Capítulo XLI - Fantasmas, anjos e súcubos

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- Acho que isso é tudo. - disse Dray para Reynard, triunfante, limpando o suor da testa. 

Os dois homens, ainda ofegantes, observaram os animais. 

Kohe-Dahn, Vagabundo e Aurora estavam perfeitamente limpos, selados, alimentados e descansados. Os cavalos pareciam felizes, os raios de sol da tarde passando pelos espaços entre as ripas de madeira e banhando suas pelagens brilhantes. 

Plácido também havia recebido cuidados. Mas ele era apenas Plácido, no fim das contas. O animal os encarava com seu olhar vazio e indiferente, como sempre. 

- Às vezes, quando olho para você, eu me pergunto se existe algo dentro dessa sua cabeça - disse Dray, divertido, acariciando a cabeça do burro. 

- Às vezes eu me pergunto o mesmo olhando para você. - riu Reynard. 

- Claro que tem. Combate. Cerveja. Mulher. E...

Reynard apenas aguardou. Após alguns segundos de hesitação, Dray deu de ombros. 

- E várias outras coisas. 

- Ceeerto. 

- Por falar em mulher, estou com saudade das meninas na Ponta. 

- A Ponta...? Ah, a Ponta Meridional. A vila de apoio da Torre. 

- Exato. É para lá que estamos indo. Não é Darza, mas é um lugar simpático. Seguro. Os moradores são sempre gentis com feiticeiras e guardiões - afinal, somos o motor econômico da cidade. Há um mercado considerável no centro da vila, afinal, mercadores de todo o mundo sabem que podem ganhar muito vendendo para as feiticeiras.

- Podemos comprar um segundo burro e mais mantimentos. 

- Exatamente. Também há alguns bons restaurantes - nada muito sofisticado, porém. Recomendo um bolinho de frango que vendem no Centro do Mundo, o melhor restaurante de lá. Massa de trigo, recheio de frango desfiado. Frito em banha de porco. Parece algo banal, mas o segredo é o tempero, que eles não revelam para ninguém. Eles inventaram uma história sobre a receita ter vindo de um reino distante no oeste além do grande oceano, mas claro que é só para criar mistério e alavancar a publicidade. 

- Obrigado pela recomendação. Com certeza não vou perder essa. 

- Sabia que ia gostar. - Dray sorriu. 

- Vocês vão com muita frequência para a Ponta?

- Sempre que temos alguma missão externa ou quando podemos sair para resolver algum assunto pessoal. Visitar família, amigos, no caso. No caso dos guardiões, pelo menos. 

- As feiticeiras não podem visitar parentes?

- Sahha-Mayan disse antes. Não existe "parente" para uma feiticeira. A vida delas começa no momento em que elas pisam na Torre. - disse Dray, seu sorriso desaparecendo. 

Os dois ficaram em silêncio por algum tempo. 

Reynard pensou em perguntar a Dray sobre Sahha-Mayan. Especificamente sobre a história da possível fuga. 

Mas Piehe-Zystra excluíra Dray dessa conversa de propósito. 

E se o seu comentário acabasse resultando em algo ruim para Sahha-Mayan?

Dray, como ele, era um homem vinculado ao dever. Ele não poderia ignorar se Sahha-Mayan estivesse fazendo algo irregular. 

Ele poderia colocar os dois em uma situação difícil apenas com um comentário aparentemente inofensivo. 

O tenente decidiu, então, não perseguir o assunto. 

- Então... - disse Reynard, quebrando o gelo. - ...você vai visitar seus parentes, então, durante suas folgas. 

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