54. O Banquete

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Octavia

 Ela brincava com o peixe frito no prato, mas seus movimentos eram nervosos e desajeitados. As últimas horas tinham sido tão tensas que, naquele banquete, Octavia estava completamente sem apetite. Ao seu lado, Bellamy parecia igualmente tenso; de vez em quando, ela o flagrava limpando o canto dos olhos, embora ele continuasse a comer como se nada estivesse acontecendo. Na ponta da grande mesa, Maham estava sentada, seus olhos fixos em Octavia a cada momento, como se estivesse aguardando o momento em que Octavia se ergueria e começaria a falar.

 Então Maham se levantou abruptamente, batendo na mesa. O ruído fez com que os terráqueos que antes conversavam se calassem, e toda a atenção se voltou para Octavia. Confusa, ela olhou ao redor, tentando entender o motivo da súbita interrupção. Foi quando Lincoln cutucou-a por baixo da mesa, um gesto que a fez perceber o que estava acontecendo: eles estavam esperando por ela. Com um movimento repentino, Octavia se levantou, mas suas palavras pareciam fugir-lhe.

 Bellamy, ao seu lado, apertou sua mão com cuidado, incentivando-a com o toque suave. Sentindo a confiança dele, Octavia suspirou fundo, permitindo-se relaxar. Então, finalmente, as palavras certas encontraram seu caminho até ela.

- Antes de virmos para cá, estávamos completamente perdidos. Todos nós, que um dia caíram do céu, fizemos algo de errado para estar aqui. Eu cometi grandes erros, mas o principal deles, por pior que seja, foi ter nascido. Assim que chegamos, aprendemos a não confiar em estranhos, mas sim naqueles poucos amigos ao nosso lado. Meus irmãos fizeram tudo para me manter viva, enfrentando as maiores atrocidades que a Terra já nos proporcionou.

- Não estamos interessados na sua historinha, pirralha - resmungou um dos terráqueos, mas Maham rapidamente o calou com um simples olhar desafiador.

  Octavia ignorou ele, esforçando-se para focar nas palavras que pareciam embaralhadas em sua mente.

- Vocês vivem aqui há muito mais tempo, têm muito mais experiência e conhecem cada canto desse lugar, mas mesmo assim, passaram pelas piores coisas que nem alguém em sã consciência poderia imaginar. Foram obrigados a agir com a razão em relação ao mundo exterior, pensando que nós, meros adolescentes, éramos seus inimigos, e independentemente, poderíamos nos tornar inimigos no futuro. O que quero dizer é que todos agiram defensivamente. Desde vocês escrevendo aquelas coisas nas árvores, até nós exterminando suas famílias.

- Nós não escrevemos nada em árvore alguma - disse Maham, confusa. - Foram vocês.

- Não. Eu me lembro bem do que vi - Bellamy se pronunciou. - Havia um corpo asfixiado na árvore. 

Não sejam mentirosos! - uma terráquea gritou. - Vocês mataram a minha filha e a amarraram na frente da minha casa!

Sim. A única coisa que fizemos foi tramar uma guerra - disse Maham.

  E então Octavia começou a entender tudo. Não foram os terráqueos quem fizeram aquilo, pelo menos não totalmente. A tribo que sequestrou Clarke e Wells planejou tudo propositalmente, esperando que os Cem e os terráqueos iniciassem uma guerra sozinhos e, por fim, acabassem por se destruir. Essa era a verdade. O tempo todo, ninguém teve culpa de nada.

- Vocês estão vendo? Eram eles o tempo todo! Maham, nós não fizemos nada disso. Confiem em nós - Ela encarou a líder com um olhar significativo, suplicando por pelo menos um pouco de compreensão. - Fizeram isso para que nos virássemos um contra o outro para facilitar o trabalho deles. Mas se nos unirmos, poderemos acabar com eles, poderemos provar que esse poder que possuem não existe mais.

  Cochichos se espalharam ao redor da mesa, cada um mergulhado em seus próprios pensamentos tumultuados e impulsivos. Octavia só queria que aquele inferno acabasse logo para que pudessem salvar Clarke e Wells, mas nem mesmo estava certa se isso seria possível. Enquanto isso, os terráqueos começaram uma pequena discussão, mas nenhum deles sequer ousou tocar no grupo de Octavia. Talvez fosse uma das regras, mas Octavia mal teve tempo para ponderar sobre isso, pois Maham logo restaurou a ordem, chamando a atenção dos terráqueos irritados.

- Por favor, se acalmem - pediu Maham, sua voz firme ecoando na sala. Um breve silêncio se seguiu, enquanto ela parecia lutar com suas próprias convicções internas. - Anos atrás, matamos os últimos que se aliaram a nós. Ano passado, fizemos o mesmo com outro grupo. Nós não confiamos em ninguém além de nós mesmos, e é isso que sempre digo a vocês.

  Maham fez uma pausa, engolindo em seco antes de continuar.

- Portanto, acredito que, pela firmeza em seu tom, Octavia Blake provou ser uma aliada forte. Os serranos, os quais nos atormentam há décadas, fizeram falsas ameaças durante meses apenas para nos jogar contra pessoas que não tinham nem uma vírgula de culpa.

Ela olhou ao redor da mesa, encontrando os olhares dos presentes.

- Por mais difícil que seja aceitar tudo isso, os cem e os refugiados estão em grande número, e com todas as nossas habilidades, acredito que possamos sim derrotá-los. Agora, se alguém não concorda comigo, por favor, levante a mão.

O estômago de Octavia se revirou. A vida de Clarke e Wells dependia da compreensão dos terráqueos que, até algumas horas atrás, eram seus maiores inimigos, e Octavia orava mentalmente para que isso mudasse. Um braço se ergueu. Era a mulher que havia criticado Octavia. Ela não esperou pela reação da terráquea, mas logo outra mão se ergueu, e mais uma. Maham ficou pensativa e o silêncio se instalou novamente. Cada segundo parecia uma eternidade naquela situação, mas um gesto de Maham foi o suficiente para que tudo voltasse ao ritmo comum.

  Maham fechou os olhos brevemente e depois acenou com a cabeça para o lado. Octavia estava bastante confusa, mas tudo se esclareceu quando um sorriso enorme surgiu no rosto de Lincoln e ele correu para abraçar Octavia. O gesto caloroso de Lincoln foi o suficiente para confirmar que a decisão era positiva e que estavam todos do mesmo lado agora.

- Espera... então deu certo? - ela sussurrou no ouvido de Lincoln, ofegante quando ele afirmou. - Meu Deus!

  Octavia voltou a abraçar Lincoln, e na emoção do momento, deixou um selar nos lábios dele. Depois, ela se aproximou de Bellamy, que parecia à beira das lágrimas novamente, e o abraçou. O momento foi tão mágico, como se agora só restassem coisas boas por vir, que Octavia só se deu conta da expressão triste de Maham depois de beijar Lincoln.

  Ela soltou Bellamy e olhou diretamente nos olhos tristes de Maham. Octavia quis ir até ela e pedir desculpas, até mesmo agradecer, mas quando Maham pareceu perceber a intenção, deu um passo para trás e adentrou a cabana. Mesmo que Octavia tenha desconfiado bastante dos dois, ela se colocou no lugar dos terráqueos desde o início do dia, especialmente no lugar de Maham. A líder foi obrigada a tomar decisões que não queria e perdeu Lincoln por isso. E, pior ainda, teve que ver outra garota beijando o homem que ela amava.

 Isso fazia Octavia se sentir culpada, mas não podia deixar de amar Lincoln, nem mesmo se quisesse.

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