Capítulo 2

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"Venho tentando escalar de volta há 17 anos,
mas é quase impossível vencer a gravidade
quando ninguém está disposto a lhe dar a mão."
Estilhaça—me – Tahereh Mafi

Sempre fui popular na escola e essa fama não tem muito a ver com meu título de capitão do time de futebol. A verdade é que sempre andei com meus amigos, sempre andei arrumado e sempre fiquei com todas as garotas que queria. Mas isso mudou desde aquele dia, o dia 26 de março de dois anos atrás. Depois desta fatídica data, nunca mais "fui o mesmo". Embora eu continue sendo popular, não consigo nem mesmo beijar uma garota, coisas que eu fazia normalmente. E é justamente por isso que meus amigos insistem que continuo traumatizado.

Ao contrário do que parece, eles não suspeitam que vivo uma vida triste, que não tenho felicidade, apesar de brincar e zoar, eles apenas... relacionam o meu afastamento das garotas ao acontecimento que marcou minha vida, e insistem que ainda estou traumatizado.

E eles têm total razão, porque ainda me sinto mal por tudo o que aconteceu. Ainda me sinto culpado por tudo ter dado errado, e isso me impede de fazer muitas coisas. Mas não posso deixar que as pessoas — muito menos eles — saibam disso. Elas me olharão com pena, dirão que sou fraco por me importar com uma besteira dessas, e nem me ajudarão em nada, então prefiro fingir que está tudo bem, mesmo não estando.

Já fingi durante todos os dois anos que passaram, não seria tão difícil continuar com isso agora, mas os meus amigos dificultam tudo. E eu não posso deixar que eles descubram a verdade, que descubram que sou um fraco que ainda sente muito pelo que aconteceu há um bom tempo.

— Vocês deveriam tirar isso da cabeça de vocês — comento como se não fosse nada. — E, aliás, não vou me meter com a Cospe Fogo, não! — digo olhando para a garota que conversa animadamente com a amiga.

Essa menina pode até ser bonita, mas o que tem de beleza tem de estresse, por isso mesmo que coloquei seu apelido de Cospe Fogo.

Uma vez ela atirou o apagador da professora num garoto que lhe fez uma cantada, e depois continuou gritando com ele. Depois disso, só os corajosos chegam perto dela.

— Você quer o quê? Que a gente deixe tudo fácil pra você? Antigamente você conquistava qualquer uma, agora só quer chegar perto das meninas que só faltam babar quando você passa? — Gabriel me olha com uma sobrancelha arqueada.

— Eu que tenho que conquistar a garota e vocês que escolhem quem é? — Reviro os olhos — Fala sério, né?

— É isso mesmo. Vai lá e faz bonito! Mostra pra gente que você nem lembra mais daquela garota e que já superou tudo — Luís Henrique me olha cinicamente e me seguro para não demonstrar irritação, porque se ele ver que estou nervoso, vai se sentir motivado a me perturbar ainda mais.

— Tá, eu vou. Mas só para vocês pararem de perturbar. — Me levanto — Vocês vão ver que continuo o mesmo galã de sempre.

Ando até a garota, agora sozinha, lendo um livro, sentada à mesa do refeitório. Quem é que lê num lugar desses, cheio de gente e barulho?

— E aí? — apoio uma mão na mesa e esboço o melhor dos sorrisos.

— O que você quer? — pergunta calmamente.

Isso é um bom sinal. Um ótimo sinal. Pensei que ela gritaria comigo de primeira.

— Queria dizer que você está muito bonita hoje. — lanço uma piscadela e ela continua séria — Além disso, queria saber se você está a fim de sair comigo. Eu e você, nós dois... — sorrio.

— Você está maluco? — ela não grita, apenas pergunta normalmente, o que é totalmente fora do normal para alguém como ela.

Tá legal, posso estar alguns... meses sem chamar ninguém para sair ou beijar, mas ainda sei flertar, ok? Também, né! Com o peso que eu tenho de fingir que já superei tudo, esquecer como se flerta iria me levar para as manchetes de zoação, para o jornal da escola, e eu ainda ficaria num lugar pior do que o do Kevin no Ranking.

Não posso deixar isso acontecer.

Ela me lança um olhar impaciente, se levanta, pega seu livro e sai andando.

Assim fica difícil...

Corro até ela e paro na sua frente.

— Qual é Jamilezinha? Aceita aí! Eu sou muito legal! E lindo também — acrescento enquanto a garota revira os olhos.

— Beleza não é nada, Joãozinho. — Joãozinho? Qual é?! — E... Não. Não aceito. — Coloca uma mecha de seu cabelo encaracolado atrás da orelha — Ah! E é JU-LI-A-NE! Não Jamile! — fecha a cara.

— Dá quase o mesmo — minha vez de revirar os olhos. — Os dois começam com a letra "J". E, aliás, nós combinamos perfeitamente! Imagina, "O casal J.J.". — Passo a mão pelo ar e, ao ver que ela não fala nada, imploro — Qual é?

A garota estreita os olhos. Com certeza está analisando a situação antes de descobrir a verdade — minha mãe faz a mesma coisa. E ela sempre acerta.

— Isso é o quê? Uma aposta? Desde quando você implora para alguma garota, Goulart? — Aponta para mim com a sobrancelha arqueada.

Juliane um, João Pedro zero. Ela está certa. Desde quando eu imploro para alguém? Devo estar mesmo enferrujado.

— Fala sério, Jam... Juliane, não tem nada a ver com aposta. Só quero sair contigo. E pode falar que você também quer sair comigo. — Esboço um sorriso sem dentes — Você, também não resiste a mim, não precisa fingir.

Ou é um instinto feminino, ou ela é uma daquelas pessoas que adivinham tudo. Porque, cara? Como ela adivinhou que isso é uma aposta? Se bem que não é exatamente uma aposta. Mas do que eu chamaria? Ato motivacional?

— Está na cara que é uma aposta — bufa. — Querido, eu não sou qualquer garotinha idiota pra me apaixonar por você, não. Tenho coisas a fazer — ela diz.

Parece que seu estresse e agressividade sumiram. No lugar apareceu a ignorância.

— E, aliás, isso é ridículo. Você acha o que? Que um rostinho bonito pode conquistar qualquer garota? — ri ironicamente. — E eu não ligo de falar que você é bonito, porque você e seus amigos são, mas sabe de uma coisa? Meu namorado é muito mais bonito que todos vocês juntos e o caráter dele dá um banho no de vocês. E todos sabemos que beleza não é nada, comparado ao caráter.

— Então você está dizendo que eu não tenho caráter? — cruzo os braços, tentando ignorar o que ela disse sobre seu namorado.

Como assim ela namora? Por que eles me fizeram falar com uma garota que namora?

— Se você e os seus amiguinhos ficam de bobeira, apostando quem conquista quem e brincando com o sentimento das garotas, sim, são pessoas totalmente sem caráter e isso não é atrativo. Agora me dê licença — se vira e sai pisando firme.

A Juliane está certa, mas não foi nada legal ouvir isso. Nunca fui a favor de se aproveitar do sentimento de garota nenhuma, por isso que sempre cumpri a regra do "ficar e não se apegar". E eu não queria me aproveitar do sentimento dela ou de qualquer outra, só queria chamá-la para sair. Mas descobri que ela tem namorado e que acha que não tenho caráter algum.

Que ótimo, só falta eu ficar com a má fama de garoto-lindo-sem-caráter. Já até imagino o Spotted do colégio no Twitter dizendo "Capitão G, o mau-caráter". Espero que isso não aconteça, porque se tem uma coisa que não gosto é de sujar minha reputação.

Quando volto para perto dos meus amigos, eles estão calados, todos com a mesma cara de quem fez besteira.

— Vocês acham que eu tenho bola de cristal? Como é que querem que eu me aproxime de uma garota comprometida? — falo sério.

— Foi mal, cara. A gente não sabia... — Gabriel levanta as mãos, como se estivesse se rendendo.

— Tá, a gente errou na escolha, mas isso não significa que você está livre. Ainda queremos uma prova de que você realmente superou o passado — LH me olha como se a escolha anterior dele não tivesse me feito passar vergonha.

Tá de brincadeira.

A Vida é Feita de EscolhasOnde histórias criam vida. Descubra agora