“Todos os dias eu tento,
Eu tento de verdade,
mas estou em um ciclo de fracasso.”
Pedro MirandaEu não preciso explicar nada para ninguém. Não preciso ficar pensando que agi de maneira errada com meu pai e que depois precisarei pedir desculpas. Não preciso fazer nada disso. Apenas relaxar e esfriar a cabeça. É só eu agir como se nada tivesse acontecido e pronto. Tudo certo.
Relaxo os ombros e olho meu rosto na lateral de vidro que envolve a porta de madeira da casa do Lucas. Ensaio um sorriso e uma expressão tranqüila. Depois de sentir meu peito subindo e descendo tranquilamente, estendo minha mão e dou três toques na porta.
Tia Alice logo abre, me recebendo com um sorriso feliz, como sempre e me diz que o Lucas está em seu quarto. Subo as escadas correndo até chegar na porta com uma placa com os dizeres “não perturbe meu sono”. Giro a maçaneta e entro sem bater, chamando seu nome.
Ele abre a porta da suíte e coloca a cabeça para fora.
— Ah, é você. E aí?
— Estava tomando banho? – pergunto me sentando no chão e observando-o entrar de volta no banheiro.
— Eu vou tomar banho – fecha a porta.
Ligo o console e, enquanto ele inicia, fecho os olhos e respiro fundo.Eu só preciso esquecer tudo o que houve. Preciso relaxar e esquecer os meus problemas. Preciso fingir que nada aconteceu, que meu pai não viu nada, que aquele zero e meio que tirei mês passado foi fruto da minha imaginação, que está tudo tranquilo na minha vida. Tudo tranquilo...
Abro os olhos quando escuto o barulho da TV. Depois, escolho o jogo e aperto o play.Dez segundos jogando e eu ouço o celular do Lucas tocar. Reconheço que não é o meu pelo toque.
— Alô – atendo sem olhar a tela.
— Alô? Lucas? – reconheço a voz de alguma menina.
— João Pedro – respondo.
— Ah, João Pedro, é a Vitória, tudo bem?
Vitória? O Lucas não estava brigado com a Vitória? Como ele se recuperou de tudo isso em apena algumas horas?— Oi, tudo bem, sim. Então... o Lucas ‘tá ocupado agora – respondo depois de ouvi-lo cantarolar.
— Ah, tá bem. Eu só... queria saber se ele está melhor. Ele tinha me dito que não estava passando bem – sinto um leve tom de preocupação.
Não estava passando bem porque estava de ressaca depois de beber a noite inteira tentando esquecê-la. Só o Lucas mesmo.
— Ele está melhor sim. Daqui a pouco ele te liga de volta.
A garota agradece e desliga a chamada.
Depois de termos passado o maior sufoco tentando trazê-lo de volta para caas, bêbado e fedendo, ele me aparece cantarolando feliz da vida já tendo resolvido tudo com a Vitória. Por que ele não fez isso ontem e evitou de nos dar trabalho?Coloco o celular ao meu lado, no chão, e percebo que a tela não se apaga e que desbloqueado numa conversa. Viro para a tevê, mas olho novamente para o celular e vejo algo que me chama atenção. Dou pausa no jogo e fixo meus olhos na tela, notando que mostra uma conversa dele com o pai. Penso em ignorar, mas desisto ao ver a palavra “remédios".
PAI
- “Lucas, eu não quero que você brinque com essa doença. Tuberculose é coisa séria.”
- “Eu já estou voltando com os medicamentos.”
- “Foi um pouco difícil de encontrar.”
- “Você está melhor?”
Mas... Como assim ele não devia brincar com tuberculose? O Lucas está com tuberculose? O meu amigo está doente? Por que ele não me contou?
Coloco o aparelho na cama dele e encaro a televisão, sem dar play no jogo.
Se ele está doente, por que bebeu tanto ontem? Por que fumou estando com tuberculose? E se a doença piorar por causa disso?Ouço assobios e logo em seguida a porta do banheiro se abre.
— O que foi? – ele me encara.
Me levanto e coloco o controle na cama.— Cara, você está... doente?
— Ah... é... – coça a nuca, olhando para o chão.
— Por que não me contou? – pergunto. – Lucas, você bebeu ontem, sendo que você está doente.Você sabia que tuberculose pode piorar com a bebida?
— Olha... eu ia te contar. Só que eu não sabia como. Nem quando – vai até o guarda-roupas para procurar uma roupa.
— Mesmo se não me contasse! Ontem você bebeu e fumou! Tem noção do que é tuberculose? De como é perigoso? E como está jogando futebol assim? Você não sabe que é contagioso?
— Shhh, fala baixo cara – olha para os lados. – Eu sei de tudo isso. Mas fica tranquilo, essa não é contagiosa não. – Pega uma roupa no armário. – Esqueci o nome que dá... É na pleura. Tuberculose pleurífera? Pleu... sei lá, só sei que é na pleura e não é transmissível.
Transmissível ou não, é perigosa.
— Mesmo assim, como quer que eu fique tranquilo? Como eu vou ficar tranquilo, sabendo que ontem você bebeu todo descontrolado? E que eu te deixei fumar! – levo uma mão à testa, sem acreditar.
Eu não devia ter deixado ele fumar aquele cigarro. Não devia.
— Lucas, isso pode piorar por causa de ontem!
E se piorar vai ser por minha causa. Porque eu deixei aquele idiota dar aquele cigarro para ele, ao invés de tomar conta da própria vida.
— Não vai piorar, tá legal? Esquece isso!
— Como eu vou esquecer isso? – pergunto, sem entender como ele pode estar tão tranqüilo diante de uma enfermidade dessas.
— João Pedro! Pelo menos uma vez na vida, me deixa em paz! Eu já sou adulto. Tenho dezoito anos e sei dos riscos que eu corro. Eu sei o que ‘tô fazendo e você não tem que ficar me controlando. Me deixa tomar conta da minha vida, sozinho!
Pelo menos uma vez na vida...
Suas palavras são como flechas afiadas que perfuram meu peito.
De repente, sinto que meu pulmão não consegue dar conta de todo o ar que estou inspirando e tudo parece grande demais a minha volta.
Estou tentando controlá-lo como o meu pai faz comigo.
Olho dentro de seus olhos e sinto algo queimar dentro de mim. Parece que estou prestes a explodir. Mas não posso explodir. Não aqui. Não na frente dele.
Me viro para a porta e a abro, saindo correndo. Preciso ir embora.
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A Vida é Feita de Escolhas
Teen Fiction⚽️ Sinopse: João Pedro Goulart tem 17 anos e é capitão do time de futebol da escola, além de ser o queridinho de todos. Ele vive uma vida perfeita e feliz (pelo menos, é o que todo mundo pensa). Apesar de sorrir diante de todos e agir como se tudo e...