33- Emma

61 11 40
                                    


Estive pensando bastante sobre o que Saya disse nesses últimos dias, sobre contar aos nossos pais sobre nós. Ela tem razão, vê-la pelo colégio e não poder segurar sua mão ou conversar é tortura. Acho que seria um bom começo revelar nosso relacionamento para pessoas mais próximas para depois contarmos para o restante e nos livrarmos dessa tensão.

O problema era como contar. Como eu chegaria a minha vó e diria que estou namorando uma garota ao invés de um garoto. A coitadinha poderia sofrer um infarto antes da hora ou até mesmo deixar de me amar. Não consigo me imaginar sem o amor de minha avó e de suas deliciosas comidas que costuma preparar para animar nosso dia ou para presentearmos alguém especial.

Para isso, recorri à pessoa mais colorida e mais aberta a esse tipo de conversa que eu conheço. Joshua.

-Você tem certeza que isso vai dar certo?- Pergunto novamente enquanto retorço as mãos nervosamente e procuro uma resposta verdadeira em seus olhos.

-Nessa vida não temos certeza de nada, mas eu sei que vovó vai entender seus sentimentos.

-O que eu devo dizer? Como vou dizer?- Enxugo as mãos suadas na calça e volto a retorce-las- Ah vó eu sou lésbica e espero que a senhora não se importe ou...

-Emma- Joshua segura meus ombros fazendo-me olhar em seus olhos. A luz do sol deixa seus cabelos mais claros do que o normal, alguns fios dourados se destacam em sua cabeleira- Na hora seu coração vai te contar como dizer a ela.

-Está bem. Não ajudou, mas acho melhor eu ir antes que meu estômago fique enjoado demais- Limpo as mãos novamente na calça e encaro a porta de casa. Acho que essa é a primeira vez que não sinto vontade de entrar nela.

-Vai dar certo. Eu acredito em você- Joshua bagunça meus cabelos e aperta a ponta do meu nariz me fazendo sorrir- Vou esperar por você bem aqui.

Como esperado, vovó estava na beira do fogão mexendo a colher dentro de uma panela onde preparava o jantar. Seus cabelos curtos como os meus estavam cobertos por uma touca e um avental bordado estava preso em sua cintura.

-Vó?

-Emma, meu amor. Sente-se! Quero que experimente o molho branco que estou preparando e veja se está bom- Diz rapidamente enquanto procura uma colher e pega um pouco do conteúdo fumegante da panela- Cuidado que está quente.

Assopro e provo, mesmo assim o molho queima levemente minha garganta. Estava perfeito e da forma que eu e Joshua gostávamos.

-Está ótimo.

-Maravilha- Ela volta se vira de costas e volta para o que estava fazendo- O que ia me dizer Emma?

-Bem... - De repente cada parte do meu corpo começa a suar frio. Minha boca fica seca demais para falar e minhas mãos tremem. Mas as palavras de Joshua voltam a minha mente, tentando me encorajar e dizendo que tudo vai ficar bem- A senhora lembra-se da Saya, não lembra?

-A garota de cabelo azul? Como esquecer? Apesar de tímida, ela é uma gracinha.

-Então... A gente meio que se gosta bastante, entende?

-Deu para perceber. Vocês riem bastante quando estão juntas- Vovó pega um pano para envolver a panela quente e a leva até a mesa. O vapor embaça seus óculos- É uma linda amizade.

-Acontece que a gente não é mais amiga.

Ela se vira rapidamente para mim, com uma ruga profunda entre as sobrancelhas.

-Vocês brigaram Emma? O que aconteceu minha neta?

-Não, agora nós somos namoradas. Eu estou namorando a Saya e espero que a senhora não me odeie por isso.

O silêncio envolve a cozinha, com apenas o som das panelas quentes no fogão. Ela continua a me encarar com a boca entreaberta e uma expressão impossível de ler.

Eu vou vomitar a qualquer momento.

- Estive errada esse tempo inteiro Emma.

-Desculpa... – Tento dizer, mas ela me interrompe.

-Achei que seria o terror dos meninos quando crescesse, mas parece que você é o terror das garotas! Com essa beleza toda é difícil mesmo de resistir! Por que não me contou antes? Poderíamos tê-la convidado para jantar conosco.

-Estava com medo do que a senhora ia achar- Falo aliviada. Ainda estava tremula por conta da tensão, mas um pouco do peso havia saído das minhas costas. Sentia-me mais leve.

-Deixe de ser boba Emma! Só quero te ver feliz.

- Obrigada vó. Estava com medo de perdê-la e ficar sem suas comidas deliciosas- A felicidade aumentava tanto dentro de mim que meus olhos começam a lacrimejar

-Ah Emma! Você é tão doce, minha neta!- Vovó me abraça e o cheiro de alho, característico das cozinheiras, me envolve- Pode conversar comigo sobre o que quiser. É para isso que as avós servem, não é mesmo? Acredito que contar isso aos seus pais vai ser um pouco mais complicado, mas com esse seu jeitinho doce eles vão te apoiar!

-Obrigada de novo vó- Aperto mais o abraço e aconchego-me nela. Poderia ficar ali para sempre nos braços de minha amada avó, mas Joshua me esperava do lado de fora- Eu preciso fazer uma coisa.

Afasto-me dos braços seguros de vovó e corro até a porta da casa. Imediatamente Joshua me encara perguntando-me silenciosamente como as coisas tinham saído. Desço as escadas limpando os olhos lacrimejantes e abrindo o maior sorriso que consigo.

-Eu consegui Joshua!- Grito como se ele estivesse a quilômetros de mim- Deu certo.

Como vovó, ele também abre os braços para me receber. Joshua me rodopia no ar fazendo o mundo girar e a felicidade transbordar cada vez mais. Naquele momento, nos segundos que estive no ar, percebi que eu tinha a melhor família do mundo.

-Sabia que ia conseguir.

Os tons de rosa do meu arco-írisOnde histórias criam vida. Descubra agora