Estávamos em Maio, mês por norma dedicado às cerejas.
Eu tenho duas cerejeiras lindas na minha quinta, mas preciso ganhar algum dinheiro para as próximas demandas.
Amanhã partimos para a apanha da cereja. Daqui da aldeia vamos 3 e mais alguns de aldeias vizinhas.
Partimos por uma semana e se a produção tiver sido abundante voltaremos mais uma.Eu gosto de participar destas actividades. Mais para o final do Verão vêm as uvas. A vindima também é uma actividade onde podemos ganhar alguns tostões e para quem vive da terra são sempre bem-vindos.
Não gosto é de deixar os meus pais sózinhos, mas a tia Maria disse para não me preocupar que lhes deitava um olhinho.
Eu, o Carlos e o Guilherme lá partimos. Durante o percurso, os mais velhos gostam de entoar cantorias da sua juventude.
Eu sentei-me no autocarro ao lado do Guilherme. Foi meu colega de escola, mas eu segui os estudos em Vila Real e ele apenas completou o secundário.
Já esteve emigrado em França e Luxemburgo, mas decidiu regressar.
Não correu muito bem a sua ida. Diz que não se adaptou por causa da língua. O Francês era difícil diz ele.Houve um tempo em que estava interessado em mim, mas eu não estava virada para esse lado. Apesar de ser um menino bom, eu apenas o vejo como um bom amigo e ele não só aceitou a minha recusa como se manteve meu amigo.
Já recorri a ele várias vezes para alguns trabalhos.O Carlos, esse é mais moinante. Quer vida boa. Trabalha de vez em quando. Por exemplo, agora vai às cerejas porque quer comprar um carro usado. Um chaço velho que o Joaquim tem lá parado há muito tempo.
Enquanto isso no Luxemburgo...
- Mãe, pai, preparem-se que este ano em Agosto, vamos à terra.
- A Chacim?
- Sim mãe. Há quantos anos não vamos lá?
- Já perdi a conta, mas tu tinhas 6 anos quando viemos para o Luxemburgo.
- Então há 22 anos. São horas de voltar a ver as nossas raízes.
- Já não devo conhecer ninguém. Da minha juventude e do teu pai já devem ter morrido muitos. Como estará a minha casinha?
Enquanto o teu tio João foi vivo eu sempre mandei dinheiro para a manter, mas ele partiu há 3 anos.
Deve estar muito degradada.- Não importa. Vamos e encomendamos as obras que forem necessárias.
- Ainda faltam 3 meses quem sabe se lá chegarei.
- Lá estás tu com os dramas. Hás-de ir e voltar durante muitos anos.
- Sabes que agora há lá muitas cerejas? As saudades que eu tenho de apanhá-las da àrvore e comer. Nem as lavávamos. Agora é que faz tudo mal se não lavar.
- Disso eu lembro-me. Pulava o muro do Ti Abílio que era pegado com o nosso e ia roubar-lhe as cerejas.
- O Ti Abílio e a Ti Rozarinho. Bons vizinhos. A menina deles era quase da tua idade. Tinha uns cabelos lindos.
- Eu mangava com ela quando ela fazia rabo de cavalo. Quando passava por ela imitava o trote do cavalo e ela ficava furiosa. A minha sorte era a falta de pontaria dela pois quando eu fazia isso não havia pau nem pedra que não voasse na minha direcção.
- Saudades que eu tenho da minha terra. Por outro lado estou feliz por ter emigrado pois só assim consegui dar-te um diploma de médico.