Capítulo 8

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Observando de longe, tia Dulce caminhava lentamente na direção de sua casa. Bento e eu corremos desesperados para apagar o forno a lenha antes que ela pudesse entrar.

Nossos pais nunca nos deixavam acender o forno ou fogão a lenha sem ajuda deles. Mesmo que tia Dulce tivesse a gás, não gostávamos de ligá-lo por dar choque e demorar demais para esquentar.

—Bento, melhor você arrumar toda cozinha e eu vou distrair ela.

—E eu vou ter que limpar tudo? Nada disso, pinguinho.

—Vai logo, ou eu vou para minha casa, e você fica sozinho.

Cruzando os braços e bufando, Bento correu para a cozinha e eu corri de encontro com tia Dulce.

—Tia! — gritava de longe correndo até ela. —Preciso da sua ajuda.

—Ajudo sim, meu amor. Só vou colocar minhas coisas em casa.

—Não! Não posso perder tempo. Quero fazer um bolo para mamãe e logo ela volta para casa.

Sem dar espaço para que ela pudesse responder, segurei as mãos dela puxando-as para vir atrás de mim.

—Quero fazer bolo de milho. Você me ajuda?

—Claro, Aurora — ela dava risada com carinho.

Meia hora passava até que colocássemos o bolo no forno. Tia Dulce caminhava de volta para sua casa, e eu mantinha os dedos cruzados para que Bento tivesse apagado o forno a lenha a tempo do bolo assar, e arrumar tudo.

Ao entrar em sua casa, corri apressadamente atrás para bisbilhotar o que aconteceria. Através da janela aberta, pude ver a expressão surpresa dela. Bento estava com o bolo na mesa, e toda louça lavada.

Com mais três batidas na porta, tia Dulce abriu-a desconfiada.

—O que vocês dois aprontaram? — perguntou colocando as mãos na cintura.

—Nada — respondemos em uníssono.

Meu olhar cruzou com o de Bento não precisando de palavras para que nos entendêssemos. Um dos muitos segredos que guardávamos e ninguém descobriria.

Cortamos metade do bolo e o levamos para comermos no clube da felicidade.

O desenho feito há dois anos já estava apagado, no entanto as formigas continuavam a fazer morada nas madeiras. Lembro-me da sensação de jogar as migalhas de bolo para elas, e vê-las seguindo em fila. Pode parecer algo sem graça, no entanto a sensação não era boa apenas por singelas formigas, mas a companhia que tornava especial.

—Bento, vai comigo até o orelhão da escola, por favor?

—Vamos logo então, antes que escureça.

—Vamos. Vou pegar a ficha telefônica com minha mãe.

Parados na frente do orelhão, meus dedos batiam continuamente no orelhão. Cada toque chamando acelerava meu coração. Até que um simples "alô" me desconcertou.

—Oi, tia. Sou eu, Aurora.

—Olá, pequena. Como está?

—Bem. Tia, lembra que eu... — olhei para Bento atrás de mim com receio de sua reação. —Eu pedi para me levar ao final desse ano? Eu mudei de ideia. Quero continuar aqui.

—Tudo bem, querida. Sempre que quiser, basta me chamar.

—Obrigada, tchauzinho!

Uma chuva forte caíra repentinamente, e nos abrigamos debaixo do orelhão.

—O que foi? — cutuquei Bento ao perguntar.

disse que iria embora.

—Não, Bento. Eu pedi para ficar.

—Mas por que antes queria ir?

—Porque eu não estava bem aqui. Você me deixou bem de novo, e agora quero ficar aqui, para ficar com você.

A chuva parecia aumentar, juntamente com os raios que contornavam o céu quase escuro. Faziam meus pelos arrepiarem. Os estrondosos trovões assustavam-me, e me encolhi ainda mais.

Apesar do medo, aquela vista seria um belo desenho. Um desenho onde a primeira raiz de uma semente plantada, nascia. E os personagens principais da obra, não sabiam o que estava prestes a desabrochar.

Com o céu escuro e a chuva forte, a lua estava encoberta diminuindo a claridade da noite. Ao meu lado, Bento estava com os braços cruzados, ainda triste por saber que eu pensava em deixá-lo.

Uma lágrima solitária escorria pelo canto de meu rosto, e fora secada inconscientemente por ele.

—Por que está chorando? — perguntou tentando não demonstrar importância.

—Porque eu estou com medo.

—Não precisa ter medo, pinguinho. Vou te proteger para sempre.

Bento passou os braços pelo meu ombro, e envolveu-me em um abraço forte.

—Promete que não vai mais embora, pinguinho? Promete que vai ficar para sempre comigo?

—Prometo, de dedinho — estiquei o dedinho para que ele pudesse entrelaçar o dele.

Até que a chuva passasse, ficamos ali, abraçados e assistindo a água escorrer pela rua e as gotas que tocavam as poças formarem desenhos.

Não havia demorado muito para que a chuva parasse, mas o vento estava gelado e ambos estavam com as roupas úmidas. Com as mãos entrelaçadas, nós corremos para casa.

O caminho de terra estava inteiro molhado, nos fazendo atolar o pé. Continuávamos andando com as mãos unidas. Seu toque me confortava.

Nossas mães estavam correndo em nossa direção, segurando toalhas e um guarda-chuva.

—Por que demoraram tanto? Estávamos preocupadas — minha mãe esbravejou.

Mamãe costumava a ser calma, porém quando estava irritada, me dava um pouco de medo. Contudo, ao meu lado, ele continuava a segurar a minha mão, sem importar-se com nossas mães ali em nossa frente.

—Vamos, entrem. Vão pegar um resfriado com essas roupas molhadas — tia Dulce também estava nervosa.

Ele andava em direção a casa dele, e eu caminhava para a minha, no entanto, nossos olhares permaneciam juntos.

Depois de um banho rápido, sem música, estava deitada em minha cama, coberta com um lençol amarelo. Antes de dormir, sempre imaginava meu sonho sendo realizado, com milhares de telas minhas e as inúmeras tintas espalhadas. No entanto, aquela noite fora diferente.

Com os olhos fechados, repassava a cena do orelhão e permitia-me sorrir relembrando do abraço em que fui envolvida. Todavia, carregava a culpa de não o ter contado toda a verdade.

Eu não estava com medo da chuva, mas sobre a decisão que havia tomado de ficar. Medo de continuar sendo um peso para minha mãe, de permanecer estagnada na escola. E medo de perder meu melhor amigo uma outra vez.

Os medos são divididos entre coisas que já aconteceram e não esperamos acontecer novamente, ou algo que nunca aconteceu e lutamos para que não aconteça. A vida nos obriga a vive-los.

Desenhos de uma SinaOnde histórias criam vida. Descubra agora