Dizem que os vampiros vivem para sempre. É pensando neles que renego a ideia de que a imortalidade elimina o sentido das coisas. Afinal, as coisas nunca tiveram sentido algum. E não costumo ver vampiros nos divãs da clínica...
Se se vive para sempre, se vive quantas vidas se quer viver. Se vive a vida de um vampiro, mas também se vive a vida da mocinha em perigo e a do cavaleiro encantado. Se quiser, também se vive a do cavaleiro desencantado, coçando a virilha no sofá. Há tempo para isso, há possibilidade. Se vive infinitamente, sem a morte, quantas vidas menores couberam na sua vontade. E todas essas vidas hipotéticas, individualmente, exalam sentido sem restrições. Têm de exalar, ora, se queremos tanto acreditar que nossas vidas únicas e humanas exalam...
Pode se ser que eu não seja um vampiro, e que nunca venha a ser, mas talvez eu possa viver a vida de um na minha, e assim viver todas as vidas. Se escrevo nos meus papéis que à meia-noite eu desejo o sangue dos homens, eu viverei um vampiro, e assim viverei para sempre. Dentro dos meus papéis, eu viverei para sempre. E viverei todas as vidas que eu quiser. Posso criar vidas inteiras dentro dos meus devaneios, e vivê-las minuto por minuto, e sentir cada embaraço e cada desilusão, e gozar cada sorriso e cada vitória, e depois abandoná-las por completo para viver a vida seguinte, a vida nova, com sentido novo e infindo. Sempre em sonho, é certo, mas sempre no caminho do sentido. Quem sabe assim eu possa conviver com o significado.
Vivê-lo de fato? Ah, temo que seja impossível...
VOCÊ ESTÁ LENDO
Meu livreto preto
PuisiAlgumas reflexões de um jovem dessa geração. Dispostos às vezes como poemas, às vezes em prosa, mas sempre como vieram à mente. Perdido num planeta tão grande, e sentindo o peito apertar de ansiedade, confia às palavras, suas melhores amigas, a inti...