Capítulo I - Horizonte

34 1 0
                                    


Ele abriu os olhos, mais uma vez, ao ouvir o canto dos galos. Ainda não havia sinal do sol. 

Uma noite bem dormida, mas era hora de se levantar. O dever sempre chama. 

Acendeu uma vela. Levantou-se, vestido apenas com o calção. Lavou o rosto, as axilas, os pés - nessa ordem. Penteou seus cabelos. Colocou a túnica. Logo em seguida, as meias. 

E então começou a vestir a armadura. 

Sapatos de ferro, grevas, rodilheira, quixote, em cada pé e perna. Faldas e escarcelas nos quadris...

Suspirou aliviado por ser uma armadura rúnica e não precisar da ajuda de um escudeiro para vesti-la. As peças quase encaixavam sozinhas em seu corpo. 

A armadura parecia mais e mais apertada a cada dia, porém. 

Foi então que ele caminhou até o espelho e tirou a túnica. Observou seu torso nu, pensativo. 

Certamente não estava gordo. Mas havia ganhado uma musculatura considerável nos últimos meses. Desde que haviam conseguido defender Darza com sucesso dos invasores sahalani, muitos dos soldados do Castelo haviam se tornado preguiçosos, inebriados pela vida de paz e tranquilidade, afogando as pouquíssimas mágoas que tinham na vida nos barris de vinho e hidromel do depósito. 

Mas não ele. A lembrança da guerra ainda era vívida na sua memória. Mais que isso, a lembrança de como a paz pode se tornar o inferno quase que de um dia para o outro. 

Treinava com afinco todos os dias. Cuidava de sua alimentação. E também fazia as vezes de mestre-de-armas implicante com os escudeiros e os cadetes recém-admitidos. 

Ninguém deveria se acomodar. "Não há curvas no caminho de Korl". 

Olhou, então, para o próprio rosto. Analisou os cabelos bem cortados e a barba impecavelmente feita, satisfeito. "Nada a fazer por aqui", pensou, corrigindo logo. "Exceto alargar a armadura. Melhor falar com o ferreiro logo, antes que as obrigações do dia a dia me desviem". 

Colocou novamente a túnica e continuou a vestir a armadura. Peitoral e espaldar, ombreiras, braçais, cotoveleiras, avambraços, manoplas...e por fim o gorjal. Observou o elmo sobre a pequena mesa de madeira ao lado de sua cama. "Hoje não", pensou. Aquele era o dia da aula dos escudeiros mais jovens, garotos na faixa de nove e dez anos de idade. Não queria aterrorizar os garotos aparecendo com o rosto coberto. 

Colocou a sobretúnica azul e branca sobre a armadura prateada, o cinturão...e, por fim, a capa. Sua capa era de puro azul com uma borda única prateada - o que o identificava imediatamente como um tenente-cavaleiro, patente que havia alcançado ao se tornar um herói de guerra. 

A verdade é que Korl valorizava a modéstia, mas ele não conseguia deixar de estar satisfeito com o respeito que ganhara depois da guerra. Sua infância e o início da adolescência foram um verdadeiro inferno; quando se tornara cadete, as agressões e ofensas abertas deram lugar a perseguições insidiosas. Mas agora ele era o Herói de Darza. Um oficial graduado. E acima de tudo, um CAVALEIRO. Isso havia sido suficiente para calar seus perseguidores, ao menos por enquanto. 

Ainda o assombrava ouvir "Sir" antes de seu próprio nome. Uma parte dele sorria satisfeita com o reconhecimento merecido, tão arduamente conseguido. A outra às vezes duvidava se seria merecedor de tal honraria. 

O último passo era a espada. Evidentemente ele treinaria com espadas de madeira, mas um soldado desarmado não é nada mais que um tolo. 

Prendeu a espada com sua bainha no cinturão e virou-se para partir. 

BrasasOnde histórias criam vida. Descubra agora