Capítulo 12

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Era difícil conter as lágrimas ao vê-lo colocando as malas no carro alugado. Ansiosa para me despedir dele, o sono não me atingira na noite anterior.

Uma manhã nublada e sem o brilho do sol chegou, uma leve garoa caía do céu impedindo os pássaros de fazerem seu voo majestoso.

Sentada no degrau de madeira da minha casa, observava cada detalhe dele. Seus cachos bem enrolados de cor escura, sua pele clara que evidenciava facilmente quando a timidez o atingia, seu corpo magro e alto para seus onze anos.

Tudo nele parecia emitir cores, emoções contagiantes. Sempre cheio de amigos, atraindo a todos com sua doçura.

Ali, naquele momento, mesmo muito nova, eu tive a certeza de que jamais me esqueceria dele. Por meros segundos, cogitei em ficar e ansiar novamente por suas travessuras, mas enquanto ele emitia cores, me sentia uma folha em branco. Eu precisava crescer e aprender a ter o meu próprio desenho sem depender dele.

O som do porta-malas sendo fechado trouxe-me de volta a realidade. Com o cabelo embaraçado e pijama amarelo, caminhei lentamente em direção a eles para me despedir.

Com um abraço apertado, tio Martim despediu-se, e desejou-me um feliz Natal antecipado. Tia Dulce realizou o mesmo gesto. Chegando ao lado de Bento, ele encarava o chão com as bochechas avermelhadas evitando olhar para mim. Seus braços rodearam meu corpo e seus lábios tocaram minha testa.

—Até alguns dias, pinguinho. Cuida do clube da felicidade.

—Vou cuidar — respondi sentindo o amargor da mentira.

As portas do carro sendo fechadas e o som do motor sendo ligado foram a abertura para a primeira lágrima escorrer.

Minha mãe já estava na casa da fazenda trabalhando, pela primeira vez pude sentir a dor de um choro solitário. Sem trocar de roupa, ou sequer pentear o cabelo, andei em passos largos ao curral de Bolinho e Lili.

Com o corpo úmido pela garoa, o frio começara a me atingir. Deitei-me entre elas e como se elas me entendessem, despejei todas as palavras que martelavam em minha cabeça.

—Eu não quero ir embora... quero ficar aqui com vocês. Eu nunca gostei que as coisas mudassem, tudo fica estranho e é difícil se acostumar de novo. Parece que é mais difícil ainda estar acostumada com essa chatice toda que machuca.

Em cada frase, uma lágrima escorria. Com o dorso da mão esquerda as enxugava, mas era em vão, pois logo outra e mais outra escorria.

—Eu quero crescer logo, ser adulta e não chorar mais. Já pensou se eu consigo ser artista? Pessoas desconhecidas gostando dos meus desenhos? Eu quero fazer isso um dia.

A garoa tornava-se uma forte chuva que ecoava dentro do curral. Trazia consigo os fortes ventos gelados. A chuva de verão era perfeita para brincar e mergulhar o corpo em cada poça. Naquele momento, ela fazia meu corpo tremer.

Diante da chuva, os galopes de cavalo chegavam mais perto, e eu sabia que meu avô estava chegando. Ele entrou no curral com as roupas encharcadas, assim como seu chapéu.

—Minha pequena, por que está aqui? Vai pegar um resfriado.

—Oi, vovô. O senhor que vai ficar doente. Por que não veio com o carro?

—Não pensei que fosse chover. Venha aqui, vá trocar essa roupa e vamos conversar depois.

Ele estava sério, seu cenho franzido era assustador.

Entrei no quarto e coloquei uma calça de algodão com uma camiseta amarela de gola vermelha. Permaneci com os pés descalços e o cabelo embaraçado úmido.

Sentei-me no colo do meu avô e esperei que ele começasse a falar.

—Você é igualzinha sua mãe. Eu não vou tirar essa ideia da sua cabeça, porém eu gostaria muito que ela tivesse surgido com a intenção de crescer, e não pensando que você atrapalha a vida de alguém — ele suspirou, e tornou a falar. —Isso é muito sério, Aurora. Se você crescer com esse pensamento, pode atrapalhar bastante você. Então eu só peço uma coisa, vá com a intenção de crescer e buscando seu sonho de ser artista e não pensando em fugir dessas pessoas que te fizeram mal, muito menos pensando em se afastar de Bento. Sua tia chega no final da tarde. Espero ter sido claro com você.

—Entendi, vovô.

—Outra coisa, quando for vir nos visitar, nada de querer ficar escondida no quarto, você vai sair e aproveitar todos os lugares daqui, conversar com Bento e deixar as palavras que te machucaram de lado.

—Pode deixar, vovô.

—Eu vou cuidar da Bolinho e da Lili para você. Comece a arrumar suas coisas.

Comecei a dobrar as minhas roupas mais bonitas e deixá-las sobre a cama. Perdidas nas gavetas, havia algumas fotos minha e de Bento, outras com a Bolinho e a Lili ainda filhote. Vovô e tia Liz também estavam presentes nas fotos de Natal e ano novo.

O tempo passou depressa. Percebi quando minha mãe chegou no horário do almoço.

—Como você está, meu amor? — ela perguntou preocupada.

—Bem, e ansiosa — respondi forçando um sorriso.

—Vou fazer o almoço, e ajudar você.

—Que horas tia Liz chega?

—Em poucas horas. Melhor corremos, não é? Senão você vai se atrasar.

Concordei e continuei a organizar as roupas. O cheiro da chuva e da grama molhada entravam pela janela, e misturavam-se com o aroma do sabão de coco usados nas roupas lavadas. Todas as roupas que eu levaria já estavam empilhadas, assim como meus materiais de desenho, produtos de higiene e as fotos.

Vovô entrou em casa e arrumou a mesa para nós três almoçarmos. Não era um almoço animado como eu estava acostumada, todos estavam em silêncio concentrados em seus pratos.

A terra molhada ressaltava qualquer barulho que se chocava com ela, e não fora diferente com o carro de tia Liz. Ela estacionou e logo chamou por nós. Sentou-se à mesa e tagarelava sobre todas as coisas que me mostraria. Com frequência, eu forçava um sorriso e concordava com a cabeça.

Após o almoço, subi o pequeno morro atrás de casa, sem me importar com a chuva, com o barro, nada me impediria de entrar lá.

O clube da felicidade... permaneceria sempre com gosto de lembranças e sensação de saudade. Um sonho da infância que contrastava com a realidade. Seus minuciosos detalhes sempre bem guardados, como as formigas que faziam morada nos pedaços quebrados de madeira, as paredes manchadas por pinturas, o cheiro de fruta das árvores ao redor, os dois banquinhos feitos de tronco de madeira e a toalha estendida ao chão.

O lugar do meu primeiro beijo, também onde os segredos eram confidenciados e promessas guardadas. Um juramento eterno que sempre me esquecia, mas no coração fora gravado.

"Eu declaro e eu prometo, que a tristeza não entra aqui! Que nenhuma lágrima vai cair e nenhum sorriso sumir! Declaramos ainda, que ficaremos juntos para sempre, e não vamos crescer nunca!"

A voz daquela menina de seis anos, e daquele menino de nove fora eternizada.

Desenhos de uma SinaOnde histórias criam vida. Descubra agora