47. Se machucar é inevitável

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Lilith

Cada dia parece mais monótono que o anterior.

Acho que parte disso aconteceu por causa do confinamento, não ver nada além das mesmas paredes claras não ajudou em nada na sensação de aprisionamento, mas pelo menos estou em um quarto maior agora e com uma cama de verdade. Uma verdadeira gaiola de ouro para a galinha dos ovos dourados.

Draco me visitava todas as noites, sempre durante a madrugada e sempre trazendo alguma coisa para que eu consiga comer mais do que dois pratos de sopa e uma fatia de pão seco com água durante o dia - apenas o que eles me deixavam consumir. Ele nunca falou nada sobre o que está acontecendo lá fora... Sendo honesta, ele nunca falou nada. Apenas me abraçou em silêncio e todas as vezes em que eu acordava na manhã seguinte, ele já havia partido.

Eu costumava ter um sono leve, mas me sinto tão cansada ultimamente, emocionalmente exausta que dormir o dia inteiro não é mais um missão tão díficil quanto costumava ser. A alimentação insuficiente me deixa assim, sonolenta e fraca, não pude deixar de pensar que esse era o plano desde o início. Quanto mais debilitada eu estiver, menos eu consigo resistir. Seja quem for, a pessoa que pensou nisso é esperta e cruel. E parte de mim desejou que dessa vez essa pessoa não fosse o meu pai.

Me enrolei ainda mais debaixo do pesado edredom, mas somente ele não era o suficiente para acabar com o frio. A mansão inteira é gelada e úmida. Todas as manhãs eu conseguia perceber que as janelas sempre tinham uma camada espessa de condensação. Parece que o único lugar que retém o mínimo de calor nessa casa inteira é o salão de entrada. Coincidentemente, lá é o único lugar bem iluminado também.

- É muito importante manter as aparências, eu acho...

Ouvi a porta rangendo devagar, um movimento totalmente inseguro, denunciando não se tratar do Draco e, muito menos, Narcisa. Eu não me virei para ver quem entrou, apenas mantive os olhos fechados e fingi que estava dormindo.

- Eu sei que você está acordada - A familiar voz suave e masculina me fez levantar com rapidez e encará-lo com espanto, não esperava vê-lo aqui de todas as pessoas. Ele tinha uma feição estóica e abatida, quase infeliz, mas seus olhos castanhos brilhavam com uma contida afeição e simpatia.

- Theo - Seu nome saiu como um sussurro fraco da minha boca. Ele abriu um sorriso igualmente fraco e fechou a porta atrás de si. E, na mesma velocidade em que eu lutei para sair debaixo das cobertas, ele caminhou até mim. Tudo foi muito lento e contido, não conseguia acreditar que ele estava aqui na minha frente e depois do que pareceram semanas.

- E aí, ruivinha - Sua voz também era um sussurro fraco quando ele se sentou na minha frente. As mãos apoiadas em cada joelho e os ombros curvados para frente. Suas sobrancelhas também estavam franzidas em pura tristeza e ele parecia completamente destruído com suas bochechas profundas e olheiras escuras. Sua imagem atual não chegava perto do alegre e festeiro Theodore Nott que arrumava encrenca pelos corredores de Hogwarts.

Me enrolei ao seu lado, passando os braços por cima do seu ombro e senti mais lágrimas embaçando minha visão. Fiquei tanto tempo presa nessa mansão, todos os dias desde que cheguei aqui, ao ponto em que 'chorar' deixou de ser uma atividade diária. Afinal, meus olhos estavam inchados e doloridos demais para que até as lágrimas queimassem como soda cáustica. Em determinado momento, instintivamente, elas simplesmente pararam de cair. Isso tudo até o dia de hoje, é claro.

- Por que você está aqui? Voldemort está aqui! Todos eles estão. Draco é um comensal agora... - murmurei todas as informações que sabia de forma atropelada, mas Theo não reagiu. Seus ombros não ficaram tensos como eu esperava que ficariam e ele não rebateu os meus comentários com perguntas igualmente apressadas e assustadas.

autodestrutivo × draco malfoyOnde histórias criam vida. Descubra agora