Capítulo 2 - O Retorno

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 Dalibor tinha lições profundas com Boldrug quando o ajudava e isso ocorria na maioria das vezes em que estava em sua companhia. Com Hertha fora nas expedições, o rapaz ficava em constante tédio e pra lidar com isso, visitava o ferreiro para ajudar e aprender. Mas não disso o garoto poderia viver e deu-lhe uma vontade de comer algo diferente dos grãos e carne de coelho que estava acostumado a comer. Decidira pescar.

 E não muito longe dali morava Boldrug, o homem que muito tinha vivido. Dalibor com seus 12 invernos de idade, como os nórdicos dizem, tinha seus sentidos aguçados na maneira em que crescia. O rapaz já estava cansado de responder para sua mãe ou Boldrug que não sentia frio algum, mesmo vestindo o mais fino dos tecidos de lã.

 Sua mãe costumava costurar e tecer roupas para eles, mas grande parte destas, que estavam no baú, eram trazidas de Vila do Rei por um comerciante com sua carroça e seu cavalo. Hertha acumulava hacksilver e isso não era um problema, pois mal utilizam as moedas de prata cuja superfície era marcada com o símbolo de um dragão em afronta. Nas ocasiões de produtos interessantes, Hertha não tinha piedade em gastar com braceletes de pratas, gorros, capas e botas.

 Dalibor estava acordado desde que o sol exibira seu primeiro raio no horizonte e naquele dia não queria treinar como primeiro ato. Estava despido, usando panos para que cobrisse suas partes. Estava ajeitando suas coisas e vestindo-se para pescar para lá do Lago Ladoga, seguindo o rio que passava por um vale longo e se derramava no Mar de Cristal, que banhava todo o lado leste de Terra Distante.

 O vento era fraco e ar estava fresco. Dalibor deu uma boa respirada com orgulho ao olhar para céu. Esse era um dos poucos dias em que tivera acordado mais otimista do que nos outros dias. Apesar do seu encarar frio e indiferente o garoto esboçava no canto dos olhos vermelhos um sutil sorriso. Mas isso passou rápido quando notou que dois homens passaram com coelhos marrons na mão.

 A caça sangrava em gotas que caíam no chão de terra úmida. Estes homens o encaravam mortalmente, como se o culpassem por toda maldade e pecado do mundo. O garoto cerrou o cenho e ficou subitamente sério e lançou um olhar frio e nitidamente indiferente, demonstrando que não temia seus olhares. Os encarou até que os mesmos virassem seus rostos para outro lado.

 Logo girou sobre os calcanhares e andou até a casa de Hojurn, com uma rede e algumas iscas. Aquilo o fez lembrar de que a maioria ali o desprezava.

 Vestia uma camisa de lã leve, de cor cinza. A calça estava um tanto folgada em seu corpo e era da mesma cor marrom do calçado felpudo que usava, preso por tiras finas de couro que circulavam seu tornozelo e panturrilha. Não dera mais de 30 passos e bateu na porta de Boldrug, não se importando se estaria acordado ou não. Enquanto aguardava, Turgdson passou por ele, com um sorriso gentil estampado no rosto.

— Dalibor... — tentou o cumprimentar antes que sua mãe, a qual andava ao seu lado o acompanhando do retorno do oráculo, o puxasse pelo braço como quem evita a morte de alguém. Dalibor não pode deixar de ouvir as broncas que a mãe de seu próximo dava no rapaz. Algo como "não fale com essa família." O pequeno Turgdson era de fato pequeno perto de Dalibor, sendo esguio e tímido. Demonstrava ter um enorme costume de ser gentil assim como ser dono de um bom coração.

 Dalibor imaginou que a causa era simples: o pai de Turgdson morrera na mesma expedição que o seu e isso atingiu nos nervos da mãe do rapaz. Que culpa tenho eu?, pensou consigo, com indignação. O rapaz era novo mas nunca havia chorado. Conhecia a tristeza e a frustração, mas nunca conhecera as próprias lágrimas. Não que tivesse tido motivos para não chorar, pois tivera. Mas era como respirar para o garoto, nunca nada havia lhe imputado a vontade e instinto de chorar.

 Ouviu barulhos dentro da ferraria de Boldrug. Passos se aproximaram da porta e a mesma rangeu, revelando Boldrug que abriu um sorriso sutil ao ver o rapaz. Sua expressão era nula, mas com um gesto levantou a rede de pesca e o ancião logo entendeu. Não tinha o costume de expressar suas emoções - aquelas que não eram a ira e raiva - mas ainda sim se alegrou de ver o velho homem.

𝐅𝐎𝐆𝐎 𝐃𝐀 𝐃𝐄𝐒𝐎𝐋𝐀𝐂Ã𝐎 - 𝐕𝐎𝐋. 1Onde histórias criam vida. Descubra agora