Capítulo 3

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"I'm going under and this time
I fear there's no one to save me
This all or nothing really got a way
Of driving me crazy"
Someone You Loved – Lewis Capaldi

Respiro fundo antes de entrar em casa. Hoje é o dia de folga da minha mãe e a essa hora meu pai já chegou do trabalho, ou seja, os dois com certeza vão se juntar contra mim num longo discurso sobre minha advertência. Gostaria de ter demorado mais tempo para sair da escola, assim eu chegaria mais tarde em casa e teria um tempo menor para ouvir a falação, mas se eu ficasse, teria que aturar o idiota do Luís Henrique, e não agüento mais nem ouvir sua voz.

Giro a maçaneta disposto a encarar tudo de uma vez e assim que abro a porta, vejo meu pai ajudando meu irmão com o dever de casa, ambos sentados no sofá, e minha mãe descascando algum legume na mesa.

Cumprimento-os e penso em ir direto para o quarto, mas minha mãe me chama. Engulo em seco, me preparando.

— Está tudo bem, meu filho? – ela me encara com seus olhos cor-de-mel, como os meus.

— Sim, claro! – abro um sorriso. – Só estou cansado. Treinei bastante hoje – minto. Hoje não teve treino.

Só fiquei na escola de bobeira, tentando ficar sozinho para pensar em como reagirei a toda pressão que meus amigos estão me fazendo. Queria refletir se realmente é uma boa ideia continuar fingindo que estou bem ou se devo abrir o jogo e mostrar que sou fraco como eles imaginam. Mas não consegui me isolar para pensar. Assim que me afastei do pessoal, o goleiro do time e seu escudeiro, LH, apareceram e começaram a falar sobre garotas.

— Ah, sim. Então você vai tomar seu banho e depois descansar, porque amanhã tem mais.

— Mas ainda são quatro horas da tarde! Como é que ele vai dormir agora? – Miguel me olha de cara estranha.

— Não vou dormir, vou descansar.

— Mas antes vai nos contar sobre a suspensão. – Até estranhei a demora para entrar no assunto.

O olho e vejo meu pai me encarando com seus olhos azuis. Pelo menos ele parece estar de bom humor, o que significa que ele não deve falar tanto.

Solto um longo suspiro, tiro a mochila das costas e começo a contar. Quando termino tudo, ele diz:

— Sua mãe te livrou da suspensão. – seu tom de voz contém uma pontada de humor.

Meu pai não é assim. Ele é o tipo de pessoa que cobra demais, que exige o 10 em todas as matérias e um comportamento excelente; o tipo que não aceita ser chamado na diretoria a menos que seja para ouvir elogios. Por que ele está de bom humor depois de saber que levei uma suspensão? Ou melhor, que quase levei uma suspensão.

— Quando a Ingrid ligou eu estava ocupado e sua mãe atendeu. Quase gritou com a mulher – ele brinca. – Mas pelo menos te livrou disso.

— Ah, nem vem, Isaque! Nem cheguei a falar alto. Só pedi para ela rever com carinho a causa da suspensão. Você nunca foi um garoto de problema, não tinha motivo para ela te suspender só porque você foi expulso da aula e foi para o campo de futebol – se defende.

Olho para os dois com o cenho franzido, estranhando que o discurso ainda não veio. Mas é questão de segundos até eles dizerem o "mas" e começarem a falar que preciso ser responsável, tomar conta das minhas coisas, respeitar as regras e mais um monte coisas. Pelo menos eles não demoram muito. Sei que, se a It falasse que também fui parar na enfermaria, o sermão duraria muito mais tempo.

Assim que eles acabam de falar, concordo com eles (se eu argumentasse, teria que ouvir mais um monte de coisa, e não estou com paciência para isso) e depois vou para o quarto pegar minha roupa para finalmente tomar banho e tentar me livrar do cansaço que me persegue. Porém nada adianta.

O dia passa rápido e logo a madrugada chega. O relógio digital preso na parede do quarto me mostra que já são duas horas da manhã. Ou seja, até para dormir não sou capaz.

"Impossible", de James Arthur chega aos meus ouvidos e não contenho a lágrima que escorre pelo meu rosto enquanto um filme de lembranças passa diante de meus olhos. Todos os momentos que vivemos se passa diante de meus olhos, todos os sorrisos, os olhares trocados, tudo volta à minha mente, mas não me traz alegria, não me deixa emocionado, mas sim triste. Triste porque eu não queria que tivesse acabado do jeito que acabou. Não a amo mais, não sinto saudades mais, a única coisa que ainda está viva dentro de mim é a culpa. Porque tudo o que aconteceu foi por minha causa. O fim triste que nossa história teve foi graças a mim e eu sou um idiota por isso.

Sou um idiota e sou um fraco por não conseguir esquecer nada, por ter que viver fingindo estar bem enquanto tudo desmorona dentro de mim. Não agüento mais isso! Todas as noites acontece a mesma coisa, minha mente não me deixa dormir e fica me lembrando de tudo o que vivi e de como acabei com tudo, só para me mostrar o quão perigoso e fraco sou, por destruir as pessoas e por não conseguir esquecer o passado.

***

"Estou afundando e desta vez
Temo que não haja ninguém pra me salvar
Esse tudo ou nada realmente deu um jeito
De me deixar louco"
Someone You Loved – Lewis Capaldi

A Vida é Feita de EscolhasOnde histórias criam vida. Descubra agora