II. Primeiro dia

1.1K 191 28
                                    

As portas do elevador apitaram, depois se abriram com um zunido, e Rebecca Armstrong entrou na LylasFlix em Midtown Manhattan pela primeira vez.

A decoração do lugar era moderna e espaçosa — paredes de vidro, poltronas de couro e um monte de plantas. O logotipo verde e cinza da Lylas estava por todo canto, ao lado de pôsteres de algumas das mais recentes produções originais da plataforma de streaming, como Os casos clandestinos do Detetive Yang, Showbiz, Festeiros e Os sonhadores. Janelas enormes davam para o extenso gramado do Bryant Park.

Fazia anos que Rebecca não trabalhava para uma nova produtora. O estúdio em Miami onde eram filmadas suas novelas já era tão familiar que ela quase não prestava mais atenção ao ambiente à sua volta. Apesar de os estúdios de filmagem da LylasFlix não serem ali, fez uma pausa para reparar no ambiente ao seu redor.

E para encorajar a si mesma.

Vê se atua direito, idiota. Era isso que você queria.

O primeiro encontro com um novo elenco sempre a deixava nervosa, e o fato de que aquela produção em particular poderia significar tudo ou nada para sua carreira não ajudava para que se acalmasse. A LylasFlix era uma aposta e tanto.

Uma pessoa da produção, que aguardava ali por perto, lhe abriu um sorriso amigável.

— Olá, sra. Armstrong. Meu nome é Jane. Estou aqui para acompanhá-la até a sala de conferências.

Jane tinha o cabelo bem curtinho, uma pele de porcelana, usava um bóton que indicava sua preferência pelo uso de pronome de tratamento neutro e carregava um tablet debaixo do braço.

— Obrigada. — A atriz afundou as mãos nos bolsos traseiros antes que começasse a roer as unhas. Ela precisava de algo em que se apoiar, alguma coisa para segurar. — Sabe onde posso conseguir um café?

— Vou levá-la à sala verde primeiro. — disse Jane, sinalizando para que Rebecca seguisse seus passos. — A senhora pode relaxar um pouco lá antes da leitura.

Enquanto Armstrong seguia Jane, repassou mentalmente as anotações sobre a série que o produtor havia enviado na noite anterior. Ainda que já tivesse lido aquilo incontáveis vezes, rememorá-las fazia com que se sentisse mais preparada e no controle da situação. Além disso, dava a ela algo em que pensar, para que não ficasse remoendo o declínio de sua carreira de atriz.

Lalita no comando contava a história da vida amorosa e das conquistas profissionais de Lalita Suwan, uma assessora de imprensa que trabalhava para uma empresa especializada em agendar eventos para celebridades de origem sul-coreana ou tailandesa. Rebecca tinha sido escalada para o papel de Mia O’Kelly, uma cantora famosa. Na novela original, Mia era uma das clientes de Lalita, mas os roteiristas tinham feito uma grande mudança: Mia seria a ex-esposa de Lalita.

A dinâmica de uma ex-esposa era muito diferente de um novo interesse romântico. Teria que haver um nível de familiaridade imediata entre as personagens, uma certa bagagem emocional e uma tensão sexual subjacente. A série inteira girava em torno do desenvolvimento do romance entre Lalita e Mia. E Rebecca não apenas não tinha feito uma leitura para testar a química entre elas, como também nunca tinha visto sua parceira, Freen Sarocha. Claro, ela tinha interpretado dezenas de pares amorosos, mas conhecia bem a maioria dos atores da área de Miami e se sentia confortável com eles. Freen era uma completa desconhecida, e era uma mulher. Não que isso fosse um problema para Rebecca, era apenas diferente de todas as suas outras experiências na televisão.

O sarrafo nunca tinha sido tão alto. A atriz possuía uma boa fama no mundo das novelas tailandesas desde que estrelara a maldição da leoa dourada. E, até poucos meses antes, se sentia segura nessa posição... até que pegou o papel de vilã em O fogo do amor. Ainda que tivesse sido uma mudança de ares bem-vinda em relação a seus típicos trabalhos como mocinha, os roteiristas a colocaram como parte de um triângulo amoroso e a mataram. Quer dizer, mataram a personagem. Mas o choque e a sensação de traição foram os mesmos. Na novela, ela havia perdido a vida e o protagonista para a mocinha — Leslie Saito, uma atriz dez anos mais nova que ela.

Você me ganhou no olá - FreenbeckyOnde histórias criam vida. Descubra agora