Capítulo quatro

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Maven Dawson

Mesmo depois de tanto tempo, ela parecia não ter mudado. E, porra, ver ela tocando o piano me lembrou de tanta coisa.

O único problema era que eu não queria lembrar de nada, já que lembrar daquilo que, até certo ponto, foi tão bom, era pior do que lembrar de uma parte daquilo que foi um erro. Isso, exatamente, um erro. Um problema que nunca deveria ter acontecido. E, aquela garota em cima do palco que estava tocando piano tão bem, era a causa desse problema.

Não pude deixar de reparar no vestido dela. Verde esmeralda; contrastava com os cabelos ruivos dela e isso me irritava.

Olhei cada detalhe dela, da roupa dela, das joias, do cabelo preso em um coque baixo, do piano preto em que, apesar de eu não conseguir ver, podia imaginar as mãos dela tocando nas teclas. Olhei tanto que ela acabou percebendo e a música simplesmente parou de tocar.

Ela saiu do palco e eu me levantei da cadeira. Não queria falar com ela, de jeito nenhum, queria só ver...se ela estava bem depois do que aconteceu e, pelo o que vi, já sabia a resposta.

Fui para fora do teatro e o trânsito típico de Nova Iorque parecia mais calmo do que antes. Agora, já de noite, as luzes da cidade eram fascinantes.

Percebi repórteres e algumas pessoas do lado de fora do teatro, provavelmente esperando por ela.

Andei até o meu carro e, quando entrei, acendi um cigarro. Eu precisava disso, sejamos sinceros.

Não fumava com muita frequência, mas às vezes sentia uma certa necessidade da nicotina para ficar calmo e pensar direito. Acho que esse hábito começou depois que a minha tia morreu. Ela, assim como boa parte da família da minha mãe, era cigana e costumava fumar muito também. Minha mãe morreu quando eu tinha nove anos, então passei a ficar com a minha tia e alguns primos, já que meu pai era bem ocupado.

Como minha mãe não era cigana, fiquei meio chocado com as mudanças, mas não me senti desconfortável como meu irmão, que resolveu ficar com o meu pai mesmo ele sendo muito ocupado.

Eu e minha tia, a Emília, éramos muito próximos e, quando ela morreu, criei o hábito de fumar assim como ela, a diferença é que eu não fumo tanto como ela fazia.

Observei a pequena multidão se mover da frente para os fundos do teatro. Achei que tivessem desistido, até que escutei vozes e vi os flashes de luz.

Acharam ela.

Chegava a ser engraçado vê-la desajeitada e claramente desconfortável com a situação enquanto ninguém percebia. Não adiantava o quanto ela se afastava, a multidão - que crescia cada vez mais - a seguia.

Soprei a fumaça pela boca enquanto pensava em ajudar. Aquilo não era problema meu, então não precisava ajudar...

Realmente, não era problema meu, mas eu já estava andando até ela.

Joguei o cigarro no chão, tirei minha jaqueta e, quando finalmente aquele povo abriu espaço, cobri a cabeça dela e comecei a guiá-la para longe dali.

Empurrei ela para que ela andasse mais rápido até que as vozes estivessem baixas.

- Muito obrigada. - Ela praticamente sussurrou enquanto recuperava o fôlego e tirava a minha jaqueta da cabeça. - Eu odeio esses repor... - Finalmente percebeu quem eu era.

Controlei o ímpeto de sorrir e zombar da reação dela e coloquei as mãos no bolso.

- Quanto tempo, né, Eleanor? - todo aquela gratidão que ela demonstrava há pouco tempo desapareceu completamente.

A minha resposta foi o silêncio. Resolvi tentar de novo.

- A minha jaqueta. - Apontei para a mão dela. - Pode devolver ou gostou demais?

Ainda em silêncio, ela estendeu a mão e eu peguei minha jaqueta.

Custava tanto dizer algo?

- É só isso, Elen? Não tem nada a dizer? - percebi que ela travou a mandíbula. - Sabe, sendo bem sincero contigo, eu esperava muito mais desse "reencontro", jeli.

- Não me chame assim.

Pelo menos ela falou algo, já é um grande avanço.

- E como devo te chamar, jeli? - provoquei.

Quando ela revirou os olhos não pude controlar um riso dessa vez.

- Eu já vou indo então, estressadinha. - Pisquei para ela e fui embora.

Até que ouvi um incessante e irritante barulho de saltos batendo contra o chão. Pelo som, ela parecia irritada, o que não me é estranho.

Ela caminha até me alcançar e ficar bem na minha frente.

- É só isso, Dawson? - franzi o cenho, talvez um pouco confuso com a mudança repentina dela.

- Pois é, Quinn, eu também esperava mais disso, esperava que houvesse mais emoção, mas tudo que recebi foi, em grande parte, seu silêncio. Estou decepcionado com você, cerejinha. - Finjo decepção.

- Você estragou a minha noite, Maven! Eu... Você pode imaginar o quão importante isso era para mim? - se aproxima de mim.

- Poder eu até posso, mas não quero e nem ligo. - Desviei dela e continuei andando.

Os barulho irritante dos saltos voltou até que ela parasse na minha frente novamente.

- Você estragou o meu sonho e agora quer ir embora? Idiota!

Respirei fundo. Era por isso que eu não queria vê-la. Não ainda.

Olhei para o rosto dela. Nenhuma lágrima, apenas raiva. Não era muito diferente do que eu sentia.

- Vá para casa, Eleanor. - Voltei a andar.

O barulho dos saltos não voltou como antes, o que me aliviou.

Andei calmamente até meu carro novamente, sem olhar para ela ou escutar seus passos atrás de mim.

Entrei no carro e vi ela voltando para o teatro até se encontrar com o pai dela. Assim que eu o vi eu desviei o olhar e liguei o carro, saindo daquele lugar o mais rápido possível.

Não era porque eu não quis fazer nada hoje, que eu não vou fazer nada depois, Jeli.







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