Os quatro dias passaram correndo. Mamãe acordou-me quase desesperada avisando que tia Liz chegaria logo. A casa estava toda arrumada e cheirosa, exalando o odor de sabão de coco caseiro.
Minha mãe estava de férias do trabalho, já que a dona Helena passaria um tempo fora com o marido. Era bom tê-la em casa todo o tempo.
Bolinho também estava arrumada e de banho tomado. Vovô foi em casa no dia anterior cuidar dela, deu banho, remédios, vitaminas, e comprou um lacinho rosa para enfeitá-la.
Durante os dias que passaram, eu e Bento não conversávamos direito. Todos estávamos ocupados aproveitando o recesso dos pais para arrumar a casa e decorá-la para o Natal.
A janela de minha casa estava com luzinhas coloridas, a maioria estava queimada considerando os muitos anos de uso. Uma pequena árvore de um metro enfeitava a sala com algumas bolinhas vermelhas e douradas.
Com os enfeites que sobraram, decidi enfeitar o clube da felicidade. Os coloquei em uma caixa, e corri para subir o morrinho. Para minha surpresa, Bento havia pensado a mesma coisa e já estava o decorando.
—Tivemos a mesma ideia, pinguinho — disse sorridente.
Enchemos todos os cantos com bolinhas coloridas e fitas decoradas. A decoração estava longe de ser bonita, mas os sorrisos e lembranças tornavam a decoração maravilhosa.
—Pinguinho, a bruxa chega hoje?
—Não fala assim da tia Liz. Ela é legal.
—Acha mesmo? — Bento perguntou com o cenho franzido.
—Eu não sei — respondi segurando o riso
—Aurora! — mamãe gritou. —Sua tia chegou.
Bento e eu descemos alvoroçados. Eu ansiosa por ver minha tia, e Bento ansioso para se esconder em casa e não falar com ela.
Do lado de uma mala marrom, lá estava ela. Uma postura reta, e um coque bem preso. Usava uma calça de alfaiataria bege bem acima de sua cintura, e uma camisa branca de manga comprida. Os pequenos traços da idade avançando começavam a incidir em volta de seu rosto.
—Oi, tia! — abracei-a que retribuiu o abraço.
—Como você está, Aurora?
—Bem. Olha, meu dente caiu — sorri exibindo a abertura feita pela falta dos dois dentes da frente.
Bento já havia desaparecido. Correra para a casa dele e permaneceu o dia todo escondido.
—Eu ganhei uma vaquinha do vovô. O nome dela é Bolinho! Quer ver?
—Ah, quem sabe mais tarde. Preciso arrumar minhas coisas aqui.
Mamãe e tia Liz conversavam enquanto minha tia acomodava-se na sala. Aproveitei da situação e corri para casa de tia Dulce.
—Tia, o Bento está escondido no quarto dele ainda?
—Está — tia Dulce respondeu rindo. —Pode ir até chamá-lo.
O quarto dele era azul bem clarinho, com manchas de umidade na parede, e alguns pedaços descascando. Ele não tinha cama, o colchão era apoiado em caixas de madeira. Havia uma prateleira ao lado da cama improvisada, com bolinhas de gude, uma pipa, uma bola, e um porta-retrato nosso quando estávamos em um pé de manga.
As roupas dele ficavam dobradas em cima de outras duas caixas de madeira. Pendurado acima do colchão, estava um desenho que eu fiz para ele no Natal passado.
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Desenhos de uma Sina
RomanceAurora é uma jovem que cresceu sem saber a verdade sobre seu passado. Encontrada entre as folhas, diante do amanhecer. Bento fora seu melhor amigo, seu confidente, e muitas vezes seu herói. Viver todos os dias entre o conflito do medo e da coragem...