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O clima na casa não estava nada bom. A tensão era palpável no ar, e cada som parecia amplificado pela inquietação que todos sentíamos. Wagner decidiu não ir trabalhar, preferindo ficar em casa caso minha mãe tivesse outra crise. Ele queria estar presente para intervir em qualquer situação.

O dia passou lentamente, cada hora se arrastando. Minha mãe permaneceu no quarto, descansando após a crise da manhã. Quando a noite começou a cair e meu avô finalmente se foi, me sentei com Wagner na sala de estar. Ele estava focado em seu notebook, mas sua expressão mostrava claramente que estava com a cabeça em outro lugar.

Eu observava Wagner, sentindo uma mistura de emoções. Não me arrependia do que fizemos na noite anterior, mas não podia evitar um sentimento de culpa pela situação de minha mãe. Esse dilema me consumia, e eu precisava falar sobre isso.

— Wagner — comecei, quebrando o silêncio que pairava entre nós. — Eu... não me arrependo do que aconteceu ontem, mas sinto culpa pela minha mãe.

Ele olhou para cima, fechando o notebook e me dando toda a sua atenção. Seu olhar era compreensivo, mas também cheio de uma tristeza profunda.

— Milena — ele disse suavemente, — acho que é hora de você saber a verdade sobre o meu casamento com sua mãe.

Fiquei em silêncio, esperando que ele continuasse.

— Eu me casei com sua mãe por motivos políticos. Foi tudo um esquema arquitetado pelo seu avô. A ideia era estabelecer uma aliança entre nossas famílias e manter a estabilidade e o poder que ambos possuímos. Foi um casamento de fachada desde o início.

Minhas mãos tremiam levemente, e eu me forcei a manter a calma.

— Mas minha mãe... ela ama você . Eu vi isso nos olhos dela.

Ele suspirou, passando a mão pelo cabelo.

— Eu sei. E isso torna tudo ainda mais complicado. Eu sempre vi Daniela como uma amiga, alguém que eu queria ajudar e proteger, mas nunca senti por ela o que ela sente por mim. Minha relação com ela nunca foi mais do que amizade.

As palavras de Wagner eram um choque, mas também uma confirmação de algo que eu já começava a suspeitar.

— Então, por que continuar com isso?

— Porque eu queria evitar machucá-la mais do que já estava machucada. E politicamente, o casamento ainda fazia sentido para manter as aparências. Mas agora, com a sua mãe cada vez mais instável, isso está se tornando insustentável.

Eu me aproximei dele, colocando uma mão sobre a sua. — E quanto a nós? O que significa para nós?

— Milena, eu não quero te magoar. O que aconteceu entre nós foi... inesperado, mas muito real. Todo cuidado é pouco . Tudo nessa casa tem um equilíbrio muito frágil.

—  Não podemos ignorar o que sentimos. Precisamos encontrar uma maneira de lidar com tudo isso.

Ele assentiu, seu olhar firme encontrando o meu.
— E não vamos, vamos enfrentar  tudo isso juntos,e acima de tudo, precisamos ajudar sua mãe .

Novamente ouvimos um barulho vindo do quarto de minha mãe. Ambos nos levantamos imediatamente, os corações disparados com a possibilidade de outra crise.

Corremos até o quarto dela e a encontramos sentada na cama, os olhos vermelhos e inchados, mas com uma expressão de calma melancólica.

— lily? você está bem? — Wagner perguntou, a voz carregada de preocupação.

Ela assentiu levemente, olhando para mim com um misto de amor e tristeza.

— Mimi , eu só queria... me desculpar por tudo. Sei que minha condição torna tudo mais difícil para você.

Eu me aproximei dela, sentando-me ao seu lado e segurando sua mão. — Mãe, eu só quero que você fique bem... Vai dar tudo certo.

Ela sorriu fracamente, mas pude ver a dor nos seus olhos. Wagner se aproximou também, colocando uma mão no ombro dela.

— Dani , vamos encontrar uma solução. Vamos procurar a ajuda que você precisa.  Eu tô aqui com você.

Minha mãe assentiu novamente, as lágrimas escorrendo silenciosamente. Eu sabia que o caminho à frente seria difícil, mas estava determinada a fazer tudo o que fosse necessário para ajudá-la.

Ela se agarrou em Wagner e um abraço, as lágrimas sinceras caindo de seus olhos quebravam meu coração. Deixe os dois a sós e sai de volta ao meu quarto.

Mais tarde, depois que minha mãe adormeceu novamente, Wagner e eu nos encontramos na cozinha, preparando uma xícara de chá para acalmar os nervos.

— Ela parece estar mais calma — comentei, observando o vapor subir da minha xícara.

— Sim, mas precisamos de um plano a longo prazo.
Wagner respondeu, encostado na bancada.
—Precisamos encontrar um bom terapeuta, talvez considerar uma internação temporária para que ela receba o tratamento adequado.

Concordei, sentindo a gravidade da situação pesar sobre nós.  — Eu vou conversar com meu avô sobre isso. Ele pode ajudar a encontrar os melhores profissionais.

Quando a noite caiu, Wagner insistiu que eu descansasse um pouco.  — Você teve um dia longo e exaustivo. Vá dormir. Eu vou ficar de olho na sua mãe.

Relutante, subi as escadas até meu quarto. A noite anterior ainda estava fresca na minha memória, e um turbilhão de emoções me dominava. Me deitei na cama, mas o sono não vinha.

Decidi descer novamente para a sala de estar. Encontrei Wagner no sofá, olhando distraidamente para a lareira apagada. Sentei-me ao lado dele.

Ele se virou para mim, seus olhos encontrando os meus.

— Não conseguiu dormir?

Balancei a cabeça. — Não, muita coisa na minha mente.

Wagner suspirou, parecendo entender exatamente o que eu sentia. — É difícil desligar quando tudo está tão caótico.

Assenti, olhando para as chamas fracas que ainda brilhavam no fundo da lareira. — Eu me sinto culpada, sabe? Por tudo. Pela minha mãe, por nós... Eu nunca deveria ter ido embora.

Ele colocou uma mão sobre a minha, acariciando .

— Mila, você não tem culpa de nada. A situação com sua mãe é complicada, e o que aconteceu entre nós foi... inevitável, talvez. Mas nada disso é sua culpa.

Olhei para ele, meus olhos cheios de sentimentos confusos.

— Como você consegue lidar com tudo isso? Com a política, minha mãe, e agora... nós?

Wagner sorriu tristemente.  — Não é fácil. Mas eu aprendi a compartimentar. A manter cada parte da minha vida separada. Até você aparecer e misturar tudo.

Ri suavemente, sentindo um pouco do peso aliviar.

— Desculpe por complicar ainda mais.

Ele balançou a cabeça.

— Não, Mila. Você trouxe algo que eu nem sabia que estava faltando. Algo real, genuíno. E por isso, sou muito grato.

𝐌𝐈𝐋𝐀 - 𝙒𝙖𝙜𝙣𝙚𝙧 𝙈𝙤𝙪𝙧𝙖 Onde histórias criam vida. Descubra agora