Capítulo 1 (nova versão)

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Todos falam que os olhos são as janelas da alma. Não acredito nisso. Se fosse verdade, eu teria visto
o estrago que ele faria em mim.

Ainda paralisada no banco da frente do carro, observo atentamente a entrada da escola, imaginando todas as situações possíveis. As pessoas transitam pela entrada. Algumas conversam na escada encostadas no corrimão, outras nos capôs de seus carros, enquanto aguardam, nada ansiosamente, o sinal que está prestes a tocar, assim como eu, mas não pelo mesmo motivo. O céu nublado acima de nós, junto da fachada marrom sem graça das paredes do colégio Belmort, só contribuem para a atmosfera triste do dia de hoje.

Parece que o ar dentro do carro some, mas sei que meus pulmões estão se enchendo dele a cada dez segundos, mesmo que pareça que eles nem sequer funcionem mais. Meus olhos, os únicos órgãos que consigo mover no momento, vagam por cada carro do estacionamento, temendo encontrar o dele, o que não acontece. Talvez eu esteja com sorte.

- Você tá bem? - Minha mãe pergunta ao meu lado, no banco do motorista. Me viro pra ela, finalmente conseguindo sair do meu transe. Seus olhos ainda estão grudados no celular em sua mão, assim como há cinco minutos atrás, quando chegamos.

- Claro, por que não estaria? - Respondo indiferente. Ela não perceberia se eu estivesse bem ou não, então posso escolher qualquer emoção e ela vai acreditar. Sempre acredita.

Solto o sufocante cinto de segurança. O estalo ecoa em meus ouvidos, quebrando o silêncio aqui dentro. Tiro a mochila de cima dos meus pés, me preparando pra sair do carro.

- Megan... - O toque dela em meu ombro faz eu me virar novamente e focar em seus olhos castanhos, tão ridiculamente parecido com os meus. -  Ontem seu pai me mandou uma mensagem dizendo que você tem alguma prova importante hoje, não é? - Minha mãe pergunta me lembrando do teste de matemática, o qual eu não tive nem cabeça pra estudar. Eu até poderia tentar pensar de forma positiva, mas me conheço o suficiente para saber que a partir do momento em que letras e números começaram a se misturar, tudo em relação ao meu raciocínio lógico se tornou um verdadeiro caos. - Não precisa ficar nervosa, vai dar tudo certo. - Ela me encara com ternura, mas logo o celular, que começa a tocar, rouba sua atenção novamente.

- Tchau, mãe. - Destravo a porta ao meu lado e saio enquanto ouço ela atender o telefone.

Ouço o barulho do motor e logo o carro dela se torna cada vez menor à medida que se afasta. Fico ali por mais alguns segundos, antes de atravessar até o meio fio,  agradecendo, meio sem jeito, a van prata que me deixa passar.  Olho para os lados, procurando por aquele específico carro preto, enquanto enrolo e desenrolo a alça da mochila, que já se encontra marcada pela ação.

O sinal toca. Seu som agudo e estridente faz com que todos comecem a se movimentar em direção a entrada, deixando o estacionamento cada vez mais vazio. Não tenho amigos que me esperem ansiosamente na entrada. Pelo menos não mais. Mas, como também não desejo ficar sozinha, me junto aos demais, entrando na multidão.

- Você viu o Alex ontem? - Levo um susto quando a voz repentina de Jade se faz presente ao meu lado. "Oi pra você também" tenho vontade de dizer, mesmo sabendo que cordialidade nunca foi o seu forte. Ela joga o cabelo castanho e escorrido para trás do ombro, suas sobrancelhas marcadas se destacam ainda mais sob essa luz quando se arqueiam a espera de uma resposta.

- Não... Eu não vi ele. - Olho ao redor me lembrando da nossa briga, já sentindo um formigamento familiar se formar em meu corpo. Coço meu braço de forma bruta, prevendo a vermelhidão que vai causar na minha pele. Mas o hábito se tornou inevitável demais para que eu tentasse intervir.

- O idiota marcou de se encontrar com o pessoal, mas não apareceu. - Ela diz enquanto digita algo em seu celular. "Com o pessoal", um jeito carinhoso de chamar as pessoas que só falam comigo porque estamos juntos. Estávamos. - Deixa pra lá, já achei ele.

Eu odeio não te odiar Onde histórias criam vida. Descubra agora