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MEGAN STILL

Estranho a demora de Lucius para retornar da cozinha, e quando já estou quase levantando para ir a sua procura, o mesmo surge na porta do quarto segurando duas xícaras.

Ele vem até mim e me entrega uma das xícaras cheia de chocolate quente. O cheiro é maravilhoso.

- Você demorou, aconteceu algo? - Pergunto enquanto ele se acomoda na outra poltrona que colocou na varanda.

Antes de me responder, ele bufa e eu o encaro curiosa. O que o deixou irritado?

- Aparentemente a Internet dispõe de milhões de formas de como preparar chocolate quente, demorei para escolher uma delas.

Diz com a expressão indignada enquanto encara a xícara em suas mãos.

Não seguro a risada.

Mas quando ele me olha incrédulo, eu beberico o líquido para disfarçar.

- Está ótimo, você acertou na receita! - O elogio e um sorriso convencido surge em seus lábios.

Eu amo quando ele sorri.

Um silêncio confortável se instala na varanda até o primeiro raio de sol surgir. Lucius nã é de falar muito, prefere sempre observar.

E ultimamente eu venho o entendendo.

O silêncio se torna seu melhor amigo quando se está com a mente barulhenta demais.

E é assim que a minha se encontra.

Desde que voltei, não venho conseguindo dormir. O médico já me passou alguns remédios mas nenhum fez o efeito esperado.

Eles me fazem dormir por algumas horas, mas sempre antes do amanhecer eu estou de pé. Sempre pelo mesmo motivo.

Pesadelos.

Eles me atormentam desde que voltei do hospital. Todas as noites eu me vejo presa naquele cativeiro novamente.

Vejo os malditos soldados vindo em minha direção para me torturar novamente.

E na maioria das vezes, acordo assustada quando eles usam a máquina de choque novamente. Eu sinto calafrios só de lembrar.

Nos meus pesadelos, sempre volto para o dia que fui esfaqueada. As lembranças do rosto satisfeito do homem que enfiava a faca em mim sempre me assombram.

Eu juro que tento não pensar em nada disso, deixar o passado no passado. Mas se torna difícil todas as vezes em que o rosto de Pérez aparece em meus pesadelos.

É impossível não sentir raiva, ódio e repulsa quando lembro do seu olhar para mim. Como um pai pode odiar a própria filha?

Sei que Lucius está preocupado comigo, já que todas as noites em que acordo do pesadelo ele me encara e faz a mesma pergunta.

Quer conversar sobre isso?

E eu sempre nego. Sei que ele se sentirá ainda mais culpado se eu contar que não consigo dormir porque sinto que a qualquer momento vou ser levada novamente.

Ele nunca vai insistir para que eu conte. Lucius não faz o tipo curioso. Por mais que ele queira muito saber, ele entende que se não contei é porque não me sinto confortável em falar sobre isso.

Então opto pelo silêncio. Prefiro esconder isso dele. Eu posso suportar guardar isso para mim, já aguentei coisas piores.

Toco a cicatriz em meu rosto. É bem grande, difícil de esconder com maquiagem. Confesso que não é fácil olhar no espelho todas os dias. Olhar para meu corpo e todas as cicatrizes nele.

- Acha que ela diminuirá com o tempo? - Indago e Lucius me encara pensativo antes de suspirar.

- Não. Foi um corte profundo,  dificilmente irá sumir do seu rosto. - Ele é sincero. No fundo eu já sabia a resposta. - Mas, cabe a você decidir o que vai fazer com ela.

Meu rosto é de pura confusão. O que ele quer dizer?

- Como assim?

- Todas as vezes que se encarar no espelho, é você quem decide se vai dar espaço para uma garotinha frágil e medrosa, ou se vai encarar a mulher forte e determinada que você é Megan. Não deixe que nenhuma de suas cicatrizes faça você pensar que é fraca. Você é mais forte do que pode imaginar, e é por isso que elas estão aí. Para que cada vez que as veja, se lembre que você sobreviveu. E está mais viva do que nunca.

Como se lê-se meus pensamentos, suas palavras me confortam. Sorrio para ele em forma de agradecimento pelo que falou.

- Eu te amo, obrigada por tudo.

-Eu amo você mais do que pode imaginar, Meg. Bom, agora preciso trabalhar. - Diz enquanto sela nossos lábios com um selinho e logo depois beija o topo de minha cabeça. - Vá ao meu escritório após o café da manhã, ok? Preciso te mostrar algo. 

Por mais curiosa que eu esteja, sei que ele não falará nada aqui. Então apenas confirmo com a cabeça enquanto ele sai do quarto, rumo ao seu escritório.

Tem sido assim desde que recebi alta. Ele não sai para trabalhar, faz tudo diretamente do escritório. Segundo ele, para que possa estar por perto caso eu precise de algo.

Mas eu sei que está mentindo.

Lucius esconde algo de mim. E se minha intuição estiver certo, é algo sobre Pérez. Sempre que o indago sobre o desgraçado ele fica tenso.

Sua respiração muda, seus punhos se fecham e ele faz de tudo para desviar do assunto.

Mas eu irei descobrir. Uma hora ou outra, eu irei saber o que está acontecendo.

Saio dos meus devaneios ao ouvir meu  celular apitar, corro para pegá-lo pois já sei de quem se tratava.

Alec.

É sempre nas primeiras horas da manhã que ele pode pegar o celular e fazer contato com o mundo externo.

Eu e meu irmão estamos cada dia mais próximos, e eu me sinto tão feliz em relação a isso. É incrível saber que ele é um dos melhores soldados que já passou pela Bratva. Ficando atrás apenas de Lucius e Ryan.

- Bom dia maninha, eu estou bem, ok? Os treinamentos vêm sendo intensos, mas não é nada que eu não suporte. Depois do ano novo serei oficialmente um soldado da Bratva. Não vejo a hora disso acontecer.  Sinto sua falta e não vejo a hora de abraçar você. Obrigado por tudo , você é a melhor irmã que alguém poderia ter. Se cuida. Eu amo você.

Sorrio ao ler sua mensagem. Segundo Lucius, Alec se destacou la dentro, ganhou respeito dos demais colegas e até mesmo do comandante dos soldados.

Saber que ele está feliz me conforta. É claro que eu jamais iria querer que ele fizesse parte de tudo isso, mas se ele está feliz, eu também estou.

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