Capítulo 4

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A empoeirada biblioteca das 4 horas, fronteira do professor Tsuchigomori, era silenciosa e aconchegante. Apesar da bagunça que eram os livros por todos os cantos e a poeira atacando rinite de quem é vivo, havia alí um canto com pouca iluminação e um sofá que Tsuchigomori usava para ler.

E foi neste sofá que, com dois dos seus 8 braços, o professor colocou o jovem Kou alí, adormecido, enquanto o mistério no.3 observava o lugar ao redor com os olhos semi cerrados e as sobrancelhas franzidas. Então, ele perguntou em um sussurro:

– Professor Tsuchigomori, o senhor já ouviu falar de faxina...? – perguntou indelicado.

– Não há necessidade de sussurrar, nem por ser uma biblioteca nem pelo seu amigo que dorme feito pedra, sabe? – respondeu ele, pacientemente – e eu só não sinto vontade de limpar esse lugar... É minha fronteira, eu gosto dela assim, já que na minha época era exatamente igual.

– Sua época? Lá antes de cristo já tinha biblioteca? – indagou o rosado, sarcástico, apesar de realmente achar que Tsuchigomori era velho nesse nível.

– Garoto, minha época é nos anos 50 e 60, olha o respeito... – resmungou Tsuchigomori – e claro que antes de cristo já haviam bibliotecas, há registros desde o antigo Egito. Tá precisando estudar...

Mitsuba ficou em silêncio, surpreso com a idade de Tsuchigomori, mas um pouco pensativo também sobre a idéia de estudar. Parecia um saco, por que ele ia querer saber se haviam bibliotecas no egito? Ninguém mais daquela época tá vivo, nem sequer são do Japão para ter algum sobrenatural em comum.

Tsuchigomori, tentando quebrar o silêncio e sua curiosidade, resolveu perguntar ao jovem:

– Então, o que foi que aconteceu com o jovem Minamoto? – perguntou ele, sentando-se em uma cadeira de madeira ao lado do jovem adormecido.

– Ah, eu tava só vagando pela escola, fui em uma sala de aula qualquer ver o que tava rolando e achei ele com olheiras maiores que os próprios olhos dele.

– E ele não te contou por que ele não dormiu?

– Nem uma palavrinha, professor Tsuchigomori. – respondeu Mitsuba, e com um suspiro, adicionou – ele não me conta nada. Não tem a obrigação de contar, mas é um saco.

– Tô vendo... Eu pensei que vocês eram bem próximos, então pensei que ele pudesse ter falado com você... – suspirou o professor, descepcionado, enquanto pegava duas xícaras de chá com a segunda e a quarta mão da direita, e entregando uma xícara para Mitsuba – É chá de Melissa. Reduz a ansiedade.

Mitsuba aceitou e bebeu um gole, mas logo largou com uma cara feia.

– Cristo, como a Nanamine toma uma coisa dessas! – reclamou ele, devolvendo a xícara para Tsuchigomori, que pacientemente pegou e colocou em um criado mudo, pro caso do fantasma mudar de idéia.

Enquanto isso, ele deu um leve gole de seu chá, e assim um silêncio se seguiu por alguns minutos mais.
Nesse tempo, Mitsuba observou Kou descansar, tão em paz e tão sereno, como ele dificilmente poderia estar acordado, quando ele sempre estava inquieto com alguma coisa. Ao sentir uma brisa gelada entrar, tirou seu cachecol vermelho e cobriu o pescoço do Minamoto.

Pela primeira vez, Mitsuba estava expondo a cicatriz em seu pescoço. A cicatriz de um pescoço quebrado em um acidente que ele não se lembrava de ocorrer, nem o motivo. E Tsuchigomori, então, observou Mitsuba, preocupado com o jovem no.3.

Mitsuba parou, e olhou para o professor Tsuchigomori, sem sarcasmo ou resmungos agora, só uma curiosidade genuína.

– Professor Tsuchigomori, o que você quis dizer com "pensei que vocês eram próximos"? Próximos como? – perguntou o rosado.

– Por que a curiosidade tão de repente? – indagou Tsuchigomori.

– Porque me envolve. Posso ter uma resposta?

– Hm... – fez ele, coçando a nuca com o primeiro braço da direita – não tem nada demais disso, mas já que insiste. O Kou obviamente tem bastante afeto por você, no.3. Depois que você apareceu, ele começou a se mostrar como um jovem complexo e peculiar... Antes, já chamava a atenção por ser de uma família de exorcistas, por sua extravagância e animação, mas agora é diferente. Ele tem passado a questionar as coisas ao seu redor que antes eram tão óbvias, tem estado mais disposto a ajudar os outros com pequenas gentilezas, e parece que a enorme parede que ele tem em seu emocional está aos poucos se desfazendo e...

– A precisão e quantidade de detalhes é assustadora...– murmurou Mitsuba, assustado, entretanto intrigado – você é telepata?

– Eu sou professor dele. – respondeu com convicção – Além disso, até parece que você nunca ouviu o boato da biblioteca das 4 horas. Eu posso simplesmente ler o que aconteceu com ele...

– Ou seja, você é fofoqueiro e invade a privacidade dos outros! – exclamou Mitsuba, abaixando a cabeça, fazendo um certo drama. Estava começando a dar nos nervos de Tsuchigomori.

– E você que olha tudo que um espelho vê! Isso não é muito pior do que só ler o que acontece sem uma precisão maior de detalhes?

– Para de falar como se eu tivesse escolhido! Que chatice! – vociferou Mitsuba, e Tsuchigomori ficou quieto, reconhecendo que exagerou. Não valia a pena discutir com um sobrenatural adolescente.

– Está certo, está certo, me desculpe. Mas eu acho que você entendeu o foco não é?

Mitsuba assentiu, silenciosamente, enquanto olhava para Kou. Tsuchigomori talvez estivesse certo. Eles eram próximos, e mesmo Mitsuba via cada vez mais camadas do jovem Minamoto sendo reveladas diante de si.

Tsuchigomori só sabia disso por causa do livro sobre Kou que tinha naquela grande e empoeirada biblioteca, mas mais ninguém via aquilo, talvez nem mesmo Teru ou Tiara, Yashiro ou Hanako. Nem mesmo um Mokke enxerido veria Kou daquele modo, já que Kou notaria e daria-lhe um doce para que fosse embora.

– Ei, esses livros veem o futuro também, não veem? – perguntou Mitsuba – Eu posso fuxicar algum deles?

– Garoto, o que é que você quer tanto saber? – indagou Tsuchigomori.

Mitsuba não queria dar uma resposta. Apenas um "não é nada", baixinho, e se calou e foi embora, voando em uma baixa altitude.
De seu bolso tirou um potinho de blush. Não queria se maquiar nem nada, porém andava com aquilo em seu bolso para sempre que não soubesse para onde ir. Então ele voltava á sua fronteira em um piscar de olhos.

Apesar que ele tivesse reclamado da fronteira do no.4 estar muito bagunçada, ele poderia facilmente dizer que o vazio em sua fronteira era muito pior. Os mesmos corredores cheios de espelhos estavam nos mesmos andares, e as mãos que habitavam aquele lugar também.
E naquele vasto vazio, em cada espelho, Mitsuba via seu próprio rosto bonito anatomicamente, porém que na realidade era a máscara desse mesmo monstro que ele era.

Claramente, ele sempre podia evitar os espelhos se olhasse para o centro, uma grande queda, um grande buraco, mas nada de especial além de ossos, dos sobrenaturais que ele mesmo devorou, estava alí.
Por isso ajoelhou-se no chão, cansado. Chamou uma das mãos e fez um pedido, silenciosamente, e ela retribuindo o silêncio lhe obedecia. Trouxe-lhe um dos ossos do buraco, provavelmente um dedo mindinho.

Então, abrindo uma passagem por uma janela muito bem limpa, que por isso refletia, e atravessou sua mão por ela. Tateou por algum tempo alí. Percebeu que era uma carteira de algum estudante, já que sentiu uma tábua de madeira e por cima um caderno. Mas como não sentiu nenhuma caneta, foi com suas mãos até o canto da mesa, e roubou a tinta de uma caneta tinteiro.
Era o que precisava agora.

Ele molhou a ponta do osso na tinta, e no chão azulejado, começou a escrever. Se em lugar nenhum tinha paz, e nem ao menos podia olhar para os lados sem encontrar a imagem desagradável de um espelho, resolveu se apegar na história que ele se divertia tanto ao contar para Minamoto.

✧A História De Mitsuba✧(TBHK ~ Mitsukou)Onde histórias criam vida. Descubra agora