Capítulo 45

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—Eu sinto muito — sussurrei, mesmo sabendo que não adiantaria.

Aurora ainda estava com o dedo paralisado em cima de seu nome. Décimo primeiro lugar.

—Meu amor, ainda há chance de alguém desistir e você entrar no lugar — disse Théo a consolando.

—Vamos para casa — Aurora falou, andando em nossa frente.

Por mais que tentássemos falar, ela não parava para nos ouvir. Queria poder entender minhas próprias palavras, que tudo acontecia por um motivo. Por um número, uma pessoa, o sonho dela estava se esvaindo. Qual seria a razão de alguém como ela, tão doce, cheia de luz, passar por tudo o que passou?

Olhei para o céu em busca de respostas, contudo, o silêncio prevalecia.

Passamos a tarde na casa de tia Liz, Aurora se manteve trancada em seu quarto, somente nos disse que iria voltar para casa e fazer as malas. Por um lado, fiquei feliz de tê-la mais tempo por perto, ao mesmo tempo angustiado com a dor que ela sentia.

Tia Cora passou algumas horas com ela no quarto. Toda casa estava silenciosa.

—Tio — chamei murmurando. —Preciso fazer uma pergunta.

—Pode perguntar.

—Eu disse para ela que tudo havia um motivo, e que esse sonho dela era um dom que Deus a presenteou, e que existe um propósito para ele. Só que desde pequena, você viu o quanto ela sofreu, e agora isso? Por uma pessoa ela não realizou seu sonho?

—Existe só um caminho para uma realização?

—Acho que não.

—Já imaginou por quais motivos ela não teria passado?

—Não tem motivo. Aurora foi uma das melhores.

—Eu concordo. Porém, pense comigo, talvez não seja a hora de uma mudança grande, ou ela ainda não esteja preparada, ou talvez, uma oportunidade melhor esteja esperando por ela.

—É fácil dizer, mas manter a fé é difícil.

—Quem disse que seria fácil?

Soltei um riso nasalado concordando com ele.

Um tempo depois, tia Cora saiu do quarto fechando a porta devagar. Sussurrou avisando que Aurora estava dormindo.

~

—Quanto tempo vai passar em casa? — perguntou tia Cora, ajudando Aurora a colocar suas três malas no carro.

—Não sei ainda.

Já era tarde, estávamos terminando de jantar para viajar. Tia Liz aproveitaria as férias da escola para viajar conosco.

Aurora telefonou para Eva, que estava a consolando também. Tia Cora aproveitou e deixou o convite para eles de seu casamento, mesmo com Théo não concordando muito com a ideia.

—Quer voltar dirigindo? — perguntou Théo.

—Você dirige? Por que não me contou? — perguntou Aurora.

—Não gosto muito de dirigir.

—Precisa aprender o caminho. Eu dirijo o carro da Liz hoje, e você vem nos seguindo, pode ser?

Contrariado, aceitei por saber que ele estava certo. Aurora veio comigo sozinha no carro.

Eu estava em silêncio, não sabia o que falar, nem se ela queria escutar. Ela estava com a cabeça apoiada no vidro, parecendo estar distante. Vez ou outra, ela mexia no rádio para procurar alguma música, e depois desligava voltando a escutar o silêncio. Minutos depois, voltou a mexer no rádio e em uma rádio com bastante chiado, tocava a música "o caderno" de Toquinho.

—Quer conversar? — perguntei receoso.

—Olha, está todo mundo agindo como se tivesse acontecido a pior coisa do mundo comigo, eu não sou criança. Não precisam ficar me consolando, ou sem graça por não saber o que dizer — disse de forma rude.

—Estamos tentando ajudar — respondi de forma monótona.

—Eu não quero ajuda — falou alto.

—Me fala o que você quer então — tentei soar calmo.

—Eu quero que parem de agir como se eu fosse me machucar com qualquer coisa. Não ligo se querem meu bem, ou se sentem algum receio por tudo o que aconteceu. Já foi, não tem o que fazer. Vocês pensarem que eu preciso ser consolada a todo instante só piora tudo, é irritante!

—Já falei que você é a mulher mais forte que eu conheço?

—Bento, chega.

—Não é para te consolar. É um fato.

—Eu não quero escutar — respondeu com a voz trêmula.

—Desde criança sempre admirei você. Independentemente do que faziam com você, nunca os tratou mal, acreditava que seriam melhores. Ficava animada quando brincava com eles.

—Por favor, pare de falar — falava com a voz cada vez mais embargada;

—Apesar do que eles diziam sobre o que você seria, você nunca desistiu. Na sua formatura, fiquei emocionado vendo você sorrindo e cheia de amigos. Todas as barreiras que um dia paravam você, foram derrubadas.

Aurora começou a chorar, e eu lutei para que não fizesse o mesmo.

—Pinguinho, eu me orgulho de quem você é hoje, de mesmo machucada, não ter parado. E eu sei que algo muito maior espera por você.

Levando as mãos ao rosto, começou a soluçar. Começou a chover forte, nos obrigando a ir mais devagar. O som daquela noite parecia torturante, as lágrimas dela misturadas aos soluços, juntamente com a chuva forte batendo no vidro.

—Meu amor — a chamei com um sorriso bobo. —Parte meu coração ver você assim. Eu não vou sair do seu lado.

Apertei o volante com força e tentei manter ao máximo a concentração na estrada.

Depois de quase uma hora, senti o toque de Aurora acariciando meu rosto. Olhando de relance, notei seu sorriso aparecendo, com o rosto ainda inchado. Peguei sua mão e a beijei com carinho.

—Obrigada.

—Está curiosa para saber como ficou sua casa?

—Bastante. Qual é a cor do meu quarto?

—Branco.

—Branco? Que sem graça.

—Têm algumas latas de tinta esperando por você.

—Sério? — perguntou um pouco mais animada.

—Finge que ainda não sabe.

—Bento, posso contar um segredo?

—Sempre pode.

—Promete não contar para ninguém?

—De dedinho.

—Eu estava conversando com a Aline sobre minha família. E comecei a juntar algumas histórias, seria muito estranho eu achar que a Eva tem alguma ligação com minha família?

Apertei mais ainda o volante tentando esconder a tensão em mim.

—Eu acho que não, pinguinho. Sabe, é melhor você parar de pensar no passado, você tem uma família incrível.

—Eu sei, só que às vezes gostaria de saber mais.

Entramos na nossa cidadezinha, finalmente. Paramos em frente à casa "nova" de tia Cora, as ajudamos a levar as mochilas para dentro, e Théo me convidou outra vez para ir com ele.

Desenhos de uma SinaOnde histórias criam vida. Descubra agora