceladas de rosa. Parece uma pintura. Se eu soubesse pintar, com certeza o faria agora para pendurar na minha parede. Para eu ter o pôr do sol para sempre comigo. Os carros passam rapidamente pela avenida ao lado da casa. O barulho e os últimos raios de sol se misturando com o ar frio da noite entram no meu quarto me embalando em um sono leve e barulhento.

*

Coloco a bolsa no meio das minhas pernas para que nenhum sem educação tropece nela pela décima vez no dia. Como esperado, não tem muita gente na aula de xadrez. Coloco meu fone e apoio a cabeça na mão pacientemente. De acordo com o cronograma, faltam cinco minutos para a aula começar.

Desamarro a pequena bolsa de tecido que contém as peças dentro e começo a arrumar. Peças brancas para um lado e pretas para o outro. Vovó tem um tabuleiro de xadrez montado na mesa de centro da sala, então acabei decorando a posição das peças.

-Muito bem Emma- Uma voz soa do meu lado esquerdo- Vejo que já sabe a posição das peças.

Olho ao meu redor. A professora com mais de cinquenta anos e com um coque de cabelos negros está parada ao meu lado com as mãos em frente ao corpo e um sorriso calmo no rosto.

-Pode retirar o fone, por favor? Não é permitido em sala de aula.

-Tudo bem, desculpe.

Ela assente calmamente e volta a caminhar entre as outras mesas. Todo mundo já tem um par e conversam animadamente enquanto aprendem juntos a montar o tabuleiro. E eu estou sozinha como se tivesse alguma doença contagiante que faria quem sentar comigo ficar azul.

-Oi. Posso fazer dupla com você?

Encontro uma garota de cabelos longos e azuis parada em minha frente. Eu a encaro por cinco segundos até me lembrar da onde a conheço. Ela é da minha turma. E parece não ter medo de ficar azul, pois seu cabelo já é dessa cor. 

-Claro- Abro um sorriso para ela. Estou feliz de ter arrumado uma dupla e não precisar jogar com a professora- Estamos na mesma sala, não?

-Estamos. Você é a garota nova.

-Desculpe, eu não sei seu nome.

-Sou a Saya. Também não sei o seu.

-Emma. Sabe jogar? Ou prefere que eu comece?

-Começa você.

Viro o tabuleiro deixando as peças brancas para mim e as da cor preta para ela. Ando o pião para começar o jogo. Saya leva os dedos inseguros até um pião e o movimenta.

-Desculpe. Eu não sei jogar muita bem- Ela esfrega as bochechas coradas e pousa as mãos no colo.

-Tudo bem. Eu te ensino.

A próxima hora passa rapidamente. Explico e mostro cada movimento para ela que assiste atentamente. Jogamos uma partida para ver se ela entendeu e concluo que sou uma boa professora.

-Onde aprendeu a jogar xadrez?- Ela me pergunta.

-Eu jogava com minha avó quando eu era pequena, mas agora ela colou as peças no tabuleiro deixando-as intacta na mesa de centro da sala.

-Entendi- Seu olhar desce até parar na flor de pétalas laranja- Onde comprou essa jaqueta?

-Se está falando do bordado, fui eu que bordei.

-Está falando sério? Isso é muito legal, você pode fazer suas próprias roupas.

Pego minha mochila e antes de joga-la sobre o ombro, mostro o pequeno bordado que fiz ao lado do bolso. Um pequeno elefante rosa jogando água para cima de olhinhos fechados.

-Emma você é muito boa nisso.

-Obrigada.

Ficamos em silêncio por um tempo até sair da sala. No corredor, enquanto caminhamos em direção a saída, tento pensar em alguma coisa para perguntar.

- E você? Do que gosta?

-Acho que não tenho uma paixão igual a você. Estou sempre atrás de algo novo. Algo que eu me encaixe- Ela estrala os dedos parecendo nervosa- Eu gosto de revistas de fofoca, serve?

-Serve.

Paramos em frente ao portão de saída. O céu ainda não estava colorido como ontem.

- Então...

Uma buzina a interrompe e uma mulher grita do outro lado da rua dizendo para Saya se apressar. Seu rosto se contorce em uma careta e ela se despede rapidamente de mim. Vejo-a entrar no carro e desaparecer pela rua.

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Os tons de rosa do meu arco-írisOnde histórias criam vida. Descubra agora