Capítulo 46

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Por Aurora

—Me passa o pano rosa — Dora pediu.

O dia mal havia começado e nós estávamos no curral, costurando roupas para Bolinho e Lili.

—Vamos fazer a saia de tule rosa também, porém, eu quero que o tule seja mais claro.

—Ainda não consigo acreditar — disse Dora.

—Sobre o que?

—Que você está aqui a menos de vinte e quatro horas, convenceu seus pais que suas vaquinhas fariam parte da cerimônia, e estamos fazendo roupa para duas vacas.

—Vai ser a coisa mais fofa! Já imaginou? Eu vou estar de braços dados com o Bento, e minhas vaquinhas atrás da gente. Vovô até separou um lugar para levar elas onde não atrapalhe.

—Ainda bem que os convidados vão estar ocupados chorando.

—Dora! — repreendi.

—O que? Eu não consigo imaginar uma cena fofa desse jeito.

—Chega de reclamar e vamos trabalhar.

Foi bem mais difícil do que esperávamos. O plano inicial era fazer uma roupa para vestir passando pelas patas, entretanto, Dora choramingou com medo de levar um coice.

Fizemos somente como se fosse uma capa, que amarrava no pescoço e na barriga, com um pano rosa e um tule rosa costurado na parte traseira. Colei ainda algumas pedrinhas de brilho em todo contorno.

Com os recortes de tecido que sobraram, fizemos ainda um laço para acompanhar a roupa.

Como faltavam seis dias, esperei um tempo para dar banho nelas, e mantive as roupas guardadas.

Começamos a costurar logo depois do café da manhã, e terminamos quando o sol estava se pondo. Nos despedimos e corri para minha casa nova, ansiosa para mostrar a roupa. Minha mãe adorou, mesmo achando que não era necessário ter feito uma roupa.

Tomei um banho gelado e vesti meu pijama de pato, enquanto esperávamos meu pai para jantar. Ele ainda morava em sua casa, mas já estava vendida e ele preparava sua mudança.

As coisas estavam um pouco diferentes, e eu estava ainda me acostumando. Principalmente com a casa.

Do lado de fora, o piso era de cerâmica vermelha, e as paredes eram avermelhadas também e de textura grossa. O pequeno degrau na entrada também acompanhava o piso de cerâmica. Todos os cômodos interiores da casa eram com piso de madeira, exceto pelo banheiro e a cozinha, novamente usando o piso de cerâmica vermelha. Todas as paredes eram bege claro, assim como os azulejos da cozinha e banheiro. Meu quarto ainda estava com a parede branca, eu não havia pintado.

Minha cama, guarda-roupas, e penteadeira eram novos. Todos de madeira, e ainda vazios. Não estava decidida se voltaria a morar com eles, procuraria faculdade por perto, ou se continuaria em São Paulo, trabalharia e pagaria minha faculdade. Me sentia perdida e sem rumo.

Ainda era doloroso lembrar do concurso, todavia, uma parte de mim sentia alívio. Eu não queria admitir, mas não estava pronta para viajar sozinha até outro país, passei tanto tempo longe da minha família, e só de pensar estar longe mais uma vez, acabava comigo. Além de ser mais uma coisa que me deixava em dúvida sobre o futuro.

Meu pai chegou com o Bento para jantar. Coloquei a mesa com os pratos e copos de vidro amarelados, que eram quase inquebráveis.

Vez ou outra, Bento olhava pela janela na direção de sua casa. As luzes permaneciam apagadas.

Não conseguia imaginar a dor que sentira ao sair de casa. Muitas vezes ele mantinha o silêncio, evitando conversar sobre. Ele havia passado o dia trabalhando e no momento de almoço fora procurar algumas casas para alugar.

—Bento, vem comigo — sussurrei, puxando sua mão.

Nos sentamos no pequeno banco de cimento, dentro do curral.

—Quer conversar?

—Não, pinguinho. Isso já passou e eu só quero esquecer.

—Chegou a passar lá para ver sua mãe?

—Não — respondeu seco.

—Encontrou seu pai no trabalho?

—Não, Aurora.

—Como foi o seu dia? — perguntei tentando distraí-lo.

—Cansativo. Eu trabalhei e fui ver casa.

—Precisa de ajuda?

Bento não respondeu, mas deixou um riso nasalado escapar.

—O que foi mesmo que você me disse no carro? Ah, é. Eu não quero ajuda. Quero que parem de achar que vou me machucar com qualquer coisa.

Desviei o olhar do rosto dele, passando a mexer em um pedaço de capim.

Apertei os olhos, puxando o ar com força, como se aquilo pudesse quebrar o orgulho dentro de mim. Um pouco contrariada e receosa, deitei minha cabeça em seu ombro. Levou algum tempo até que ele fizesse algum movimento.

—Me desculpa — falou passando o braço pelo meu ombro.

—Tanto eu quanto você somos orgulhosos demais, não acha? — murmurei. —Não sabemos pedir ajuda, mesmo precisando.

—Acha que isso tem conserto?

—Acho que precisamos conversar mais, e não nos omitir. Também acho que precisamos da ajuda um do outro, e entender que é completamente normal.

—E eu acho que você tem razão.

—O "achismo" não leva a nada.

—Então eu tenho certeza de que você está certa.

Por um tempo aproveitamos o silêncio. Era uma sensação estranha não saber o que falar, mesmo que passassem milhares de pensamentos em minha cabeça. Tudo parecia embaralhado.

—O que foi? — Bento perguntou. —Está balançando os pés e mordendo a unha.

—É estranho pensar em um monte de coisa ao mesmo tempo, e não saber o dizer, nem achar ao certo o que me incomoda. Ainda estou bem chateada com o concurso, preocupada com você, com o que fazer da vida, com arrumar emprego, e eu não quero voltar a ser um peso para os meus pais. Eu me sinto estagnada, e egoísta por me sentir assim, sendo que tem gente que passa por muito mais coisa. E...

—Calma, fala mais devagar e respira — interrompeu sorrindo.

—Esse medo de absolutamente tudo é interminável. Eu queria entender o que é isto. Também sente esse negócio estranho?

—Ultimamente, sim. Eu não quero penar sobre.

—Sabe, eu não consigo conversar com ninguém, só que com você parece mais fácil. Obrigada por me escutar, Bento, por me deixar confiar em você, e desde sempre ser meu melhor amigo.

Bento suspirou e não respondeu. Apenas continuou a fazer carinho em meu cabelo.

—Aurora, preciso te perguntar uma coisa — disse com a voz vacilante

—Pode falar.

—Acha que poderia sentir raiva de mim pelo resto da vida?

—Que pergunta ridícula, Bento — respondi rindo. —Claro que não. Nem existe motivos para isso.

—E se houver?

—É bem provável que eu não conseguiria. E eu te conheço, você não deixaria isto acontecer.

—Continuaria me amando?

—De dedinho.


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