Capítulo 25

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"O problema é que os seres humanos
têm o dom de escolher exatamente
aquilo que é pior para eles."
Harry Potter

Não esperava ficar irritado depois da festa. Eu nem queria ficar irritado. A festa foi boa, finalmente quebrei minha promessa de não beijar mais ninguém e tudo estava indo muito bem. Até a hora de virmos para casa.

Já estou acostumado a dirigir o carro na volta de todos os rolês porque, mesmo que eu não tenha carteira de motorista, sou o único do nosso grupo que permanece sóbrio até o final das festas — algumas vezes, o Kevin também fica sem beber, já que é menor de idade, mas quando o assunto é dirigir, ele é um cagão —, fora que eu não tenho nenhuma coragem de deixar minha vida nas mãos de dois garotos que, além de serem malucos por natureza, ficam piores com álcool no sangue. No entanto, esperava que sexta-feira houvesse uma exceção, pois, na minha cabeça, o Lucas estava se tratando corretamente, tomando todos os medicamentos prescritos e se cuidando e, devido à sua doença perigosa, ele ficaria longe de qualquer tipo de bebida alcoólica. Mas isso foi só na minha cabeça.

Assim que meu amigo ficou sozinho, na festa, começou a se embebedar. Ele até quis disfarçar, mas quando começou a cambalear enquanto andávamos para o carro, fui obrigado a tomar as chaves de sua mão e dirigir. Os garotos até perguntaram se eu havia bebido, porque dirigi numa velocidade tão alta, que chegamos em casa em menos dez minutos. Mas não era álcool, era raiva. Raiva porque o Lucas adora brincar com a própria vida.

Às vezes fico pensando se meu amigo tem noção do que faz, se ele realmente sabe o perigo dessa doença. Porque ele age de modo tão insensato, que parece que ele não está nem aí para a vida dele, que diz "dane-se a tuberculose", "dane-se o tratamento". Ele não tem noção do perigo que está se expondo e ainda quer dar lição de moral nos outros, como se fosse O Cara, super responsável.

Embora eu esteja triste por saber que o Lucas não dá a mínima para o esforço que a tia Alice e o tio Thiago fazem para arcar com as despesas do tratamento e medicamentos, que não se importa com o tanto que eles trabalham para cuidar dele, estou fazendo o máximo para não me importar com isso, afinal, eu não sou o pai dele. Ele já é adulto, já tem dezoito anos e já sabe se cuidar sozinho. Eu sou apenas um amigo intrometido que quer ficar cuidando de sua vida, sendo que ele já sabe o que deve fazer. Quem sou eu para querer me meter em suas decisões? Não dá para ajudar quem não quer ser ajudado.

Paro em frente à casa dele e respiro fundo antes de bater na porta.

O sábado depois da festa foi tranquilo. Meus pais e eu visitamos a casa dos meus avós paternos, Ana e Daniel, e lá pude esquecer um pouco sobre o assunto do meu amigo, porém, assim que cheguei em casa, o Lucas apareceu como se nada tivesse acontecido e me convidou para ir na sua igreja no domingo para tentar conversar com a Fernanda.

Eu não estava acreditando em como ele consegue lidar com os problemas como se eles não existissem, em como conseguia aparecer de repente como se toda a nossa discussão do dia anterior não fosse nada além de uma brincadeira. Mas se esse era o jogo dele, eu jogaria.

A tia Alice abre a porta com um sorriso e me cumprimenta, antes de voltar para a cozinha, que é onde ela trabalha fazendo comidas e doces para vender. Entro e sento no sofá, tentando me distrair e não pensar na situação do meu amigo.

— João? – a única pessoa no mundo que pode me chamar de "João", porque é um apelido de infância, pergunta – Você está bem?

Letícia me encara por alguns segundos antes de se virar para o espelho que pendurou na sala e voltar a passar creme em seu cabelo que, por mim, não precisa de mais nenhum creme.

— Estou — observo a irmã do meu melhor amigo jogar seu cabelo para frente e amassá-los com a mão.

Então ela para, levanta e me analisa, como se estivesse estudando meu rosto.

— Você tá com uma cara estranha – ela murmura, limpando as mãos na toalha pendurada em seu pescoço.

— Ah, Letícia! Você fica com cara estranha todo dia e ninguém reclama – Lucas implica enquanto desce as escadas, pronto para sairmos.

Eu não queria ir hoje, mas ele insistiu tanto que eu devia me "consertar" com a Fernanda, que tive que aceitar. E confesso que parte de mim estava sentindo falta da garota dos olhos escuros.

— Lucas, nem começa! — fecha o pote de creme e o pega o espelho para guardar. — Só vou escovar os dentes e vamos.

— E você escova os dentes? – provoco e ela solta um "é, você realmente está normal".

O Lucas para ao meu lado com um sorriso ladino no rosto.

— Preparado? – esfrega as mãos, animado.

Não o respondo. Apenas espero a Letícia voltar e me levanto do sofá, esperando a hora de irmos embora.

— Eu dirijo — os dois irmãos falam ao mesmo tempo e correm até a porta, onde, ao lado fica o porta-chaves.

Letícia chega primeiro e alcança a chave do carro antes do Lucas.

— Depois de ter passado três horas se arrumando, você ainda quer dirigir? – pergunto.

— É, cara. Você já nos atrasou – Lucas continua, tentando pegar a chave da mão da irmã, que desvia.

— Não demorei três horas, nem atrasei ninguém. Ainda está cedo – ela fala, com as sobrancelhas erguidas, enquanto guarda as chaves em sua bolsa.

— É porque pra ela, João Pedro, o culto começa meia noite.

— Lucas, me respeita que eu sou mais velha! – abre a porta.

— E graças a Deus já vai casar. Estou esperando pelo momento de paz que terei nessa casa – meu amigo vai atrás dela.

Quando paramos em frente ao carro do tio Tiago, Letícia entra e pede para nos sentarmos no banco traseiro, já que o banco do carona fica reservado para o seu "amor". Reclamamos e implicamos uns com os outros até ela parar no ponto de ônibus e o William, seu noivo, entrar.

Já estávamos na metade do caminho quando o Lucas continuou a dar os seus conselhos. Ele estava com tanta certeza de que o casal na parte da frente não iria ouvir, que falou de tudo, naturalmente. Às vezes abaixava o tom da voz, quando pensava que os dois estavam ouvindo, mas eles não ouviram nada. A conversa deles estava tão interessante, que não ligaram mais para nós.

— Depois de hoje, seria bom que você continuasse indo à igreja. Assim você ficaria mais próximo da Fernanda... — meu amigo me olha, com as sobrancelhas erguidas.

— Eu posso muito bem ser amigo da Fernanda sem me tornar um crente.

— É, eu sei disso, mas... Não tô falando que você tem que conquistá-la, é que... como eu disse antes, seria bom se vocês se tornassem amigos, já que ela poderia te ajudar a superar o... você sabe. E vocês só vão ficar próximos de verdade se você ficar indo na igreja direto.

Era só o que me faltava. Se já não bastasse ter que me aproximar dela para calar a boca do Luís Henrique e do Gabriel, ainda preciso frequentar aos cultos dessa igreja.

Eu não quero nada disso! Só quero viver em paz, fazendo as minhas vontades e não precisar agradar ninguém.

— Vou ver o que faço — resmungo.

— Tá bom. — Se vira para olhar pela janela, como se o assunto estivesse encerrado, o que não acontece — Só que, se você for mesmo se aproximar da Fernanda, vai precisar aceitar a Jesus.

— Aceitar a Jesus? Como assim?

A Vida é Feita de EscolhasOnde histórias criam vida. Descubra agora