Prólogo, parte IV - Sob a mesma estrela

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...antes que ela sentisse um puxão em suas roupas e caísse. 

De pé. 

Do lado de dentro da torre. 

Sahha-Mayan estava paralisada enquanto Reynard a abraçava, trêmulo. 

- Graças aos deuses... Graças a Korl. Você está bem. Está tudo bem. 

A garota ainda estava, de certa forma, entorpecida. Seus olhos se moveram lentamente; primeiro para o céu azul, depois para sua capa amarela que voava, livre, pelo topo da torre. Por fim, seus olhos pararam e se fixaram no rosto de Reynard. 

Assim, de perto, ele parecia ainda mais bonito. Os cabelos negros, curtos, lustrosos, a pele oliva típica dos ennari do sul. Mas acima de tudo, aqueles olhos azuis que pareciam um pedaço do próprio céu acima. Olhos que agora a observavam tensos, marejados. 

Foi então que conseguiu verbalizar algo, mais debilmente do que inicialmente pretendera: 

- Eu...estava brincando...

- Não, você não estava. - Reynard estava sério. Seu rosto transparecia várias emoções simultaneamente: medo, raiva, confusão. Talvez algum arrependimento. 

Subitamente Sahha-Mayan falou, no seu tom animado de sempre, com um sorriso leve nos lábios: 

- Você leva as coisas a sério demais. Foi só uma brinc-

- NÃO. Não foi. - Reynard repetiu, suas mãos se fechando com mais força sobre ela. - Pare com essa encenação e...

Foi nesse momento que Sahha-Mayan percebeu que ele finalmente se deu conta de que a abraçava. 

Suas mãos afrouxaram levemente, mas não inteiramente...e seu rosto corou. 

Ele, que em algumas horas se tornaria um membro da Ordem, alguém que faria um juramento que incluiria um voto de castidade, estava abraçando uma garota em um local escondido. Algo, no mínimo, irregular. Questionável. 

E a pior parte é que ele simplesmente não conseguia deixá-la ir. 

Em parte, era medo de soltá-la e vê-la correr para o parapeito de novo. Mas era mais que isso. 

Era o toque sedoso daqueles cabelos que voavam no ritmo do vento. Era aquele perfume, não apenas uma fragrância de flores e especiarias e almíscar mas também o da pele. Era a sensação dessa mesma pele macia sob seus dedos, agora que a capa havia escapado. 

Mas acima de tudo, eram aqueles olhos de mel e ouro e sol e luz. Aquele caleidoscópio de beleza e poder, aquele redemoinho inexplicável que parecia sugá-lo para mais e mais perto. 

Aqueles olhos que também o encaravam, como que esperando algo. 

E então seu olhar desceu para um par de lábios vermelhos, levemente entreabertos. 

Foi como se uma onda de compreensão descesse da sua cabeça aos pés e empurrasse seus nervos e músculos para a única ação possível, a única ação óbvia. 

Mas ele não o fez. 

Porque ela o fez primeiro. 

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Talvez o beijo tivesse durado um segundo. Talvez tivesse durado um minuto. 

Mesmo que tivesse durado mil anos, para Reynard seria a mesma coisa, pois foi como se naquele instante, o tempo tivesse parado. Como se fosse um momento definidor da sua vida, algo que dividiria sua existência entre antes e depois daquilo. Como se algo frio tivesse acordado e se aquecido em seu peito para nunca mais adormecer. Como se fosse o próprio destino se manifestando e traçando as linhas de seu tear. 

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