I. Mulher de Sucesso

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ABANDONADA!

A palavra reluziu na frente de Freen em letras amarelas brilhantes estampadas logo abaixo de uma foto do rosto dela. Em letras maiúsculas, logo em seguida: Detalhes exclusivos sobre a humilhante separação da estrela de soap operas, Freen Sarocha e do cantor Heng Asavarid.

- Quem pendurou isso aqui? - Perguntou Freen, tapando as palavras com a mão, como se o gesto pudesse fazer com que elas desaparecessem, como se toda aquela provação constrangedora pudesse ser escondida com tamanha facilidade.

Tinha sido difícil desviar dos tabloides com a foto dela estampada em lugares como o supermercado e o aeroporto, mas Freen achou que estaria segura na cozinha da avó, no Bronx. Só que não. Lá estava mais uma daquelas detestáveis, presa na porta da geladeira com ímãs no formato de joaninha e da bandeira da Tailândia.

- Nós pedimos para a vovó tirar isso daí, mas ela disse que a foto era boa. - respondeu a prima Noey atrás dela.

- Porque ela é boa! - A voz da avó, Malee, elevou-se com indignação, vindo da pia da cozinha.

Ela secou as mãos em um pano de prato e se juntou a Freen em frente à geladeira.

- Boa? - Freen apontou para a capa. - Eu pareço um cervo assustado com os faróis de um carro, vendo um filme de todos os meus términos passarem diante dos meus olhos.

- O quê? Não... Você está linda, mas precisa caprichar mais no hidratante. - A avó deu um tapinha na bochecha da neta.

Ignorando o comentário da avó, Freen aproximou-se e olhou mais de perto a capa da revista. Um paparazzi havia tirado a foto num dos raros dias de chuva em Los Angeles, no momento em que a mulher saía do salão onde tinha ido fazer a sobrancelha. A manchete - ABANDONADA! - combinava com aquela imagem: olhos lacrimejando e cabelo desarrumado, dava a entender que Heng a tinha deixado porque ela estava horrível, ou que ela estava horrível porque o cantor a tinha deixado. De uma forma ou de outra, aquilo era ridículo e incrivelmente ofensivo. E estava em bancas de jornais e geladeiras por toda a parte, para que todos vissem.

- Você devia ficar feliz por ter uma foto atual na porta da geladeira. - Interrompeu Nam, com um falso calafrio, enquanto segurava um bule de café. - A minha mais recente nessa geladeira é do segundo ano do ensino médio, quando eu ainda usava franja e aparelho nos dentes.

- Aquela foto também é boa! - protestou Malee.

A geladeira estava coberta com fotos dos doze netos de Malee e seu marido Elijah, em diferentes fases da infância - ainda que já fossem todos adultos -, presas por uma coleção de ímãs reunidos ao longo de toda uma vida, vindos de vários lugares do mundo. Todos os netos tinham descendências diferentes, e Freen sempre pensou que a variedade de tons de pele na porta da geladeira da avó poderia ser usada como uma paleta de bases para maquiagem.

Noey, cujo pai é italiano, tem olhos castanhos-escuros um tom de pele bege quente e cabelos num tom loiro escuro lisos que estavam curtos até a nuca, resultado de um recente corte pós-divórcio. Nam, cuja mãe era nascida em Samoa, era naturalmente bronzeada. O cabelo alisado, agora com uma nova coloração "aloirada", como ela mesmo dizia. Já Freen, era branca como leite, olhos num tom de castanho claro e cabelos escuros naturalmente ondulados, mas que normalmente eram alisados para seus papéis.

Mas era óbvio que essas pequenas diferenças não importavam, afinal elas eram uma família.

Freen lançou um último olhar fulminante para a capa da revista, mas não se atreveu a arrancá-la do lugar. Mesmo aos quase trinta anos, ainda tinha medo de despertar a fúria da avó.

- Esquece essa foto. Vem cá, nena. - A senhora abriu os braços e envolveu Freen.

A mulher afundou naquele abraço, inspirando o doce perfume de baunilha e pó facial de Malee. Fazia muito tempo que não visitava a avó, muito tempo que não ficava na companhia daquela senhora tão especial para ela. Os sinais de que Malee estava envelhecendo eram evidentes, embora ela ainda usasse um corte chanel no cabelo, agora grisalhos, e passasse batom todos os dias. Se você não está de batom e brincos, é como se estivesse nua, ela dizia. Foi só depois de adulta que Freen entendeu o verdadeiro significado daquele hábito: os acessórios funcionavam como uma armadura contra um mundo que tratava a avó como alguém menor e menos importante que a mulher forte e linda que era. Dê ao mundo a imagem de mulher poderosa, que o mundo vai acatar e levarem-na a sério.

Você me ganhou no olá - FreenbeckyOnde histórias criam vida. Descubra agora