Capítulo 27

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"Você não pode se focar no que não está dando certo.
Sempre há uma forma de dar a volta por cima."
Divertidamente

Viro para trás a fim de olhar o dono da voz e me deparo com um rapaz que, apesar de ser alguns centímetros mais baixo que eu, tem cara de ter uns vinte anos. Pela sua roupa preta e pelo case em forma de violino pendurado em seu ombro, ele parece ser um dos músicos da orquestra da igreja. Seus olhos fitam os da Fernanda, na tentativa de saber o que está acontecendo aqui.

Levanto a cabeça e ajeito a postura, ficando mais ereto para que ele perceba que não está lidando com crianças. E mesmo que estivesse, quem é ele para pedir satisfações à Fernanda?

— Ah, oi Vinícius. — A garota sorri sem mostrar os dentes — Esse aqui é o João Pedro.

Meneio a cabeça como forma de cumprimento e estendo a mão para que ele aperte. Até tento esboçar um sorriso, que não sai melhor do que os cantos dos lábios levantados. Eu ia sorrir de verdade, ia ser gentil como sou com todos, mas a cara desse garoto, me olhando como se eu fosse um maluco me desmotivou totalmente.

— E aí? — espero ele apertar minha mão, o que acontece depois de alguns segundos.

O cara passa por mim e para ao lado da garota.

— Oi, eu sou o Vinícius. — Me encara, sério — Sou o melhor amigo da Fernanda. — um sorriso forçado surge em seu rosto.

Penso em falar que é um prazer conhecê-lo, mesmo não sendo, mas assim que abro a boca ele se vira para a amiga e pergunta, como se fosse seu pai:

— Por que vocês dois estão conversando sozinhos aqui fora? Não sabem que é perigoso?

— A gente não está sozinho. E estamos dentro da igreja — diz como se fosse óbvio.

E é óbvio. Tem umas cem pessoas, ou mais, ao nosso redor.

— Eu sei disso, mas não é bom que dois adolescentes fiquem conversando sozinhos assim... — o rapaz continua a olhá-la como se não estivesse falando também de mim.

Esse cara deve ser um maluco, isso sim.

— Somos apenas amigos — Fernanda começa a falar, mas ao invés de seu tom de voz demonstrar impaciência e nervosismo, demonstra tranquilidade, o que eu não teria se tivesse um cara desses no meu pé. — Assim como eu converso com você, estou conversando com ele. Pode ficar tranquilo.

— É, cara. — começo, antes que o Vinícius volte a falar. — Pode ficar de boa. Só vou falar um negócio com ela, bem rápido. E a sós — esclareço, caso ele invente de acompanhá-la — Depois entramos. Sua amiga está em boas mãos. — Sorrio para transparecer confiança.

Pela segunda vez, desde que ele chegou, me encara — mas rapidamente — e volta a falar com a amiga.

— Vou te esperar ali dentro. — E sai. Sem me olhar, se despedir, nem dizer mais nada.

O mundo realmente está escasso de pessoas com educação.

— Qual foi a desse teu amigo, Fernanda? — observo enquanto ele se afasta e ela bufa antes de explicar.

Segundo ela, os dois cresceram juntos e ele é como um irmão mais velho para ela, por isso age como super protetor. Mas, para mim, isso é ciúmes. Ele com certeza deve sentir algo por ela que vai além de amor fraternal e agiu assim por não gostar da ideia de ter um outro garoto, sem ser ele, por perto da melhor amiga.

— Ele parece mais um pai ciumento — dou de ombros. — Ele tem quantos anos?

— Dezenove...

— Se já está assim nessa idade, imagine quando ficar mais velho... — resmungo e olho para trás, avistando-o a alguns metros, nos olhando.

Esse amigo dela realmente não é normal. Ele acha o quê? Que é dono da Fernanda? Se eu fosse ela começaria a reparar mais em seu comportamento.

— Enfim... eu só queria... — olho para o chão, tentando encontrar as palavras. — Me desculpar pelo que disse no outro dia.

Pensei em inúmeras justificativas pelo que fiz, mas nenhuma era boa o suficiente para responder aos muitos porquês que devem existir na cabeça da garota. Se todos os argumentos estavam péssimos para mim, imagine para ela. Por isso cheguei à conclusão de que o melhor era não tentar explicar nada. Porque por mais que eu dissesse todas as palavras do mundo, nenhuma delas justificariam o modo que a tratei.

Parece que foi uma coisa boba, mas eu praticamente disse que fui forçado a falar com ela e que não queria a sua presença ali comigo. Que tipo de pessoa se sentiria bem depois de ouvir que sua presença é indesejada, ainda mais de alguém que lhe disse tantas coisas boas antes?

O meu medo fez com que eu a magoasse. Antes eu estava satisfeito porque, pelo menos ela não havia presenciado a chuva de insultos e palavras ruins daquele cara, mas depois pude perceber o quão ruim eu havia sido com uma pessoa que, desde o início me tratou bem.

— Não vou... argumentar, nem dizer o porquê de eu ter dito aquilo. — Solto um suspiro e penteio o cabelo com os dedos, tentando encontrar as palavras certas — Eu só... te peço desculpas. Sei que fui um idiota e que não deveria ter dito aquilo. É só que... deixa pra lá — fito seus olhos negros como a noite e espero que ela diga alguma coisa.

— Eu também não deveria ter insistido para ficar com você. Mas eu te desculpo, sim — sorri sem mostrar os dentes.

— Sério? Tá falando sério mesmo?

— Estou, ué. Por que não estaria? — Cruza os braços.

— Ah, sei lá. Uma coração de pedra como você n...

— Eu não sou coração de pedra! — fecha a cara.

— Tá bom, nervosinha — levanto as mãos, me rendendo.

Ela prende um sorriso e acabo rindo disso, feliz por tudo entre nós ter voltado ao normal.

— Amigos? — estendo a mãos para que ela aperte.

Fernanda me olha meio desconfiada e, quando ela está prestes a ceder e apertar minha mão, sinto um peso sobre meus ombros e, quando olho para o lado, vejo o Lucas com um sorriso enorme estampado em seu rosto.

O olho, sério e, ao ver a Fernanda, ele arregala os olhos e sorri amarelo.

— Eu volto depois.

— Não, Lucas, a gente já conversou — a garota diz, inocentemente.

É certo que já falamos o que tínhamos para falar, mas esperava ficar mais um instante falando com ela. Vai que ela me deixasse abraçá-la como uma forma de reatar nossa amizade? Ou então, que me deixasse depositar um beijo em sua bochecha? Já seria um avanço. Mas agora o meu amigo estragou tudo.

— Fala o que você quer falar.

— A gente vai marcar um fut do nosso grupo. — Esfrega as mãos, empolgado. — A gente só está vendo a data.

Provavelmente ele está se referindo ao grupo de adolescentes e jovens da igreja.

— O Felipe e a Lorena deixaram? — a garota pergunta.

— É claro, né? Não tem como negar as ideias que vêm do pai aqui.— Aponta para si mesmo — E aí eu falei com eles pro João Pedro ir também, pra já ir se enturmando — quase pula, de tanta animação.

— Como assim? Você vai continuar frequentando nossa igreja? — as sobrancelhas da Fernanda sobem e seus olhos se iluminam.

Onde que fui me meter?

— É... — Coço a nuca. — Parece que sim.

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