Capítulo 26

1 0 0
                                    

 "Oh, I know I'm probably much too late
To try and apologize for my mistakes
But I just want you to know"
When I Was Your Man – Bruno Mars

Quando o Lucas veio com aquele papo de "aceitar a Jesus", não consegui entender, então ele me explicou que, quando uma pessoa quer se tornar oficialmente da igreja, ela precisa primeiro aceitar a Jesus, que seria basicamente aceitar que Jesus é o único e verdadeiro salvador, e que não há outro além dele. Achei um pouco desnecessário, mas, pensando por outro lado, isso faz total sentido. Toda religião tem essa parada de acreditar que o seu deus é o único e com o cristianismo não é muito diferente.

O que acontece é que não quero fazer confissão nenhuma. Por mais que eu acredite em Deus, não quero me envolver com religião só por causa de uma garota. Não quero me comprometer com a igreja e nem com nada. Mas parece que isso não faz sentido para ele.

Apesar de eu ter dito que não faria isso, meu amigo insistiu em explicar o que eu precisaria fazer caso quisesse confessar essas coisas. E tive que ouvir isso até chegarmos na igreja.

Assim que saímos do carro para entrar no templo, Gabriel e sua irmã — que não lembro o nome — vieram até nós. Claro que o Sukita estava com um sorrisão no rosto ao me ver.

— Fala aí! Que bom que você veio. Finalmente tomou coragem para conversar com a... — para de falar assim que sua irmã mais nova fixou os olhos nele. — Sai daqui, cara.

— Dá licença — a garota, que parece ter uns quatorze, quinze anos, o ignora. — Oi, João Pedro, quanto tempo... — Sorri para mim, enquanto sua mão está estendida para apertar a minha.

Cumprimento-a com um rápido abraço, sob os olhar ciumento do Gabriel, mas não a chamo pelo nome pelo simples fato de não lembrá-lo. Só sei que começa com a letra "G", assim como os nomes da mãe e do irmão.

— Eu não sabia que vocês eram dessa igreja também — comento quando a irmã do nosso amigo se afasta.

— E realmente não sou. Apenas venho porque minha mãe pede. Mas não estou nem aí para nada que acontece aqui — o goleiro do nosso time dá de ombros e logo seguimos para entrar na igreja.

Antes de atravessarmos as portas de vidro e entrarmos no espaço onde ocorre as reuniões, Gabriel sorri para mim e sussurra: "não sabia que você estava tão decidido a conquistar a Fernanda a ponto de começar a frequentar a igreja".

***

Enquanto um mesmo cara falava durante horas e todas as pessoas ficavam quietas, ouvindo-o, não consegui prestar atenção. Eu estava ocupado demais contando o número de componentes da orquestra de cordas e quantos instrumentos diferentes tinham. Ao todo, eram umas trinta pessoas, algumas tocavam violinos, violoncelos, violas e um outro instrumento que era maior do que o violoncelo. Apesar de a maioria tocar instrumentos de cordas, alguns tocavam instrumentos de sopro, como flautas, clarinetes e mais um que eu não consegui identificar qual era. Estava bem ocupado, até o Lucas me cutucar com o cotovelo.

— Vai lá.

— "Vai lá" aonde? — indago, sem entender do que ele está falando.

— Vai lá aceitar a Jesus, o cara está chamando — ele me olha, como se fosse óbvio.

— O Goulart vai entrar para a igreja? — Gabriel, sentado do outro lado do Lucas, abaixa a cabeça para conseguir me olhar. — A Fernanda vai adorar.

— Viu? Essa é sua chance de impressioná-la.

— Não quero impressionar ninguém.

— Deixa de ser chato, cara. Pensa bem, se você entrar para a igreja e ficar mais próximo da Fernanda, vai calar a boa do LH. Mesmo que você não conquiste ela, ele vai pensar que você está seguindo com o plano — meu amigo sussurra para que o Gabriel não ouça.

Eu não quero virar um garoto da igreja, vir aqui todos os dias de reunião, me tornar religioso, e nem nada disso. Só quero ser livre para fazer o que me der na telha. Mas preciso entender que nunca serei livre de verdade, que nunca terei a minha paz para fazer minhas vontades. Nesse momento, assim como em todos os outros, não posso fazer o que desejo, somente aquilo que as pessoas dizem. Só tenho que ir lá na frente, só isso. Talvez assim pararei de ouvir meus amigos me perturbando dizendo que não sou mais o mesmo, que estou traumatizado e que sou um fraco.

Não vai ser tão ruim. Só precisarei me envolver mais com a galera daqui e impressionar a Fernanda. Posso continuar vindo até que ela perceba minha dedicação e queira se tornar minha amiga de verdade. Quem sabe depois de hoje ela não me desculpe? Se é assim que me deixarão em paz, que assim seja.

Me levanto de repente após ouvir o homem em cima do palco repetir a pergunta. Então, ando pelo corredor extenso até chegar diante dele. Então, mais duas pessoas, também se aproximam. São duas mulheres. Uma delas chora tanto que sua maquiagem escorre por seu rosto, deixando-o marcado por linhas grossas e pretas. Já a outra, mantém os olhos fechados com força enquanto balança o corpo para lá e para cá. Abaixo a cabeça e fecho os olhos também, imitando as duas.

O homem faz uma oração e, em seguida, pede para nós também orarmos, mas, diferente dele, temos apenas que repetir algumas palavras que ele fala, fazendo a tal confissão que o Lucas disse. Depois disso, volto ao lugar e meu amigo me encara com um sorriso enquanto me mostra o polegar.

Quando o culto acaba, nos reunimos no espaço perto dos banheiros e do bebedouro. Enquanto Lucas, Gabriel e eu conversamos, o clone versão feminina do Sukita vem até nós.

— Que bom que você aceitou a Jesus, João Pedro. Espero que fique por aqui, o pessoal é maneiro.

— É, eu também — sorrio, tentando lembrar seu nome.

Se a sua mãe se chama Graziele e seu irmão Gabriel... ela também deve ter um nome que inicia com a letra "g". A menos que comece com a mesma letra do nome de seu falecido pai ou a tia Grazi tenha escolhido outro aleatoriamente. Mas algo me diz que seu nome comece com "g". Seria Gláucia? Grizelda? Graziela, tipo a mãe? Geovana? Géssica?

— Gabriela, estamos em um papo de menino. — o irmão superprotetor diz, mas antes que ela o responda, o Felipe vem até nós.

Alguns adolescentes e jovens o seguem, parando à nossa volta, puxando uma conversa. Antes de prestar atenção no que eles falam, percebo uma garota passando perto de nós. Ela me olha e, assim que percebe que também a olho, desvia o olhar. A Fernanda entra em uma sala, me obrigando a deixar de observá-la para conversar com a galera ao meu redor.

O Felipe diz sobre como estão felizes por eu ter retornado e, em seguida, eles puxam assuntos aleatórios e engraçados. Rio e converso com todos eles até a porta em frente se abrir e a Fernanda sair de lá. De novo, ela me olha rapidamente. Penso que ela vai se aproximar de nós, mas segue por um corredor. Então, peço licença e vou atrás dela.

Ando rapidamente pelo corredor que leva para o lado de fora da igreja e assim que a encontro, chamo por seu nome. A garota vira para trás e, quando me vê, para de andar.

— Oi... — Passo a mão pelo cabelo, pensando no que vou dizer,

— Oi. — Seus olhos negros fixam nos meus.

Dessa vez, ela não exibe aquele sorriso marcante e feliz, apenas me olha séria.

— Eu...

— O que você está fazendo aqui com esse garoto, Fernanda? — ouço uma voz masculina falar atrás de mim.

***

"Oh, eu sei que provavelmente estou muito atrasado
Para tentar e me desculpar pelos meus erros
Mas eu só quero que você saiba."
When I Was Your Man – Bruno Mars

A Vida é Feita de EscolhasOnde histórias criam vida. Descubra agora