Capítulo 1

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"I'm smilin' in everyone's face
I'm cryin' whenever they leave, the room
They don't know the battle I face
They don't understand what I'm going"

I'll find you – Lecrae

— Está melhor?

Levanto a cabeça e encaro o enorme sorriso da Versão Feminina do "It: A Coisa".

Esboço um sorriso também. Um bem convincente, para que ela acredite em mim e me deixe meter o pé.

— Estou bem melhor. Se antes eu estava mal, nem me lembro — falo, confiante, ainda olhando a mulher, que está com as mãos na cintura.

Eu não estou mentindo. Mas também não estou dizendo a verdade. Quero dizer, não sinto mais o cansaço que me fez parar de jogar bola e me trouxe à enfermaria, mas ainda não estou bem. Nunca estive. Só que isso não é coisa que se diga a ninguém, muito menos à vice-diretora-enxerida da escola.

Já tem um tempo que estou assim, mal. E não é o tipo de mal-estar que melhora depois de uns remédios (quem dera fosse), mas o pior tipo de todos. Eu sinto uma dor que nunca para e que alcança a alma; uma dor que se instala no peito, sufoca, arde, e mata aos poucos; uma dor lenta, que surge quando menos espero e acaba comigo. A falta de ar que sinto às vezes nem chega perto dessa dor que está presente todos os dias. Sempre volta depois de algumas palavras, algumas memórias ou até mesmo algo que alguém faz. Ela nunca sai de mim, por isso, nunca estou bem. Nunca estou melhor.

O mais chato de tudo isso é que ninguém percebe. Odeio que sintam pena de mim, mas alguém poderia notar e tentar me ajudar de verdade, o que não acontece. Acho que talvez as pessoas olhem para mim e pensem como todo mundo: "ele é só um adolescente, não tem com que se preocupar". Só que um adolescente também é um ser humano como qualquer outro e tem suas preocupações. Eu também sofro, também choro, tenho problemas, tenho feridas — feridas dolorosas, que ninguém nunca repara.

As pessoas só vêem em mim um João Pedro diferente do de dois anos atrás, que não faz as mesmas coisas, levemente mais reservado, e associam que é graças ao que aconteceu. E aí elas perturbam, dizendo que preciso "deixar o passado no passado", sendo que não é algo fácil.

Apenas eu sei o que passo quando estou sozinho. Posso rir durante todo o dia e agir como se nada tivesse acontecido, mas é justamente quando entro no quarto e fico sozinho com meus pensamentos que a culpa aparece e cutuca meu machucado. E aí, dói. Dói tanto que desejo gritar. Mas não posso. Porque todo mundo vai me dizer que é bobeira e que preciso esquecer oque aconteceu.

É por isso que sempre minto dizendo que estou bem. Às vezes, quero clamar por socorro e dizer a verdade, mas, sabendo que será em vão, prefiro mentir, pois, se eu disser o que realmente está acontecendo, apenas me olharão com pena e dirão que estou de bobeira. Dirão que toda a dor que sinto não é nada. E isso também dói.

— Ah, que ótimo, porque o senhor bem sabe que terá que me acompanhar até a secretaria, não sabe? — Ela arregala seus olhos gigantes enquanto reviro os meus.

Depois de eu ter ficado com falta de ar durante um bom tempo ela ainda me vem com essa ideia de me levar à sala dela para conversar comigo? Fala sério! E, se bobear, ainda vai dizer: "é para o seu bem". Para o meu bem coisa nenhuma!

Pego minha mochila e me levanto, sendo observado pelo médico sem noção, que não argumenta com a vice-diretora nem se lhe pagarem um milhão de reais. Ele podia me defender, falando que o melhor é que eu fique de repouso, mas não. Tudo o que ele sabe fazer é aceitar o que a mulher diz. Por causa dele vou ter que ouvir um enorme sermão.

A Vida é Feita de EscolhasOnde histórias criam vida. Descubra agora