Capítulo 7

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O sinal do almoço soou depois de três aulas após o primeiro intervalo. Um pouco receosa, movi os pés para fora da sala e caminhei lentamente ao refeitório.

Uma fila de alunos segurando pratos azuis de plástico com talheres também de plástico, estava formada diante da cantina, onde tia Dulce servia o almoço e sua auxiliar servia o suco.

Era costumeiro que Bento puxasse minha mão para sair da fila, e pegar a comida diretamente com tia Dulce, porém ele não estava lá. Corri com olhos por todo lugar sem encontrá-lo. As mesas brancas estavam quase todas ocupadas, e Bento não estava em nenhuma delas.

—Aurora! Que bom que veio almoçar hoje — tia Dulce exclamou ao chegar minha vez. —Tem feijão preto hoje, seu favorito.

—Tia, cadê o Bento?

—Ele não saiu hoje, acho que está na sala dele ainda.

—Pode colocar macarrão em vez de arroz e feijão? E por favor, me dá mais um talher?

Ela estendeu o prato com seu sorriso contagiante. Como uma criança previsível, ela sabia que eu iria atrás de Bento, atrás de meu melhor amigo. Eu amava arroz com feijão preto e salada, por outro lado, valia a pena trocar pelo macarrão que era o que ele mais gostava.

Entrando na sala dele, Bento estava com a cabeça abaixada sobre os braços apoiados na mesa. Andei devagar até ele, colocando o prato na mesa. Bento levantou a cabeça e olhou-me confuso.

—O que vai fazer, Aurora? — perguntou sem humor.

—É "pinguinho" para você.

—Por que trouxe macarrão? Tem feijão preto hoje, sabia?

—Sei, mas você gosta de macarrão, e eu peguei dois garfos. Não consigo comer tudo isso sozinha.

é esquisita. Não ficava comigo, e agora vem aqui almoçar. Por quê?

—Vamos no clube da felicidade hoje?

Sem responder, Bento apenas concordou mexendo a cabeça.

Desde muito nova, eu fugia de certas perguntas. Parecia estranho admitir para Bento que eu sentia falta dele, e achava que ficaria muito melhor com outros amigos. Era mais assustador pensar que eu queria me afastar e não conseguia.

Mesmo que todas as palavras ruins despejadas machucassem, mesmo sabendo que elas eram irreais, fechava os olhos para verdade impedindo que mais a frente eu pudesse me machucar. Como tudo são momentos, naquele segundo eu não queria mais ir embora, nem acreditar nas palavras que me machucaram.

Eu queria acreditar que aquela sensação da infância, e o amor que ainda desabrochava seriam eternos.

O sinal indicando o término do almoço soou, e eu corri para entregar o prato no refeitório e entrar na sala sem me atrasar, mesmo sabendo que o tempo não seria suficiente.

Bati na porta da sala, e a professora olhou-me de cima a baixo. Ela estava ao lado da minha mesa passando a lista para os alunos assinarem. Quando viu meu caderno aberto com os desenhos, caminhou com passos fortes até mim.

—O que significa isto, Aurora? — ela perguntou quase gritando.

—São desenhos e a matéria está toda copiada — respondi quase sussurrando.

—Enquanto todos os outros esforçam-se para tirarem notas altas, você fica desenhando — ela gritava, sendo possível escutar pelos corredores.

—Sinto muito — murmurei enquanto os alunos assistiam curiosamente.

—Irei mandar ligarem para seus responsáveis esperarem quando virem buscá-la.

—Não temos telefone — respondi envergonhada.

—Então esperarei ao final da aula.

—Minha mãe trabalha o dia todo, ela não pode vir me buscar.

—E seu pai?

—A senhora sabe muito bem que eu tenho apenas mãe, e já sabia que eu não tenho telefone, porque todos os anos no dia de matrícula é avisado — minha voz subira inconscientemente.

—Não grite comigo — falou alto.

—O que está acontecendo aqui? — tio Théo perguntou, aparecendo atrás de mim.

—Uma aluna dando trabalho.

—E o que ela fez para este escândalo? — ele perguntou cruzando os braços.

—Além de não cumprir o horário, não tem respeito algum pelas aulas, veja o caderno dela — a professora estendeu o caderno para que ele olhasse.

—Atrasos não são propositais, não cabe a senhora controlar o tempo. E toda a matéria está aqui. — tio Théo respondeu entregando o caderno em minhas mãos —Vá se sentar, Aurora. Boa aula.

Entrei pela sala com a cabeça baixa. Minha garganta ardia com o choro contido.

Durante as horas que passaram, sentia meu coração acelerar. Eu queria correr daquele lugar, ao mesmo tempo, não queria mover um músculo qualquer, para não ser notada.

A sirene tocou findando a aula. Esperei que todos se levantassem para que enfim pudesse arrumar meu material. Na porta da sala, Bento esperava-me com um olhar duvidoso.

—Por que você está me olhando assim? — perguntei sem demora.

—Eu ouvi os gritos... me desculpe. Não queria que você levasse bronca.

—Tudo bem, o tio Théo chegou na hora.

—Quer tomar um lanche da tarde na minha casa? Depois podemos ir ao clube.

—Sim! Vou levar a Bolinho e a Lili no clube.

Outra vez o caminho de volta tornara-se divertido. Eu sentia falta daqueles momentos com Bento, sem culpar-me por uma amizade singela, sem carregar um peso que não era meu.

Entrando em casa, troquei a roupa por uma mais antiga, que já estava com alguns rasgos feitos pelas traças. Escovei os dentes, penteei o cabelo, e segui para a casa de Bento.

Sempre batia com três toques diretos na porta, e assim que aberta, o meu sorriso travesso era exibido.

—Entra, pinguinho. Minha mãe ainda está na escola organizando a cozinha e preparando algumas coisas para o almoço de amanhã.

—Que cheiro é esse? — perguntei entrando pela cozinha.

—É... eu estou tentando fazer bolo de laranja.

Em cima da mesa, havia uma vasilha de barro com um montinho de farinha, quatro ovos, e açúcar. Na pia, Bento cortava as cinco laranjas para espremer e raspava sua casca.

—Você já colocou o óleo e o fermento? — perguntei notando a falta de alguns ingredientes ao redor da mesa.

—Ainda não, estão no armário.

Puxei uma cadeira de madeira colocando-a em frente ao armário para conseguir alcançar. Terminei de colocar o que faltava, e enquanto Bento lutava com a laranja, eu mexia a massa.

Ai Bento, me dê licença. Só apertar a laranja não vai adiantar.

Bento foi passar óleo ao redor da forma, e eu tirava o suco da laranja com uma colher. Acendemos o forno a lenha juntos sem contar para nossos pais. Esperávamos ansiosamente pelo bolo ficar pronto, e enquanto não ficava, fomos pegar o leite da Bolinho.

—Pinguinho, vai parar de falar comigo de novo? — Bento perguntou com carinho.

—Não vou, eu prometo.

—Promete de dedinho?

—Sim! Já prometemos uma vez que seríamos melhores amigos para sempre — unindo os dedinhos, outra promessa fora selada. 

A simplicidade de um gesto, com toda confiança depositada em palavras. 

Desenhos de uma SinaOnde histórias criam vida. Descubra agora