Capítulo XLIV - Acorrentados um ao outro

20 1 0
                                    

- Meu nome é Dray Lorthas! Muito prazer em conhecê-la, milady!

A jovem feiticeira observou o garoto à sua frente. 

Seus cabelos castanhos e ondulados pareciam ter vida própria, se espalhando em todas as direções a partir da cabeça. Seus olhos também eram castanhos e vivazes, emoldurados por sobrancelhas escuras, grossas e expressivas. Seu rosto era longo, com uma estrutura óssea marcante e um nariz afilado. 

Um menino bonitinho, ainda que um pouco desgrenhado. 

Havia, porém, algo que o tornava mais bonito. 

Era aquele sorriso. Um sorriso enorme, com covinhas adoráveis. Mas, acima de tudo...

...era a sinceridade e a pureza que ela percebia naquele sorriso. 

A garota que agora se chamava Sahha-Mayan tinha reconhecido bondade em pouquíssimas pessoas desde que pisara no inferno. E mesmo pessoas que ela achava que eram boas lhe fizeram mal em algum momento. 

Esse seria o seu guardião, aparentemente. O menino - e um dia, o homem - que estaria acorrentado a ela pelo resto da vida. Obrigado pelo dever a defendê-la até a morte. 

Ao vê-lo pela primeira vez, alguns pensamentos vieram à sua cabeça: 

"Será que ele se ressente deste lugar tanto quanto eu?"

"Será que ele quer ir embora?"

"Será que, no fundo...ele me odeia?"

Mas o menino não parecia ter nenhum ressentimento em relação a ela. Parecia animado, até. 

- H-hm...eu...falei algo de errado? - ele disse, parecendo um filhote que levou um chute. 

Foi então que ela percebeu que ainda não havia respondido. 

Sahha-Mayan se levantou, o tecido vermelho das suas vestes flutuando no vento. 

Ela percebeu quando o garoto praticamente esqueceu de respirar. 

Ela cresceu vendo como Piehe-Zystra causava esse efeito nas pessoas. 

"Então...agora eu também posso, huh." 

Sahha-Mayan fez uma reverência elegante. 

- É um prazer conhecê-lo, meu guardião. Espero que esse seja o início de uma gloriosa parceria.

Dray pareceu levemente confuso...e se sentou ao lado dela no banco do jardim. 

Os jardins da Torre. Um andar inteiro repleto de plantas e flores...sem contato algum com o sol lá fora. Plantas mantidas vivas apenas com mana e magia. 

Havia, claro, magia IMITANDO a luz do sol, que parecia banhá-los gentilmente naquela tarde. 

Uma obra-prima da engenharia mágica.

Mas para Sahha-Mayan, aquilo era só mais um lembrete do quão FALSO aquele lugar era. Do quão estéril era a Torre por baixo da sua riqueza, do seu poder, da sua beleza. 

Ela trocaria tudo aquilo sem pestanejar pela sua terra natal. 

Especialmente...especialmente depois de...

- Eu...não sabia que precisava me apresentar com mais formalidade. - o menino disse, suavemente. - Peço perdão se a ofendi. 

- Não me ofendeu. - ela respondeu. - Mas...como uma feiticeira, é como devo fazer. É como...esperam que eu faça. 

- Entendo. Mas...você não precisa fazer nada disso comigo. Se não quiser, claro. Você pode ser você mesma e fazer como desejar. 

Sahha-Mayan riu amargamente. Ela sabia que não podia mais ser ela mesma. E a cada dia estava mais longe de si mesma, cada pedaço seu sendo arrancado e substituído por algo que ela não reconhecia e não queria. 

BrasasOnde histórias criam vida. Descubra agora