Capítulo 8

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"Sinto saudades de mim,
de quem já fui e não sou mais."
Escritora de Luar

Encaro meu rosto molhado no espelho do banheiro. Abro bem os olhos, na tentativa de encontrar alguma olheira que dedure a minha noite mal dormida e, felizmente, não encontro nenhuma. Respiro fundo uma última vez e pego o papel toalha para secar o rosto antes de voltar para a sala de aula, onde a professora Marlene, de biologia, revisa o conteúdo passado durante o mês.

Ajeito a postura e olho novamente meu reflexo no espelho, para ver se estou transmitindo a confiança que desejo transmitir. Assim que saio do banheiro, cumprimento uma garota que passa, depois o segurança, antes de ir para a sala. Assim que viro para subir os degraus que levam ao segundo andar, esbarro em alguém. Apresso-me em pedir desculpas, mas não consigo deixar de sorrir ao ver quem é a pessoa.

— Ora, ora, ora... Se não é a Senhorita-coração-de-pedra — pisco um olho para a garota, que fica séria na hora.

— Eu não sou coração de pedra – esboça um meio sorriso enquanto segura com força a alça da mochila.

— Depois de partir meu coração ao me chamar de mau-caráter — faço drama, levando minha mão ao peito, como se doesse.

— Não te chamei de mau-caráter — cruza os braços. — Eu só disse que não sairia com você sem antes conhecer o seu caráter — sorri.

Pela primeira vez na vida, a vejo sorrir. Tá legal que a conheci ontem, mas mesmo assim. Um sorriso bonito como o dela deveria ser mostrado mais vezes.

— Wow! Que fenômeno! — dramatizo.

— O que foi?

— Você sorriu. Não sabia que era capaz disso! — implico. — Nunca vi uma coração-de-pedra sorrir.

Então ela riu. Riu de verdade. Um riso sincero, como se estivesse se divertindo às minhas custas. Como se eu tivesse quebrado o gelo que nos separou ontem.

— Não seja ridículo — desviou o olhar.

Sorri conquistadoramente.

A Fernanda não parece ser o tipo de garota que aceita sair com qualquer um, e pude perceber isso ontem, quando eu mesmo a convidei — e olha que sempre recebo um "sim" quando faço esses convites. Então não adianta tentar conquistá-la chamando-a para sair no mesmo dia que você conversa com ela pela primeira vez. É justamente por isso que estou tentando de um jeito mais prático, iniciando uma conversa.

— Ah, e gostei da camisa – aponto para sua blusa num tom mostarda com uma frase do filme A Bela e a Fera.

"São os seus defeitos que fazem de você uma pessoa única".

— Você sa...

— A Bela e a Fera – encostei na parede e pus minhas mãos no bolso da bermuda. – Sabe como é, né? Ter um irmão mais novo te faz assistir a cem bilhões de animações diferentes.

— Na verdade, sou filha única – dá de ombros. – Mas adoro animações – conta.

A Vitória estava certa ontem. A Fernanda com certeza não estava tendo um bom dia, porque hoje ela parece uma pessoa totalmente diferente. Está até conversando comigo. Conversando, sem me agredir, me xingar ou me dar um fora.

Pergunto o que ela faz ali, já que não é aluna do colégio e ela me responde que faz pré-vestibular na minha escola (o que eu nem sabia que tinha) e que, naquele momento estava voltando para casa, depois de resolver algumas coisas na diretoria.

— Bem, eu tenho que ir... – diz, virando-se.

— Te acompanho até a saída.

— Você fala como se a escola fosse sua casa.

— Bem... é praticamente como se fosse. Vivo mais aqui do que em minha própria residência. – Dou de ombros. – E aliás, uma menina bonita igual você pode atrair muitos paparazzis. Seria bom contratar um segurança.

— Ah, é? – entra no meu jogo, enquanto andamos juntos até a saída.

— Com toda a certeza. E se você quiser, estou disponível – dou de ombros e a garota ri. — Sabe como é, né? Com um segurança como eu ninguém se aproximaria de você.

Ela não parece ser tão difícil assim.

— Isso parece mais uma desculpa para você sair andando comigo.

— Eu nem tinha pensado nisso. – penteio meu cabelo com os dedos quando paramos em frente ao portão. — Mas é uma ótima ideia.

Ficamos frente a frente, como nos filmes chatos de romance que minha mãe assiste, onde há uma tensão entre o casal enquanto a brisa do vento balança o cabelo dos dois. Mas a diferença é que aqui, na realidade, o sol queima nossas cabeças, e não há nada rolando entre nós. Ela parece ser a menina que mais ficou tranquila ao conversar comigo, porque todas as outras, a essa hora, teriam vindo me abraçar, beijar minha bochecha, ou teriam, no mínimo, ficado vermelhas só de ouvir o elogio. Mas a Fernanda está normal, como se o fato de um garoto como eu acompanhá-la até o portão da escola fosse super comum em seu dia-a-dia.

Encurto a distância entre nós e fixo meus olhos nos seus, que são tão escuros quanto a noite.

— Posso... – aponto para minha bochecha, pedindo permissão para me despedir depositando um beijo na sua.

Ela me olha. Um sorriso travesso despontando em seu rosto.

— Não. — Sorri e atravessa o portão.

— Vai se fazer de difícil, Senhorita Coração de Pedra? – semicerro os olhos ao ver seu sorriso vitorioso.

— Talvez – começa a andar de volta para casa, ainda sorrindo — Tchau!

Parece que estou ganhando sua confiança, apesar de ela ter se recusado a receber um beijo meu em sua bochecha, mas não consigo ficar feliz com isso. Eu posso acabar machucando-a como faço com todos que se aproximam de mim.

Solto um pesado suspiro ao lembrar o que me espera ainda hoje. Querendo ou não, esse momento que passei com ela foi aliviante. Por alguns minutos pude esquecer de todos os meus problemas e apenas conversar com alguém. Mas agora, infelizmente, tenho que voltar a viver.

— Matando aula, senhor Goulart? – ouço a voz da Caveirão soar atrás de mim.

A Vida é Feita de EscolhasOnde histórias criam vida. Descubra agora