Capítulo 15

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“Diga-me, minha querida,
um coração pode ser quebrado depois que para de bater?”
A noiva cadáver – filme

Sinto o gramado verde e macio sob meus pés descalços. A sensação parece boa e pareço estar em paz, mas alguma coisa me perturba.

Sempre me senti bem ao tocar a grama, ou até mesmo, ao correr atrás da bola de futebol. Sentir o vento tocar meu rosto, o suor escorrer pela minha testa, a adrenalina correr por minhas veias sempre me trouxeram a sensação de liberdade. Para mim, isso era maravilhoso, mas, agora... não sinto a liberdade, não a sinto paz, não sinto nada além de tensão. Eu não deveria estar sentindo isso, não deveria estar tão conturbado. Pelo contrário, deveria estar bem só de sentir a grama e a paz que o campo traz, mas, por mais que eu tente me sentir assim, não consigo.

Olho para frente e vejo a silhueta de uma garota. Ela parece ser a única pessoa, além de mim, aqui no vasto e verde campo. Dou dois passos tentando reconhecer quem é, mas ela está longe demais. O estranho é que, mesmo distante, sinto como se a conhecesse. Por isso, passo a correr, tentando identificar quem é essa menina que, de alguma forma, mexe comigo.

Quando restam apenas dez metros de distância entre nós, paro de correr. Ando lentamente não acreditando no rosto que vejo. Nove metros, oito metros e meus pés travam, como se duas mãos saíssem do gramado e agarrassem minhas pernas, impedindo-me de dar qualquer passo adiante. Vendo que não continuo andando até ela, a garota começa a andar em minha direção. Reconheço os suaves traços de seu rosto. Seus olhos, como sempre, pequenos, delicados e impassíveis. Sua boca bem desenhada, como sempre, levemente avermelhada. Sua feição, passiva. Um sorriso sem dentes surge em seu rosto. Ela sempre odiou deixar os dentes em evidência e nunca descobri o porquê, mas nunca liguei. Gostava de admirá-la do jeito que ela era.

Eu costumava gostar do jeito que ela me olhava. Costumava sentir uma boa e leve palpitação no peito sempre que a via. Costumava me sentir bem bobo. Agora, no entanto, sinto uma pontada de desespero surgir dentro de mim e desejo correr para onde vim, apenas para me manter afastado daquilo que um dia admirei, só que não consigo. Meu corpo parece estar paralisado e não obedece aos meus comandos.

“Você precisa parar de fugir dos problemas”, a voz do meu pai ressoa em minha mente. Eu não disse que faria isso. Não prometi nada, então continuarei fugindo quantas vezes for necessário. Eu preciso fugir.

Minha respiração acelera conforme a garota se aproxima. Desejo mais do que nunca correr para longe, o que se torna impossível quando ela finalmente para, à minha frente.

Minha boca petrifica, perdendo toda a saliva que continha. Como conseqüência, minha garganta também fica seca, me impedindo de falar.

— João Pedro... – aquela voz suave que eu tanto amava ouvir penetra meus ouvidos quando a garota fala.
Tento não demonstrar o meu nervosismo, como se estivesse tranqüilo como ela.

A garota, com o rosto e a voz angelical estende sua mão e a leva até meu rosto.

— Querido... – “Querido” uma ova – Você sabe que tudo aconteceu por sua causa, não sabe?

Então, em questão de segundos, seu rosto fica sério e seus olhos sombrios.

— Foi tudo culpa sua! – inicia a frase com a voz calma e termina com um quase grito, apenas se preparando para gritar de verdade – VOCÊ É O CULPADO! SEMPRE FOI!

Engulo em seco, ainda calado.
Não queria ouvir isso, não queria mesmo. Mas é a verdade, foi tudo culpa minha.

— Você a-ca-bou com a minha vida!

Quando ela diz isso, a minha armadura cai e me sinto indefeso. Suas palavras são como flechas que atingem meu coração, me trazendo à realidade. Apesar de tentar ignorar esta verdade, é com ela que devo viver diariamente.
Uma gota gorda e quente escorre por minha bochecha, destruindo a fantasia de “garoto tranqüilo” que criei.

— Você me destruiu! — cospe as palavras, apontando seu dedo indicador para mim.

Eu sei! Eu sei que te destruí! Sei que acabei com a vida de todos ao seu redor e com a minha própria vida. Sei perfeitamente disso, porque é o que sempre faço. Sempre sou o culpado de tudo! Tudo de ruim que acontece é culpa minha!

— Você tem razão — a minha voz sai firme. — Eu sou o culpado de tudo.
É tudo culpa minha. Tudo aconteceu por minha causa, porque eu errei. Toda essa desgraça fui eu que causei. É sempre assim. Nunca consigo fazer uma coisa certa e acabo machucando e destruindo as outras pessoas.
Encaro seus olhos, que ardem como fogo e assumo que errei.

De repente, sinto todo o ar sumir de meus pulmões. Procuro ao meu redor, mas não o encontro. Tento correr, para conseguir encontrá-lo, mas meus pés estão vincados ao chão. Me mexo, na tentativa de conseguir respirar, mas uma forte pressão surge sobre o meu peito, me deixando sem saída.
Meus olhos pesam, meu coração perde a força.

Então abro os olhos e encontro oxigênio.

A Vida é Feita de EscolhasOnde histórias criam vida. Descubra agora