Capítulo 14

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Com tantas coisas novas para descobrir, os dias correram e eu mal percebia. Na noite de véspera de Natal, tia Liz me arrumava enquanto eu esperava ansiosamente pela chegada de vovô com minha mãe e tio Théo.

Eles raramente iam para a cidade. Eu guardava todos os detalhes dos dias que passaram para contar a eles.

Eu vestia uma jardineira jeans com uma camiseta rosa por baixo, e meu cabelo estava solto com uma tiara vermelha. Meus olhos carregavam um pouco de brilho que eu já conseguia passar sozinha, e as bochechas avermelhadas pelo blush.

O soar da campainha fez-me correr para a sala e abrir a porta sem ao menos perguntar quem era. Lá estavam eles, com os sorrisos doces e o cheiro da saudade no ar.

Mamãe cortara o cabelo que batia em sua cintura, agora ele tocava seu ombro. Seu olhar estava diferente, não parecia mais cansado como antes. Vovô continuava o mesmo, com sua calça jeans, camisa e chapéu, e em seu bigode os fios brancos aumentavam cada vez mais. Tio Théo também não havia mudado muito, a não ser pela barba feita e cabelo penteado.

Nos abraçamos por um longo tempo, até que todos começassem a conversar e trazer as malas para dentro.

Enquanto os adultos conversavam sobre assuntos chatos e arrumavam as coisas, eu assistia à programação de Natal que passava da televisão. Atentava-me para todos os detalhes daquela data tão mágica.

A sala estava enfeitada com luzes, sinos, e uma árvore de Natal grande. O cheiro do pernil assando no forno entrava em cada canto da casa. Seria a melhor noite da minha vida, mas faltava aquele detalhe que passara todos os Natais comigo.

Durante as caminhadas que fiz com tia Liz para comprar coisas de decoração na vinte e cinco de março, passamos por uma loja que fazia pingentes. Eu pedi para minha tia dois pingentes separados para colocá-los em um cordão, para que com o tempo eu pudesse amarrá-lo sem ficar pequeno.

Um pingente de gota, e o outro um pouco mais peculiar, sendo uma lagartixa bem pequena. O pingente de gota estava embrulhado em uma caixinha com um cordão preto o acompanhando, e o outro estava envolto em meu pulso.

—Meu amor — chamou minha mãe distraindo meus pensamentos —venha tirar uma foto na árvore.

Mantive a minha melhor pose e meu sorriso mais bonito. Eu já não precisava fazer mais tanto esforço para esboçá-lo.

Todos tiramos fotos juntos, em cada canto da árvore e na mesa reunidos. Juntos na mesa para a ceia, mamãe fez uma oração de agradecimento e depois servimos os pratos. Além do pernil, também tinha salada, maionese, arroz sem uva passa e muitas frutas.

Ao soar do relógio marcando meia-noite, todos nos abraçamos e nos reunimos na sala. Tio Théo havia sumido, no entanto eu sabia que ele estava vestindo-se de Papai Noel para me enganar.

Ele apareceu na sala e todos fingiram surpresa, porém meu riso mostrava que a farsa deles não funcionava. Corri até ele, que me pegou no colo e girou no ar. Em um abraço apertado, confidenciei o segredo a ele:

—Eu sei que você não é o Papai Noel, mas sei que você é o melhor pai que eu poderia ter.

Quando ele me afastou, seus olhos estavam marejados e seu riso brilhava. Ele estendeu-me uma caixa coberta com um laço vermelho, ao abri-la, me deparei com tipos de papeis diferentes, eram mais grossos. Havia também pincéis, aquarela e giz pastel.

Cada material novo era uma gota de lágrima formada em meus olhos. Mais uma vez, abracei a todos com a maior força que eu possuía.

—Ah, quase esqueci. Mamãe, vem no meu quarto comigo — disse puxando as mãos dela para me acompanhar.

Peguei a caixinha com o pingente e entreguei a ela.

—Quando o Bento voltar, entrega para ele por favor. Fala que foi o meu presente de Natal.

A noite terminou com todos na sala conversando e gargalhando, enquanto meus olhos fechavam-se lentamente.

~

Na manhã seguinte todos já estavam acordados quando  me levantei. O cheiro do bolo de laranja que minha mãe fazia era viciante e já tomava conta da cozinha.

Tia Liz havia programado vários passeios para a semana, já que todos ficariam lá por mais quatro dias.

Os lençóis estavam espalhados pela sala, enquanto meu avô dormia no sofá, tio Théo dormia em um colchão do outro lado da sala. Mamãe dormia na cama comigo.

Com um pedaço de bolo ainda na boca, corri para me trocar e aproveitar o dia. Estava ensolarado e sem nenhuma nuvem no céu.

Passeamos pelo metrô, que com certeza era a parte que menos gostava, já que eu ficava enjoada. Passamos em lojas de roupa, doces, animais, até que voltamos para o metrô.

Descemos no bairro da Liberdade, onde desde que o conheci tornou-se o meu lugar favorito de São Paulo. Almoçamos por lá e conhecemos vários lugares.

Sem perceber, os dias com minha família acabaram, e logos eles voltaram para o interior.

É estranho como os dias em que os sorrisos fluem passam depressa. Parece que a felicidade quer fugir para ser alcançada novamente. Buscá-la é uma tarefa difícil, mas mesmo que canse, foi dentro dessa obstinada perseguição que aprendi a viver.

Desenhos de uma SinaOnde histórias criam vida. Descubra agora