Amor à Lua

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Estava caminhando frente ao meu apartamento. À minha direita corriam os carros, provavelmente os trabalhadores retornando do serviço, e à minha esquerda respirava a tranquilidade de um pequeno parque, o único desse quadrilátero urbano. Caminhava sem rumo, simplesmente para aliviar a mente de minhas dores. Como me é usual, estava em mais um daqueles momentos de reflexão e introspecção profundas, que sucedem os picos de decepção rotineira. Mais uma vez estava desencantado com o mundo. Mais uma vez ele tinha se mostrado não o que eu esperava, mas uma entidade de vida e consciência própria, ignorante à mim, e despreocupada em absoluto com meus princípios.

Foi então que Something surgiu suavemente nos meus fones de ouvido. Surgiu aquela melodia leve e nostálgica que nos faz ver verde no cinza e paixão na indiferença. Esqueci, por um instante, o ruído dos carros, e passei a ver somente o balançar das folhas, e a beleza intrínseca que carrega a natureza, equilíbrio perfeito entre Deus e nós mesmos... Ah, bastava o amor... bastava o amor, essa é a verdade. Bastava o amor, que tudo isso se resolveria. Que a ignorância desapareceria, que minha morte já não seria assunto de discussão. Bastava o amor verdadeiro, aquele que brota de fato dos sentidos, que carrega de fato a realidade, e que nos faz perceber de fato que não importam os motivos e os porquês, que não importam as origens e os fins... importam apenas o contato dos dedos, o deslize dos cabelos... importa apenas a existência em êxtase.

Mas, ó céus, quem seria esse amor? Se o busco, se o desejo, se o projeto... como poderia existir? Como pode nascer algo tão perfeito da imperfeição de minha mente imperfeita? Começo a pensar se isso de fato há... se somente a imagem do amor, simplesmente a ideia de amar, apenas a possibilidade de sentido, faz com que o conceito como um todo seja inviável... Quem sabe não haja nada para nada, e que tudo o que vemos é eterna construção imperfeita... Apesar de fazer correr eletricidade por meu coração, não passa de invenção humana, assim como todos esses prédios e carros em volta do parque. Devo viver uma invenção? Devo viver uma invenção em detrimento de outra? Devo carregar o mundo comigo nessa insanidade? Para quem vou dirigir esse suposto amor?

Levanto os olhos: lá está a lua. Brilhando imensamente, diferente de todas as outras luzes desse mundo. Bem, quem sabe. Quem sabe, não é? Porque ela é linda. Alguma coisa no seu jeito, na sua forma, nas curvas, talvez... alguma coisa nela me lembra alguma outra coisa... Bem...

Lembro de ler em Pessoa, uma vez, algo sobre ela, e de filtrar-lhe o pensamento de que sua brancura dúbia, que esta segunda-luz que ilumina nossas noites, representa, quem sabe, todos os não-seres da nossa existência, todos os paradoxos que constituem o nosso concreto. Não terá sido o único, é claro, a se encantar com o lado escuro da lua, e não terá sido o único a compara-la com a eterna inconsciência humana. Mas é tão linda, não é? Tão linda... Brilhante, redonda, enorme... parece deter todas as verdades em sua superfície. Daqui, não vejo nenhuma das suas crateras, nenhum de seus defeitos. E se vejo, as tenho como charme, como glamour... Lá de cima, tão distante dos nosso erros humanos, ela parece perfeita, quase intocável...

Uma motocicleta apressada faz seu motor ressoar: volto meus olhos. O terrível é pensar, contudo, justamente nesse brilho-segundo, derivado do reflexo do Sol em nós mesmos, e que faz da Lua uma imagem terrestre, desenhada unicamente pelos nossos olhos... assim como as sombras platônicas, será, mais uma vez, uma mentira, uma simplificação humana, uma ilusão vazia. Ah, Lua, até você... como eu queria que fosses assim tão linda... mas - e dize-lo quebra meu coração -, só me resta pensar que, para ser tão linda, dependerá para sempre de mim. Dos meus olhos vesgos, da minha luz sem potência, e dos meus poemas chulos... Será para sempre impossível, para sempre uma mentira, para sempre intocada.
E meu amor para sempre irrealizado.

Meu livreto pretoOnde histórias criam vida. Descubra agora