Fernando Pessoa

5 0 0
                                    

Durante algum tempo eu pensei que houvesse alguma semelhança entre esses meus devaneios e o Livro do Desassossego... por conta, talvez, de se tratarem de excertos soltos, sem nexo e sem desejo de nexo, que representam um pouco da minha desilusão frente ao mundo. Mas então passei das primeiras páginas da minha leitura de Pessoa, cheguei aos textos críticos, e me dei conta do enorme idiota que eu sou. O gênio de Pessoa, de tão absurdo que é, jamais pode ser comparado com qualquer outra coisa, quanto mais com essas simplicidades burras que eu solto nas páginas. Basta ver a gama de ideias e psiques construídos ocasionalmente, o nível de detalhamento dos conceitos, a minuciosidade das escolhas... é algo que nem posso sonhar em alcançar. É difícil, talvez até impossível, definir o tamanho da vastidão que era a mente do homem. E não somente a dele, na verdade, sempre sinto o peso da burrice caindo nos meus ombros quando leio sobre qualquer um desses gênios da humanidade, até mesmo sobre os gênios menores. É claro que são poucas as almas que alcançam essa notabilidade, mas é claro, também, que por trás dela vem muito esforço, estudo e paciência, há de vir.

Pois é então que me falam (não exatamente me falam porque não discuto esse assunto com ninguém, mas imagino que falariam): "estude, e se esforce mais; leia mais; leia mais e leia melhor; deixe de lado as banalidades, elas corrompem o seu intelecto; leia apenas profundidades, leia apenas verdades; analise o que lê, critique; escreva mais, também, e escreva melhor; escreva todos os dias, tenha sempre um caderno e um lápis com você; construa um diário, faça resenhas, anote suas reflexões; tenho uma rotina de escrita!; escreva muito!, escreva muito que você ficará cada vez melhor!..."

Bem, talvez estejam certos, não sei. Mas como diabos eu faria isso? O primeiro problema é que, junto com o restante dos desafortunados, Deus me concedeu apenas 24 horas por dia para viver a minha vida, e delas já gasto muito com outras obrigações. Fica difícil de encontrar tempo para ler e escrever mais e melhor... E o segundo problema, o de fato problemático, é que nada disso realmente importa: eu poderia passar os próximos 50 anos apenas lendo e escrevendo, mais e melhor, que nada produzido pela minha mente se equipararia com qualquer ideia boba que Pessoa teve e depois descartou por ser insuficiente. Jamais alcançaria nem mesmo um nível para que existisse a possibilidade da comparação, para que existisse uma comparação com sua sombra, ou com a de qualquer um.
E assim estou preso, leitor, condenado a esse meu limite intelectual...

Mas, perceba, amigo, não estarei sozinho nessa, pois você estará comigo. Ou você acha que pode ser comparado com Pessoa? Não me venha com asneiras... A estatística me diz que 99,9% dos corajosos entediados que escolheram minhas palavras como passa-tempo são tão absolutamente ordinários como eu, tão absolutamente comuns. E a matemática me diz que, especialmente no âmbito prático, 99,9% pode tranquilamente ser 100%. Portanto, meu caro, se aconchegue: ficaremos aqui o restante de nossas vidas. E não importa quanto tempo isso dure. Presos, amigo, presos dentro das quatro paredes das nossas próprias limitações existenciais.

Meu livreto pretoOnde histórias criam vida. Descubra agora