Capítulo 41

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Um mês passou depois que voltei de viagem. Sem dúvida alguma, fora jogado em mim o peso – segundo meu pai – de tê-lo deixado sozinho; que eu não me importava mais com a família e iria deixá-los. Théo tentou intervir na situação, mesmo sabendo que não adiantaria.

Eu aguentava todas aquelas palavras, só não sabia se era capaz de aguentar o que viria depois.

—O dono da fazenda comprou mais um terreno aqui por perto. O trabalho vai aumentar, Bento — comentou meu pai enquanto cortava a grama.

—Sem problemas. Onde será o terreno?

—Naquele morrinho que você subia para brincar com a Aurora. Logo chegam os materiais para cercar a área, só estão destruindo aquela construção malfeita que você fez quando criança.

Todas as madeiras que eu carregava para um novo cercado, despencaram.

—Começou cedo a me atrapalhar — murmurou meu pai.

Ignorando todas as suas palavras, saí da plantação e corri para o clube da felicidade. Encontrei Dora e Levi que observavam de longe os feitos do pai.

—Bento, eu sinto muito. Sei como isso era importante para você — disse Levi.

Pulei a pequena cerca de madeira em volta do terreno e com passos fortes encontrei o dono da fazenda. Sr. Ricardo estava de terno e com semblante sério.

—Algum problema no trabalho, garoto?

—O que vai fazer aqui? — perguntei sem titubear

—Seu pai comentou que você brincava aqui, imagino que aquelas coisas são suas — disse apontando para uma caixa, ignorando minha pergunta.

Dentro dela, estavam algumas fotografias minhas com Aurora, algumas velas que usávamos para iluminação, desenhos e jogos.

—Você fez um bom trabalho com a iluminação do lugar, e uma boa estrutura.

—Obrigado — agradeci mesmo sentindo uma raiva imensurável.

—Fiquei sabendo do concurso que irá participar. Alguns de meus sócios e patrocinadores estarão lá. Caso tenha interesse, se você conseguir chamar a atenção deles, pode conseguir uma bolsa de estudos na faculdade de engenharia.

—Agradeço a oportunidade — respondi sentindo a raiva indo embora.

—Sei que está com raiva, Bento. Levi contou como esse lugar era importante, e quase desisti da ideia. Mas infelizmente, negócios são prioridade.

—Eu entendo.

—Encontro você novamente em alguns meses no concurso. Se quiser seguir com a carreira, posso mudar algumas coisas referente ao concurso? Tenho alguns planos para você

—Com certeza — respondi, esperançoso.

Voltando ao trabalho, não troquei nem uma palavra com meu pai, por mais que eu quisesse contar sobre a faculdade, não estava preparado para sua possível desmotivação.

~

Mais alguns meses passaram, e durante eles Sr. Ricardo manteve contato, o que era raro. De certa forma, apertei meus laços com ele, conversamos sobre a faculdade e sobre os novos projetos que ele tinha. Inclusive sobre um novo prédio comercial que ele iria construir perto da vendinha.

Levi chegou a comentar comigo sobre uma conversa que ele teria ouvido no telefone, sobre um estágio caso eu conseguisse uma bolsa para engenharia. Eu poderia ter a chance de trabalhar ao lado dele.

Por um lado, eu acreditei que meu pai fosse se orgulhar, porém, ele dissera que eu era ingrato ao ponto de usar até do trabalho que ele conseguira para mim, como oportunidade de me afastar.

Os dias passavam depressa, e a euforia não me deixava dormir. Minha cabeça parecia estar ocupada o tempo inteiro, chegava a dormir e acordar pensando nos estudos.

—Bento — chamou meu pai estalando os dedos a minha frente.

—Sim?

—Está só revirando a comida no prato. Coma logo e venha trabalhar — disse se levantando.

Minha mãe estava de costas lavando louça, desejou um bom trabalho para meu pai, e continuou a esfregar as panelas.

—Precisa de ajuda, mãe? — ofereci.

—Não, querido. Você tem muito trabalho já.

—Ele conversou com você sobre a faculdade e o trabalho?

—Bem... conversou do jeito dele. Mas eu conheço meu menino, estou orgulhosa de você.

—Por que ele mudou tanto? Quando eu era mais novo, ele parecia a pessoa mais incrível do mundo.

—Ele não mudou, filho. Você quem mudou e cresceu — murmurou desanimada.

—Você ama o meu pai?

—Bento, não é hora — ela disse apertando a bucha em sua mão.

—Me responde.

—Amei. Um dia ele foi igual a você, mas ninguém acreditou nele, teve uma vida frustrada, e guardou isso consigo. Infelizmente ele não consegue entender que você não é ele, por isso ele age assim. Eu tenho fé de que você vai realizar tudo, e seu pai vai ter orgulho. Eu acredito nisso, e sei que você nasceu com um propósito brilhante, ainda vai descobrir isso.

—Eu te amo.

—Também te amo, filho.

O vento estava fraco naquela tarde, quase inexistente. O sol ardia e queimava minha pele, sem nenhuma nuvem no céu. Depois de montar um sistema de irrigação com os canos que Sr. Ricardo havia comprado, descansei por alguns minutos na sombra de uma mangueira.

—Ei — chamou Théo.

—Oi, tio.

—Cada vez me sinto mais velho... — disse escondendo o riso. —Trouxe algo para você.

—O que é isto? — respondi pegando o envelope vermelho.

—Convite de formatura da Aurora.

—Ah meu Deus! Eu me esqueci completamente da formatura, e esqueci ainda de falar com ela desde semana passada.

—Sinceramente, Bento, ela também esqueceu. Nem ligou para casa.

—Ela não teve nem curiosidade de saber como ficou a casa nova?

—Nenhuma. Está terminando a organização da formatura.

—Vou tentar ligar para ela hoje.

Limpei as mãos de terra na calça e corri para casa. Disquei o telefone dela, e a mesma atendeu depois três chamadas.

—Alô?

—Pinguinho?

—Nossa, ainda lembra desse apelido? — comentou séria. Eu podia imaginá-la cruzando os braços e arqueando a sobrancelha.

—Nem tenta, você também esqueceu. Não ligou nem para sua casa.

—Quem foi o mexeriqueiro?

—Seu pai.

—Recebeu o convite?

—Sim. O melhor foi seu recado me obrigando a ir de gravata.

—Azul claro. Senão, não vai combinar com meu vestido.

—Pinguinho, só liguei para agradecer o convite. Vou trabalhar.

—Bom trabalho! Até alguns dias.

Fiquei sorrindo igual bobo para o telefone, ansiando para que os cinco dias que faltavam passassem depressa.

Dezembro parecia um mês mágico. Natal, festas de fim de ano, família reunida, e em 1998 existiam mais motivos para festejar, o que me deixava ansioso igual criança, sendo aquela magia de final de ano que só crianças conhecem.

Quem dera as coisas pudessem continuar assim.

Desenhos de uma SinaOnde histórias criam vida. Descubra agora