Capítulo 29

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Antes mesmo do galo cantar, Bento já estava batendo na porta de seu quarto. Ele estava pronto, usando uma calça jeans escura com alguns remendos, uma camiseta de manga longa preta e por cima, uma camisa xadrez azul de flanela. Seu cabelo estava molhado exalando cheiro de camomila, o que mostrava que ele havia saído do banho.

Por outro lado, eu estava deitada ainda, com o travesseiro sobre meu rosto escondendo-me da claridade.

—Por que tão cedo? — resmunguei.

—A cidade deixou você preguiçosa mesmo.

—Nem o galo cantou ainda — ralhei.

—Antes você levantava esse horário e ia pegar leite da Bolinho.

A contragosto, levantei-me e caminhei sem ânimo para o banheiro. Após um banho quente, vesti uma blusa de tricô preta, e uma jardineira jeans. Dobrei a barra para não pisar em cima, e calcei um tênis preto. Fiz um rabo de cavalo e passei o gloss de morango.

Bento estava na cozinha, tirando do forno um bolo de limão. Ao lado dele, tia Dulce passava o café em seu coador de pano.

—Vou pegar leite da Lili — disse assustando-os.

—Quer ajuda? — perguntou Bento andando em minha direção e beijando minha testa.

—Não precisa, obrigada.

Tia Dulce nos encarava quase sem acreditar, e sem respondê-la com palavras, sorri de forma travessa.

Chegando ao curral da Bolinho e Lili, peguei a leiteira de alumínio que ficava pendurada na parede, lavei-a na pequena torneira e comecei a tirar o leite de Lili.

Deixei o leite de lado assim que a leiteira estava cheia. Afaguei a Lili e recebi algumas lambidas ásperas na mão. Bolinho estava deitada ao seu lado, e beijei sua testa. Despejei algumas vitaminas a mais na ração de Bolinho, pois sua idade estava avançada.

Saindo do curral, encontrei minha mãe caminhando apressada para o trabalho. Ela beijou minha bochecha rapidamente e seguiu seu caminho.

Cheguei com o leite e todos tomamos café juntos, exceto tio Martim que correu para o trabalho. Na mesa, Bento contava envergonhado que havia conversado comigo e resolvido tudo, e ao mesmo tempo, tia Dulce nos bombardeava com as típicas perguntas de mãe.

"Como se resolveram?"; "Que horas isto aconteceu?"; "Não me digam que foi a noite, sozinhos."; "Bento, você beijou a Aurora?"; "Por que estão vermelhos?"; "Não fizeram nada errado, não é?"

Eu fingia estar concentrada juntando os farelos de bolo na mesa, enquanto Bento dava respostas curtas e diretas.

Assim que nos levantamos para sair, senti um alívio enorme. Do lado de fora, Bento passou o braço por trás de minha cintura e me puxou mais perto dele. Percorríamos o gramado assim, conversando e aproveitando a euforia em que ambos os corações estavam.

Perto da vendinha, um falso pigarrear atrás de nós chamou nossa atenção.

—Oi, pai — disse em um meio sorriso.

—Oi, tio Théo — disse Bento sem graça. —Tudo bem?

Meu pai tirou o chapéu que usava, e passou a mão em seu cabelo alisando-o para trás.

—O que aconteceu? — meu pai perguntou sério.

—Eu conversei com ele e ficou tudo bem — respondi tomando a dianteira.

—O que exatamente ficou tudo bem?

—Aurora, me faz um favor? Corre na vendia e compra alguns chicletes? — disse Bento jogando algumas moedas na minha mão.

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