Capítulo 36

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O final daquele domingo passou depressa e no horário normal de sempre Sven abandonou Heiner aos cuidados de Barth que não pareceu muito preocupada com ele, na verdade ela nunca parecia muito preocupada com ninguém porque achava que o apocalipse estava próximo e nem valia a pena curar as pessoas de seus males, mesmo que esse fosse só um tornozelo torcido. Ela também não gostava muito de Sven porque achava que ele iria queimar no inferno por ter relações com pessoas do mesmo sexo, mas os dois nunca discutiram sobre isso e o enfermeiro não estava com nenhum pouco de vontade de conversar com ela sobre sexualidade, preferia gastar esse tempo em casa dormindo ou bebendo com Hans. O cozinheiro costumava convidar Sven para fazer alguma coisa periodicamente, mas eram raras as ocasiões em que ele aceitava simplesmente porque os amigos de Hans eram todos sádicos e assustadores e o enfermeiro se sentia um coelho em meio a um bando de lobos famintos.

Bem, de qualquer forma já era segunda-feira e ali ele estava de novo, aproveitando uma manhã fria e nublada sentado à sua mesa com uma xícara de café quente, completamente entediado. Costumava dizer que era um crime ter de ficar acordado a àquela hora e naquele clima perfeito para ficar em casa dormindo.

O enfermeiro olhou para o lado, o recruta estava dormido. Ele tinha se levantado com o toque da alvorada e tomado café da manhã, mas voltou a dormir de novo assim que deitou na cama. Era óbvio que era um adulto, ou quase um, mas toda vez que olhava para Heiner deitado ele parecia uma criança descansando depois de um árduo dia trabalhando no novo projeto de casa da árvore. O tornozelo torcido ainda estava comportadamente em cima dos travesseiros, mas o restante do corpo estava tão jogado que parecia que ele ia cair a qualquer momento e de fato já tinha jogado o travesseiro que devia estar aconchegando sua cabeça no chão. Estava com os braços abertos e uma das pernas para fora da cama, era realmente como se estivesse esperando por um abraço ou no mínimo estivesse com muito calor.

Sven olhou no relógio preso ao pulso e confirmou que já havia se passado o tempo de quinze minutos que era o máximo para uma bolsa de gelo ficar em contato com uma área lesada como aquela. Levantou-se e dirigiu calmamente até Heiner, não queria acordá-lo, ele parecia estar tendo um sono agradável e despreocupado que os recrutas de qualquer quartel não costumam ter. Dirigiu cuidadosamente a mão até a bolsa de gelo e a puxou, na verdade nem havia mais cubos lá dentro, todos tinham se derretido desigualmente criando formas diferentes e moldadas de acordo com a vontade do clima ambiente.

O recruta cerrou as sobrancelhas de leve e sussurrou brevemente um "frio", provavelmente por causa do ar que tocou a pele dele quando a bolsa foi retirada. O tornozelo dele estava estável agora, inchado e com marcas de sangue coagulado embaixo da pele, mas o enfermeiro sabia que não ia ficar pior que aquilo e talvez Heiner nem precisasse de tanto tempo para melhorar, embora ainda fosse recomendável que ele ficasse ali por duas ou três semanas. Ele se mexeu com uma expressão não tão satisfeita, mas não pareceu ter acordado, apenas deixou o rosto cair de lado em cima do lençol branco, ocultando uma parte da sua face, mas deixando à mostra o pescoço.

Heiner tinha uma cicatriz, não era tão comprida, mas era funda e a ferida aparentava ter sido tratada adequadamente em um hospital até estar completamente curada. O enfermeiro podia concluir que tinha sido alguma cirurgia, mas ela ficava na região da jugular e não havia nenhuma cirurgia no histórico médico de Heiner. Não que ele tivesse lido atenciosamente, na verdade só procurou por algum trauma já ocorrido anteriormente no tornozelo e como não encontrou nada nem leu o restante da ficha. Mas aquela cicatriz era mesmo intrigante, porque era profunda e ficava bem em cima da jugular e Sven apostava que o corte a havia atingido, se fosse esse o caso então era provável que Heiner em algum ponto da sua vida tivesse tido uma experiência de quase-morte.

Arremessou a bolsa de gelo em cima da sua mesa sem o cuidado necessário e ela tocou os papéis ali em cima com certo estardalhaço, mas nada que tivesse feito o recruta se mexer em cima da cama apesar de Sven ter feito uma careta achando que tinha acordado o homem. Queria ver mais de perto, as conclusões que tinha tirado de longe eram insuficientes e se tinha algo que Sven com certeza não conseguia evitar era sua curiosidade. Aproximou-se dele lentamente, dessa vez dirigindo-se até a cabeça, Heiner tinha cabelos pretos cortados no estilo padrão do exército e a barba também estava realmente bem feita, algo que Henry e qualquer outro instrutor exigia dos recrutas. Embora estivessem fechados no momento, Sven já tinha notado os olhos castanho-esverdeados, de um tom cremoso e com pouco brilho, sólido e constante.

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